CORREIO BRAZILIENSE
Luiz Martins (*)
O Correio Braziliense comemorará neste 21 de abril os aniversários da Capital Federal e o seu próprio com um "novo projeto", reforma que sinalizará mais claramente a assinantes e leitores qual é o produto-jornal desejado pelos dirigentes e editores que assumiram a administração e a redação do mais antigo e mais lido diário brasiliense, após os afastamentos de Paulo Cabral, Ricardo Noblat, José Negreiros e Armando Mendes, em novembro passado, e, mais recentemente, de TT Catalão [veja remissão abaixo].
A última reforma do Correio Braziliense, liderada por Noblat, durou mais de sete anos e havia marcado de tal maneira a cara e o conteúdo do jornal que não podia ser descartada abruptamente, sob pena de causar um choque ainda maior do que a alteração repentina da política editorial, ocorrida com a queda de Noblat, então diretor de Redação ? fato que levou o Correio a substituir a metralha de denúncias que diariamente disparava contra Joaquim Roriz pela oferta diária de afagos e elogios ao governador do Distrito Federal.
Se o Correio fazia campanha contra Roriz, Roriz fazia campanha contra o Correio, declarando-o, do alto de palanques e púlpitos, um jornal "petista" e falido. Oficialmente, o jornal negava ter alguma coisa contra Roriz, limitando-se a informar que cumpria o seu dever de divulgar fatos e, se entre estes havia irregularidades, não era problema da redação. Oficialmente, Roriz jamais admitiu ter tido participação no complô que levou Paulo Cabral a pagar pelo apoio que deu a Noblat com a perda dos cargos de presidente dos Diários Associados e do próprio Correio, embora tenha comemorado a saída dos dois e até anunciado com antecedência a reviravolta, pouco antes da histórica reunião em que Cabral se viu derrotado pela maioria dos condôminos dos Associados.
Roriz chegou a ocupar boa parte da sua propaganda eleitoral com ataques ao Correio e a Ricardo Noblat. O racha dentro do próprio jornal passou a existir a partir do momento em que Roriz conseguiu incorporar o veterano Ari Cunha, um dos fundadores do CB, ao rol de seus cabos eleitorais. Vitorioso e sem nenhuma imprensa "petista" em seu encalço, Roriz não conseguiu se livrar das denúncias, pois alguns procuradores da República continuaram reunindo dossiês contra ele, desta feita sobre supostos desvios de verbas públicas para sua campanha eleitoral ? informações publicadas por toda a chamada "grande imprensa" mas, que não passariam, na imprensa local, de "ficções" inventadas por inconformados "petistas" à procura de um terceiro turno.
Roriz derrotou o candidato do PT Geraldo Magela por ínfima margem de votos; atravessou incólume um cipoal de acusações ligando seu nome a esquemas de grilagem de terras públicas, e até conseguiu reinventar a censura prévia, para que não viessem a público trechos de gravações de telefonemas grampeados pela Polícia Federal; desdenhou das "provas" juntadas pelo Ministério Público; por fim, livrou-se completamente de qualquer crítica na imprensa local. Restava um último vestígio: o verbo afiado e mordaz do editor e colunista TT Catalão, demitido sob o pretexto de que não haveria espaço para o que ele vinha fazendo no "novo projeto" do CB. E o que ele vinha fazendo que não condiz com o "novo" Correio Braziliense?
Focas e leitores
TT Catalão cuidava de uma página dominical intitulada "Imprensa", experiência singular de análise da mídia e de informes de organizações de defesa da liberdade de expressão, entre elas, a Sociedad Interamericana de Prensa (SIP) e a ONG Repórteres Sem Fronteiras. TT cuidava de outra página de futuro incerto, o "Correio do Brasiliense", que recebia colaborações (matérias e charges) dos leitores. Já em dezembro, um dos diretores vindos do jornal O Estado de Minas para tocar o "novo Correio" havia dito, numa reunião com a redação, que o CB vinha dispensando aos leitores espaços demasiados e dispersos.
Os leitores do CB também participavam da coluna "Desabafo" (300 mensagens por dia), editada por TT, e contavam com um raro Conselho de Leitores ? agora desativado ? composto por 37 integrantes e um coordenador, TT Catalão. Tinha ainda o jornalista uma crônica semanal, cujas últimas edições foram especialmente incômodas. Numa, criticou Roriz, noutra, malhou as elites de Brasília e as suas crias anômalas, playboyzinhos queimadores de índios e matadores de garçons a cadeiradas, covardemente atuando em gangues e contando com a impunidade típica da Capital da República e do "Sabe com quem está falando?" ? que o cronista trocou por um sarcástico "Sabe como quem está falindo?".
Durante um período de férias, uma de suas colunas (no CorreioWeb) já havia sido retirada. Seu último "Desabafo" (publicado na edição que circulou no dia de sua demissão, 12 de março, quarta-feira) foi especialmente sintomático: "Roriz no SPA, Brasília no espaço, a Justiça na espera e nós no espeto". TT sempre assinava o último "Desabafo" em co-edição, digamos, cívica, com os leitores.
Os "interventores" vindos de Belo Horizonte não ligaram a mínima para o fato de TT estar coberto pela imunidade de um mandato de dois anos, eleito que foi pela redação para representá-la numa Comissão de Ética, condição não argüida em nenhum momento por ele, pois a comissão já estava mesmo desativada. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF, no entanto, não engoliu em seco a arbitrariedade e prometeu tomar providências.
TT nunca foi patrão, nem chefe, nem rigorosamente um editor (estrito senso), pois seu trabalho permeava todas as editorias por coordenar pesquisas que davam o contexto da notícia. Sempre fez parte da força de trabalho assalariada da redação, mas sempre teve um brilho muito forte, que transparecia para o próprio jornal em seus melhores e mais inquietos momentos. Tinha também um relacionamento à moda antiga com os focas, que o chamavam carinhosamente de "mestre", tal a sua generosidade para com os mais novos, as atenções, as dicas e a paciência de ler os seus textos e dar sugestões. Recebeu, em sua casa, após a demissão, braçadas de flores enviadas pelos seus admiradores da redação e viu o seu correio eletrônico entupido de mensagens de solidariedade de leitores e personalidades.
Falta de estilo
TT Catalão pronuncia, nesta quinta-feira (27/3), mais uma aula inaugural na Universidade de Brasília, onde já foi patrono e paraninfo de turmas de Comunicação. Um outro desagravo aconteceu em praça pública: um manifesto na Rodoviária do Plano Piloto de Brasília, que por pouco não se confundiu com um protesto contra a guerra. Eram jornalistas, leitores e amigos de TT, num ato público contra a demissão dele, que contou com uma curiosa atração: uma rádio móvel que acabou atraindo também a atenção de populares. Sua caixa de e-mails reuniu centenas de manifestações de todo o Brasil e um leitor na Esplanada dos Ministérios lamentou a perda de sua leitura matinal: o ministro Cristovam Buarque. Parte da mobilização solidária incluiu a criação de um sítio na internet: <http://www.xenia.com.br/jornal/ttcatalao2.htm>.
Os destinos de TT e do Correio Braziliense já se cruzaram oito vezes. Foram quatro convites e quatro demissões. Não por mera coincidência, os convites ocorreram em momentos de grande renovação do jornal. E as demissões aconteceram em momentos em que o jornal mais se alinhou com o poder político. Havia sete anos que o Correio não era chamado de "jornal chapa-branca". Jornal de Capital da República, no entanto, parece ter uma atração especial por esse tipo de estigma. Ora são pressões do poder federal, ora são cooptações do poder local.
Em sua última rodada, no entanto, o Correio havia ultrapassado esse estereótipo e se firmado também como projeto mercadológico, marcado pelo apoio a campanhas públicas ? contra mortes no trânsito e contra a violência urbana ?, e por cadernos de serviço, lazer, cultura e assuntos de cidadania, o que lhe valeu no período uma centena de prêmios, entre eles alguns internacionais. Houve, também, uma opção nítida pelo "brasiliense" e pelos temas sociais, estando esses acima da velha busca dos jornais locais, outrora numa disputa para ver qual era mais o jornal da Capital.
TT foi o autor de um editorial do CB ? "Para que serve um jornal?" ? que virou banner imenso na entrada da redação e foi publicado várias vezes, em página inteira, como anúncio, para espelhar a filosofia que durante os últimos anos havia orientado o diário brasiliense ? o princípio de que "um jornal serve para servir".
Sobre esta última rodada de "renovação", o Correio promete, como já expressou em editoriais, independência. Até o momento, no entanto, os sinais são de que o jornal voltará a seu passado e a um velho estilo (que foi exatamente a falta de um estilo): a conveniente estratégia de não criar, não ousar, n&atilatilde;o incomodar e de ter como principal produto seus famosos classificados, sobre os quais inventou-se uma piada na redação: "Não pode ser vendido separadamente".
Será que haveria, de fato, lugar para TT Catalão nesse "novo projeto"? Espera-se, pelo menos, que o pôster com os objetivos do jornal não seja retirado da ante-sala da redação.
(*) Professor da UnB, jornalista e coordenador do projeto de extensão SOS-Imprensa
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