SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Nahum Sirotsky (*)
[Publicado originalmente na Revista 18, <http://www.culturajudaica.org.br>; n? 5, set-nov 2003]
Por incrível que pareça, a chamada Era da Informação descreve um efeito oposto do que se afirma na expressão. Sabemos mais fatos do que nunca. Somos mal informados.
Não se desconhece que as armas de guerra se tornaram mais destrutivas. O soldado do futuro, talvez próximo, terá de ter a competência de um engenheiro. Ele comandará armas. Os confrontos diretos desaparecerão.
Os americanos já se planejam para tais dias. Nem bem termina a primeira etapa do que os militares chamam de "revolução militar", a qual, numa síntese simplista, implica táticas de unificação de todas as armas num só todo e numa só manobra e já se prevê a escalada para confrontos que serão quase que somente de tecnologias. A informação será tudo. A questão militar, porém, é relativamente simples, apesar de sua extrema complexidade tecnológica. Trata-se, afinal, de máquinas que processarão os mais sensíveis dados e os transformarão em comandos. Já se faz isto há anos. Os sistemas serão aprimorados. Os laboratórios trabalham as equações.Vão chegar lá, até a possibilidade de destruir um palito no bolso de um individuo a muitos quilômetros de distância. E só e apenas o palito, se assim for decidido.
Igualdade inviável
O ser humano é que é a grande questão. Como ajudá-lo a processar dados para compreender melhor o mundo em quer vive? Se não for criado o sistema para informá-lo, ele poderá se tornar um simples comandado nos anos próximos. É uma perspectiva apavorante, porém posíivel.
O mundo jamais foi bem informado. Mas disto não tinha consciência. Os povos sempre se deixaram motivar por desinformação proposital. Os Estados, não raro, por falta de informação mesmo. A inércia inicial se incumbia do resto. O começo dos conflitos era esquecido. Só persistiam a raiva do inimigo e o instinto de sobrevivência. A necessidade de vencer. O medo da derrota. Os meios de informação e de comunicação eram relativamente limitados. E não havia maior curiosidade.
Os meios de comunicação se aprimoraram. A escola americana de jornalismo definiu noticia como resposta a seis perguntas: o quê? quem? quando? onde? como? e por quê? Pronto. Era-se informado. Lia-se e se ouvia fatos. Bastava. Não mais. E mesmo assim esta escola está modificada.
O mundo se expandiu com a descolonização. As Nações Unidas começaram com menos de 70 membros. Chegaram perto de 200. O crescimento do intercâmbio levou ao que se qualificou de interdependência. Aos tempos em que se dizia que "quando os Estados Unidos pegam resfriado, o mundo fica com pneumonia".
Os meios de comunicação instantânea num mundo transformado num grande mercado levou ao fenômeno da globalização. Os mercados são mais ou menos importantes mas todos influem uns nos demais como uma corrente, um pavio. É possível comprar uma roupa feita na China no Brasil a preços competitivos..
Existem poderosos grupos antiglobalização. São herdeiros dos grupos de artesãos que imaginavam poder impedir a revolução industrial destruindo máquinas. Não faz muito tempo, os operários gráficos se revoltaram contra o emprego de máquinas automáticas na impressão de jornais. A tragédia da modernização é que ela enfraquece a fraternidade e prova a inviabilidade da igualdade. A liberdade, porém, pode ser preservada pelo homem bem informado. É a grande questão da atualidade.
Cautela extrema
Nos tempos da Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, as duas superpotências corriam para produzir mais e mais das então chamadas últimas armas, as que podiam destruir o mundo, as nucleares. Criaram arsenais suficientes para se destruírem várias vezes. Como se fosse possível destruir o destruído. Era o overkill, matar mais de uma vez. E foi esse "equilíbrio do terror" que evitou uma guerra mundial por mais de 50 anos. Foi dos períodos mais seguros da historia..
Mas o atual overkill é extremamente perigoso. É um excesso de oferta de informações que homem algum consegue processar. E manipulável. Rádio, televisão, cabo, internet, diários, semanários, mensais. Livros de momento. As informações são quase todas parciais. Refletem interesses vários como de Estados, empresas, indivíduos. A informação jamais foi objetiva. A interferência do observador, digamos, jornalista, é a certeza do preconceito. O homem é o animal que pensa, o animal que tem opinião. Assim é definido. Opiniões, todos temos. E quase todos partimos da opinião para o pensamento.
Há anos, sabia de casa como um mesmo fato era transformado em cada jornal. Mas, como era coisa doméstica, acabava favorecendo o veiculo próximo do meu pensar. Ao voltar a ser correspondente estrangeiro, depois da internet, a coisa complicou. Com um pouco de esforço parti para cruzar informações. Por exemplo: o que lia em Israel, escrito por colegas israelenses, comparava com a mesma informação, publicada em jornais árabes ou europeus e, não raro, americanos. Tive de aprender a separar interpretação de opinião. Nunca chegava à mesma notícia. Não adianta mesmo. Quem conta um conto aumenta um ponto, como se dizia antigamente. Hoje, este fato é um perigo. Formam-se opiniões com manipulação proposital da informação.
Sempre navego com extrema cautela. Nem sempre chego ao porto certo. Não sobra tempo para fazer o mesmo com todos os acontecimentos que julgo importantes. E tenho obrigação profissional de me informar o melhor que posso. Não me sinto suficientemente bem informado. É grande demais, além do alcance de qualquer ser humano, receber e processar o overkill de notícias..
Incompreensível e inexplicado
Até agora, não se sabe toda a verdade sobre a Operação Iraque, por exemplo. Existem cerca de mil jornalistas em Israel, credenciados por veículos estrangeiros.Um paiseco de seis milhões de habitantes e 20 mil quilômetros quadrados de extensão. Cada evento recebe tratamentos. É comum, por exemplo, notícia como "dois palestinos foram mortos hoje pelas forças armadas de Israel depois que mataram X israelenses"; ou a mesmo, "depois de um ataque no qual palestinos mataram X civis, inclusive homens, mulheres e crianças, as forças israelenses perseguiram os autores que morreram ao resistirem à prisão".
A diferença está na ênfase.A primeira nota provoca reações negativas árabes, a segunda justifica os israelenses. A primeira promove o desentendimento, a segunda justifica a vingança.
A verdade é uma agulha num vasto palheiro. Dá trabalho demais. Não há tempo ou interesse em tentar descobri-la. Fica o povo boiando num oceano dos mais estranhos peixes.
O jornalismo atual ainda não se ajustou aos tempos. Continua como se nada, além do estilo, tivesse mudado. Tudo mudou. O jornalista é a primeira vitima, pois é apenas humano. Os veículos competem e vão se arruinando.
O jornalismo tem de ser totalmente repensado. Meu palpite é que incontáveis indivíduos se sentem frustrados com o peso do overkill da oferta de informações. Fogem pela saída da nota ligeira e superficial, de fatos apenas. Ou opiniões não raro adjetivas. As gentes sabem cada vez menos de cada vez menos. Criam-se grupos inspirados em adjetivos que viram base de pensar. Estamos criando sociedades preconceituosas. Está cada vez mais fácil convencer as gentes a partirem para os extremismos de todos os tipos.
Um princípio fundamental é que só se entende com o que já se sabe. O jornalista tem de forçar a revolução.Ele precisa transmitir entendimento, significados. Ajudar o indivíduo a se encontrar no meio confusão em que se vive. A entender melhor o que pode influir na vida de cada um.
Mesmo nas democracias, as liberdades perigam pelo peso de informações incompreensíveis e inexplicadas. Pela tendência ao escapismo como saída. Pela desinformação que começa nos responsáveis e chega ao povo como verdades que não são.
(*) Jornalista baseado em Tel Aviv