AS FRAUDES NO NYTIMES
Alberto Dines
A divulgação do relatório da comissão convocada pelo New York Times para examinar o “caso Jayson Blair” exige reflexões e não apenas sentenças rápidas. Apesar das dimensões do trabalho de quase 100 páginas, o assunto está longe de encerrado, sobretudo para nós.
O leitor brasileiro desconhece algumas situações “orgânicas” do sistema jornalístico americano que o texto não contempla ? e essas são essenciais para se compreender tanto o diagnóstico como as soluções preconizadas.
Além do relatório é indispensável considerar os procedimentos adotados desde o momento em que a direção da redação percebeu a extensão da fraude cometida pelo repórter Jayson Blair. O texto agora disponibilizado complementa uma conduta impecável desde o início ? impossível dissociá-los. [Veja, abaixo, remissão para a íntegra, em inglês; nas páginas seguintes desta rubrica, um resumo do documento em português.]
Sendo assim, convém examinar com cautela o entusiasmo dos jornalões brasileiros ao fazer da criação do cargo de Ouvidor a solução para todas as mazelas da imprensa.
O Ombudsman, Ouvidor, Defensor do Leitor, Editor de Qualidade ou que nome tenha é apenas uma parte, a parte visível, de um complicado sistema de poderes e controles dentro da empresa jornalística. Sozinho corre o risco de servir como peça decorativa (como já aconteceu).
Antes de ensaiar o oba-oba a respeito da institucionalização dos Ouvidores é preciso ter em mente algumas premissas sobre a organização de uma empresa jornalística como o New York Times:
** Embora familiar, é uma empresa de capital aberto onde os acionistas têm voz e voto.
** Os acionistas são representados pelo publisher que, por sua vez, escolhe a direção da redação.
Existem portanto três instâncias de poder às quais o futuro Ouvidor do New York Times, pelo menos teoricamente, poderá (ou deverá) servir.
No caso brasileiro, os acionistas, o publisher e os diretores fazem parte da mesma esfera e, às vezes, confundem-se ou são extensões da mesma pessoa. Por isso, nossos ouvidores terão sempre um escopo limitado: poderão avaliar e criticar o trabalho dos profissionais do baixo e médio clero, e nunca do alto clero.
Reclamar contra condutas emanadas de um nível acima (mesmo reservadamente, a portas fechadas) significaria criticar a própria direção da redação, o publisher e os acionistas. Impensável.
O que importa nesta nova etapa do “caso Blair” é que nada mudou: a transparência está mantida, assim também sua dimensão pública. O jornal não enganou os leitores antes nem os engana agora. Nada foi ou está sendo omitido ou amaciado.
Preservou-se o compromisso inicial de exposição total, a própria divulgação do relatório o comprova. Também a dimensão e a constituição da comissão de inquérito (28 pessoas, sendo que três independentes, trazidas de fora).
Neste ambiente de candura institucionalizada, um Ouvidor será certamente bem-sucedido. O leitor está preparado para recebê-lo, assim também o acionista, os anunciantes e as fontes.
A empresa e o jornal mostraram-se antes e mostram-se agora perfeitamente aptos e amadurecidos para avançar no processo de democratização das decisões.
Num ambiente fechado e permeado pela onipotência não seria impossível. Mas certamente será mais difícil.
Leia também
Íntegra do relatório do Comitê Siegal em formato PDF [em inglês]
Nós e a purgação do Times ? Bernardo Ajzenberg [Entre Aspas, Folha de S.Paulo]