Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O pesadelo de Daniel Schneidermann

DEMISSÃO NO LE MONDE

Leneide Duarte-Plon, de Paris

"Ninguém é profeta em sua própria terra". Essa máxima de Jesus cai sob medida no jornalista francês Daniel Schneidermann.

Na semana passada, o crítico da mídia pagou com o próprio emprego o fato de ter virado seu foco contra o mítico Le Monde, jornal para o qual trabalhava há mais de 20 anos.

No sábado (4/10), no suplemento "Radio-Télévision" do Monde, o último artigo de Schneidermann chamava-se "Uma crônica ao mar" ? comparada a uma mensagem dentro de uma garrafa que não se sabe se vai chegar à praia. Ele dizia que escrevia sua última crônica sem saber se seria diagramada e publicada. E nela continuava a criticar seu jornal ? o motivo de sua demissão, anunciada pessoalmente dois dias antes. Ao lado, sob o título "As razões de uma demissão", Le Monde dava explicações a seus leitores.

A última crônica de Schneidermann ? que é também produtor do programa sobre televisão Arrêt sur l?image, no canal France 5 ? conta a história de um jornalista demitido pela direção de seu jornal porque criticara essa direção. "Parece que isso não se faz . Pode-se criticar (e o Monde encoraja a crítica) Jean-Pierre Raffarin, Johnny Hallyday, George Bush, Tony Blair, Alain Delon, Vladimir Putin, o Papa, o Dalai-Lama, os partidos políticos. A isso se chama ?necessidade de transparência?? Mas a direção do Le Monde (Jean-Marie Colombani e Edwy Plenel ? tem-se ao menos o direito de, sem blasfemar, pronunciar Seus Nomes?) é sagrada".

"Um mínimo de lealdade"

Le cauchemar médiatique (O pesadelo midiático), livro que o jornalista lançou dia 1? de outubro, foi a gota d?água numa relação já bastante desgastada entre o crítico de televisão e seus dois chefes supremos: o diretor de redação Edwy Plenel e o diretor do grupo Le Monde, Jean-Marie Colombani. Os dois não haviam gostado do que Schneidermann escrevera sobre o livro La face cachée du Monde (A face oculta do Monde) dos jornalistas Pierre Péan e Philippe Cohen [veja remissões abaixo]. As mesmas críticas que Schneidermann fizera em sua crônica à reação do jornal, na época do lançamento do livro de Péan e Cohen, em fevereiro, ele ousou repetir agora, em 37 páginas de seu "pesadelo midiático", que tem 247 páginas :

"Mesmo se o livro de Péan e Cohen transpirava por todos os poros a vontade de destruir e estava cheio de erros flagrantes, pareceu-me que o Monde, em vez de reagir como um clã siciliano ofendido pela provocação de um clã rival, deveria ter respondido como um jornal em uma democracia desenvolvida do século 21: abrindo suas bocas, suas contas e seus arquivos". Schneidermann conclui que a incapacidade do jornal de opor ao livro uma contra-investigação digna de crédito fora uma espécie de confissão de culpa.

O corso Colombani não gostou da acusação de "reagir como um clã siciliano". Na carta em que explica as razões da demissão, o jornal diz : "O senhor comparou seus dirigentes a ?um clã siciliano? e os ataques que o senhor dirige a eles foram variados". O texto da carta lembra que o autor acusa o jornal de não praticar em relação a suas contas o mesmo tratamento que exige dos outros. E afirma: "Um jornalista tem de ter para com a empresa que o emprega um mínimo de lealdade".

Mentor universal

Foi com base nesse conceito de lealdade que Schneidermann foi demitido. A alínea B do artigo 3? da convenção coletiva dos jornalistas franceses prevê que "a liberdade de opinião dos jornalistas não pode prejudicar os interesses da empresa de jornalismo para a qual eles trabalham".

"O trabalho de difamação ao qual o senhor se entregou no capítulo de seu livro dedicado ao Le Monde, e do qual o senhor não ignora o prejuízo que traz ao jornal, constitui uma causa real e séria que justifica a sua demissão", conclui o texto.

Nesta quarta-feira (8/10), os jornalistas da Sociedade dos Redatores do Le Monde (SRM, proprietária majoritária das ações do jornal) deve se reunir para discutir o direito de expressão dos jornalistas do mais influente e polêmico jornal francês.

Com o livro de Schneidermann chegam a quatro os livros lançados este ano tratando da mídia e em particular do Le Monde. São eles:

** La face cachée du Monde, de Pierre Pean e Philippe Cohen; 

** Le cauchemar médiatique, de Daniel Schneidermann;

** Ma part du Monde", de Alain Rollat;  e

** Pouvoir du Monde, de Bernard Poulet, que acusa o jornal de querer tornar-se o mentor universal e o grande inquisidor.

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