O ASSASSINATO DE LIANA E FELIPE
Cláudia Rodrigues (*)
A mídia aproveita a tragédia ocorrida em Embu-Guaçu para levantar duas questões: diminuição da idade para cumprir pena e métodos para proteger os filhos da violência e dos malfeitores. Só. Jornais, revistas, programas de rádio e TV desembestaram a falar sobre a idade do jovem marginal, 16 anos, e a necessidade de punição mais severa do que dois anos na Febem. Que horror, o que faremos com nossos filhos, por nossos filhos? E lá vêm receitas mirabolantes, como a do psiquiatra que deu entrevista ao Fantástico, afirmando que ele tem tranqüilidade em dar tchau a seus filhos adolescentes quando saem a passeio, porque os aconselhou desde pequenos, porque nunca perdeu o diálogo e lhes passou a devida responsabilidade.
Patéticas observações diante de um crime imprevisível que tirou a vida de dois jovens bem-educados e bem-orientados que só pecaram, se pecaram, por serem jovens e pensarem como jovens. Não existe orientação e diálogo que faça uma pessoa de 16 anos pensar e sentir como uma de 40. Além disso, não se está seguro em saída de cinema, dentro do cinema, na farmácia, no restaurante, no trânsito.
Mas a nossa mídia poderia se preocupar em tentar juntar as pontas da tragédia em vez de aprofundar ainda mais a chaga social.
Mais estudo, mais formação, mais direitos, mais igualdade e menos cadeias deveriam ser as bandeiras. Mas pensa em mais punição, mais prisão, mais perversão como remédio para atos violentos.
De que mal padece o Champinha, senão de um mal social, econômico e cultural? Nossa mídia vai atrás de vozes que dizem ser o Champinha um monstro. Um monstrengo com falta de inteligência, que não conseguiu sequer aprender a ler. E porque não conseguiu? E como não conseguiu?
Monstro social da hora
E o que sente um indivíduo que cresce marginalizado, chamado de burro, quando encontra um jovem pobre mas honesto, pobre mas inteligente a ponto de ter uma bolsa de estudo em escola cara? O que sente um Champinha quando encontra em seu território, em seu único território de acesso, uma jovem linda e loura e tão inteligente, tão cheia de vida?
Sente inveja, sente ódio e esses sentimentos, humanos, diga-se de passagem, só são vividos em sua intensidade máxima por pessoas como Champinha, capazes de aniquilar outras vidas por não terem conseguido nenhum tipo de sucesso em suas próprias. Nenhum. Nem na escolinha, no tempo dos ursinhos de pelúcia.
E o que faremos com essas pessoas, que além de pobres e sem estudo são tão profundamente invejosas a ponto de nos fazerem crer que são animais imorais, amorais?
Cavar ainda mais os buracos que nos separam delas? Ou já não é chegada a hora da responsabilidade social ou do que se chamaria, talvez, de piedade? Por que insistimos tanto em não cuidar direito de nossos bebês, de nossas crianças, e só nos levantamos para apontar o dedo em direção ao monstro já criado que alimentamos com desigualdade, desamor, indiferença e julgamentos rasos?
O Champinha, monstro social da hora, preocupa a sociedade porque vai ficar tomando lições de perversidade ainda maiores na Febem, e depois será solto e voltará a atacar, com certeza.
Forças do bem
Mas por que ninguém levanta a hipótese de esse adolescente ? doente, frio, perverso, ou seja lá o que for que os delegados julguem que seja ? ser tratado, bem tratado por uns 10 anos? Dez anos de escola, de direito à natação, de direito a produção de trabalhos, desenhos, de direito a um médico de nível, direito ao arrependimento, a alguma reparação, nem que seja apenas a suspensão voluntária de atos como o que já cometeu?
Se somos tão do bem, de tão ilibado caráter, por que precisamos investir no mal, pensar tão mal, desejar tanto mal depois do mal já feito? O que conseguiremos com mais gente, e mais jovem, no sistema penitenciário? Por que é tão difícil para os seres humanos investir na recuperação?
Quantos bites a mais de raciocínio nos separam de um garoto que poderia ter apenas dado um susto nos invasores, mas optou por deixar-se levar pelo ódio e pela inveja?
De certa maneira essa corrida entre o bem e o mal, liderada pelo pessoal do bem, coincidentemente dos bens, está saindo mais cara do que se previu no início do sucesso do capitalismo.
É uma pena que a mídia insista em aumentar a chaga da desigualdade e não avance em direção à união das forças do que considera bem e mal. Todos só teríamos a ganhar com isso.
(*) Jornalista