Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cuidado com a picada da anaconda

NOTAS DE UM LEITOR

Luiz Weis

Ao contestar a reportagem da Folha de S.Paulo intitulada "Para procurador, há prova para prender juízes" (5/11, pág. A 7), a procuradora regional da República Ana Lúcia Amaral acertou no nervo de uma situação para a qual o jornalista precisa estar atento 24 horas por dia. É o eterno risco que se corre na cobertura de acontecimentos ferventes ? como é o caso da Operação Anaconda, a maior razzia já feita no Brasil contra juízes, advogados e policiais suspeitos de corrupção.

O perigo é levar uma picada mortal dos fatos quando, na ânsia de bater a concorrência, repórteres e editores passam ao leitor furos que acabam se revelando furados.

Tendo largado depois do Estado de S.Paulo em noticiar essa formidável empreitada policial que já permitiu trancafiar quase uma dezena de supostos traficantes de decisões judiciais e falcatruas afins, a Folha em poucos dias não apenas tirou o atraso como passou com vários corpos de luz à frente do competidor.

Seja na copiosa oferta de mercadoria exclusiva, seja na forma amigável para o leitor de apresentá-la, com tabelas, excertos de documentos e infogramas de uma clareza exemplar ? no que, aliás, a Folha é imbatível entre os diários brasileiros.

Mas aí o diabrete que existe só para infernizar os jornalistas induziu a Folha a publicar como verdadeiras declarações da procuradora Ana Lúcia e de sua colega Janice Ascari ao diretor-geral da Polícia Federal ? que a primeira sustenta serem falsas ? sobre as famosas fitas do grampo ilegal em telefones petistas depois do assassínio do prefeito de Santo André, Celso Daniel, em janeiro passado.

E foi na carta de protesto ao jornal, publicada em 8/11, que Ana Lúcia deu uma breve e contundente aula sobre o que se poderia chamar jornalismo em tempos de pauleira pura.

"Se faltam informações sobre o caso [a Operação Anaconda]", ensina a procuradora, "deveriam os profissionais competentes perceber que os processos criminais de tal envergadura, no momento em que ainda se encontram, não podem gerar informação na velocidade e na quantidade necessária para preencher as páginas de um jornal."

Presumindo que jornais como a Folha não fabricam informação para suprir a crise de abastecimento de que fala a procuradora, justamente quando a concorrência late nos calcanhares, a saída é uma só: gastar mais sola de sapato, celular e saliva na aborrecida tarefa de checar e tornar a checar as informações aceitas pelo seu valor de face, ao risco de chegar do fim do dia sem tê-las "na velocidade e na quantidade necessária". Paciência: todas as outras alternativas são piores.

P.S. ? A Folha teve uma curiosa reação (ou falta de) à carta de Ana Lúcia ? que, afinal, não é o fim do mundo, nem invalida a citada reportagem em geral. O jornal publicou o texto, não o contestou nem tampouco deu o "erramos" de praxe. E o ombudsman Bernardo Ajzenberg não fez qualquer comentário a respeito na sua coluna dominical.