Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Empresas mais iguais entre as iguais

MÍDIA & MERCADO

Roberto Müller Filho (*)

Os meios de comunicação são predominantemente empresas privadas, sujeitos, em linhas gerais, à mesma legislação que regula o funcionamento dos demais estabelecimentos na chamada economia de mercado, tais como as indústrias, a agricultura, o comércio e o setor financeiro.

Mas, em decorrência de suas peculiaridades, são mais iguais que os outros. É óbvio que uma imprensa economicamente saudável é fundamental para a sobrevivência e o aperfeiçoamento da democracia, sobretudo em países como o Brasil, cujas instituições ainda são frágeis em virtude das lamentáveis interrupções na ordem constitucional que temos assistido ao longo de nossa história republicana.

É lugar-comum afirmar-se que as empresas de comunicação jornalística são privadas, mas têm (ou deveriam ter) fé pública. Dito isto, pode-se depreender que cabe ao Estado preservar uma imprensa livre, seja criando instrumentos capazes de socorrê-la, seja desenvolvendo legislação abrangente que proteja a sociedade de seus abusos.

Ao Estado compete, portanto, desenvolver regulamentação que, ao mesmo tempo, salvaguarde a liberdade e a pluralidade de expressão, proteja os interesses dos consumidores e os direitos do cidadão.

É fato notório que grande parte das empresas de comunicação estabelecidas no país vive atualmente uma aguda crise econômico-financeira, talvez a mais severa de que se tenha notícia, da qual dificilmente poderá livrar-se sem uma intervenção pública.

Talvez, ainda que por razões perversas, estejamos diante de um momento oportuno para a criação de um arcabouço legal que, a par de estabelecer mecanismos de saneamento das empresas (e não de mero socorro aos empresários), incentive a concorrência, restrinja a concentração de meios, estimule a gestão transparente e requeira sejam criados códigos de conduta fiéis a critérios gerais de proteção aos cidadãos, que são os legítimos titulares do direito à liberdade de expressão.

Ações nefastas

É quase certo que os problemas das empresas de comunicação cairão no colo das autoridades. Dos governantes, que representam os três poderes do Estado, espera-se que resistam à tentação de recorrer a soluções casuísticas, concebidas em troca de favores e proteção espúrios.

Seria ocioso ou de pouca utilidade prática investigar, entre os empresários do setor, quais são mais vilões do que vítimas. Já ficou dito que o que se tem em mente não é um mero plano de ajuda financeira destinado a salvar empresários, mas a criação de critérios públicos de reestruturação para preservar empresas, que precisam ser sólidas para ser livres.

Talvez, se fosse o caso de buscar culpados, poderíamos responsabilizar os bancos de investimentos que, em passado recente, encheram os olhos dos empresários descortinando um panorama duradouro de crescimento acelerado da economia, induzindo-os a apostar alto na multiplicação explosiva de consumidores de TV por assinatura, por exemplo. Ou, quem sabe, deveríamos execrar a grande maioria de analistas que acenaram com a perenidade do "círculo virtuoso" da economia em expansão? Ou, ainda, processar os que fizeram crer que a "bolha" da internet jamais explodiria?

Muitos poderão preferir encontrar as razões da crise, no caso brasileiro, na reversão de expectativas que ocorreu após o ano excepcionalmente próspero de 2000. E, de novo, culpar os que não previram o impacto da crise na Argentina, ou da crise energética, nem os efeitos do 11 de setembro ou as conseqüências da especulação cambial e da escassez de crédito durante o período eleitoral. Isto para não falar na falta, até recentemente, de uma lei que permitisse que as empresas jornalísticas pudessem ser controladas por pessoas jurídicas e até recebessem aportes de recursos externos (até o limite de 30% do capital), o que as teria tornado menos frágeis e atenuado o impacto do vendaval. Quando a lei chegou, já era tarde, dirão.

Parece claro que todos estes fatores influíram para que a situação chegasse aonde chegou.

O resultado concreto foi um abrupto cenário marcado por aumento no custo do papel (denominado em dólares), elevação excepcional dos compromissos financeiros em moeda estrangeira, assumidos no período "virtuoso" da corrida por novos investimentos, redução e encarecimento do crédito no mercado financeiro nacional e forte redução nas receitas de publicidade, assim como na de assinaturas e nos pontos de venda avulsa, de jornais, revistas e de TV.

Se esses, entre tantos outros fatores, pudessem ter sido previstos e evitados, é pouco provável que a mídia estivesse em situação econômico-financeira tão delicada. E, aí sim, a lista de razões da crise ficaria restrita à inapetência de diversos empresários do setor para a gestão eficiente, ou à sensação de impunidade histórica que levou muitos deles a sonegar impostos e à prática do calote nos empregados, fornecedores e agentes financeiros.

Com critérios gerais e transparentes, como os aqui superficialmente propostos, será possível sanear as empresas viáveis, revigorar a mídia e reprimir a açccedil;ão nefasta dos que se aproveitam do controle dos meios de comunicação para a prática do enriquecimento ilícito, do jogo de influências e da irresponsabilidade fiscal, trabalhista, financeira e social.

Estaríamos, possivelmente, matando dois coelhos com uma só cajadada.

Oxalá!

(*) Jornalista, vice-presidente de desenvolvimento estratégico da Editora Segmento