MÍDIA E EDUCAÇÃO
Marcos Marques de Oliveira (*)
Na quinta-feira (15/5), recebemos pelos jornais a notícia de que o Ministério da Educação criou uma comissão para investigar fortes indícios de fraude em cursos de mestrado e doutorado realizados por faculdades brasileiras, algumas delas em associação com grupos de educação estrangeiros. Mais de nove mil alunos estão requerendo a validação de seus diplomas e, espera-se, o MEC não vai ceder, já que não havia autorização oficial para a oferta e muito menos da validação da Capes, órgão responsável pelos cursos de pós-graduação.
O interessante é que boa parte destes alunos foi iludida por anúncios publicados nos mesmos jornais que agora dão a notícia. Não estou aqui para fazer juízo de valor. Meu interesse é fazer breve reflexão sobre a complexa relação entre o duplo objetivo da atividade empresarial de comunicação (lucro e informação) e os efeitos desta no campo educacional.
Não é apenas nesta área que os objetivos da mídia, de lucrar e informar, se chocam. É comum as editorias lançarem ou apoiarem, por exemplo, campanhas antidrogas no primeiro caderno e, nas páginas culturais, fazer apologia de grupos musicais, artistas ou movimentos comportamentais que têm no consumo de tóxicos sua maior marca. Nesse caso, a defesa da "liberdade de imprensa" se justifica pela intensa disputa que há entre os que defendem a repressão ou a liberação, todos com argumentos razoáveis sobre métodos de combate ao tráfico que atemorizam nossa sociedade.
No entanto, no que se refere à publicidade de cursos que não valem nada a situação é diferente. Um simples pedido de autorização legal ou uma breve consulta aos órgãos competentes poderia evitar que muito leitor ingressasse em cursos que apenas engordam as contas bancárias dos que fazem da educação reles negócio.
Mas a irresponsabilidade da imprensa não acaba aí. Por olhar a educação com as viseiras da ideologia neoliberal reinante, pela qual o ensino deixa de ser um direito social e um dever do Estado para se tornar uma obrigação individual a ser realizada prioritariamente pela iniciativa privada, nossos jornais funcionam como dínamos das concepções mercadológicas que estão contribuindo para tornar nosso sistema educacional ainda mais injusto, reprodutor de novas e intensas formas de desigualdade social.
Tomando como fontes, quase exclusivas, porta-vozes dos aparelhos privados de hegemonia (que estão inclusive nos órgãos governamentais), a imprensa brasileira aborda de forma parcial os dilemas que assolam a área educacional. É verdade que sempre acertam no diagnóstico, mas as soluções que apontam estão longe de corresponder à necessária democratização do ensino.
Por exemplo, ainda hoje, ao lado das notícias vemos publicados freqüentes anúncios sobre cursos de graduação de "curta-duração" e notas sobre o investimento que o governo deseja fazer para implementar o ensino superior a distância. No entanto, não vemos nas páginas dos diários um debate sobre o que significa "curta-duração" e muito menos a proposta do atual ministério de duplicar o número de vagas nas instituições federais de ensino apenas com a chamada graduação "online". As notas relativas ao sucateamento das universidades públicas ficam restritas aos registros de greves, sempre fazendo das vítimas (os funcionários que não recebem aumentos e estão sem condições dignas de trabalho) os algozes.
Capitalismo de "novo" sentido
No que se refere às pós-graduações que nada valem, em vez de liberar espaços de anúncios que enganam o "consumidor" e de matérias que fazem dos "MBAs" da vida o modismo carreirista do momento, as redações poderiam investigar a real situação dos cursos e dos estudantes de pós-graduação, que vivem praticamente com os mesmos recursos desde 1994, desenvolvendo a duras penas pesquisas de interesse social.
Entretanto, tão importante quanto denunciar que o valor das bolsas de doutorado e mestrado está congelado há quase dez anos (o que vem inviabilizando o ingresso na área dos trabalhadores, já que só "filhinho de papai" pode se dar o luxo de pesquisar sem receber), é tornar pública a estratégia governamental em transferir para a iniciativa privada os fundos públicos que deveriam robustecer os parcos recursos da ciência e tecnologia brasileira.
Em vez disso, nossos repórteres insistem em cravar a falsa contradição entre os "privilegiados" que ingressam do ensino superior público e os "coitadinhos" que são obrigados a entrar na precária rede pública de educação básica. A contradição não é esta, mas outra. Ela está no fato de que os recursos públicos estão sendo desviados para engordar as contas das chamadas instituições "filantrópicas", que sob a rubrica da assistência social são as instituições que mais se destacam na aprovação dos filhos das elites nos vestibulares. E, em tempos de crise atuarial da Previdência, vale lembrar que grande parte do "excesso" de recursos resultantes da atividade "mezzo-comercial" (eles não gostam que chamem de "lucro") é resultante do não-pagamento das contribuições ao INSS.
E depois não adianta vir com propostas de "amizade colorida" com a escola pública. Novamente, o diagnóstico é correto: falta no Brasil uma maior participação comunitária na vida escolar. No entanto, se esta mobilização ficar restrita à participação voluntária (sempre escassa, irregular e, quando sem controle de servidores públicos capacitados, perigosa) e não servir como denúncia das péssimas condições de ensino e aprendizagem, o resultado será somente o de, mais uma vez, aumentar o capital simbólico e financeiro das "empresas sociais".
Portanto, há muito a investigar e refletir. Para isso, no entanto, deve-se começar por um profundo debate sobre a relação entre o público e o privado na educação brasileira. Em primeiro lugar, os paladinos da iniciativa privada, principalmente os jornalistas orgânicos do capital, devem parar de ludibriar a população atacando os que defendem os valores públicos como "estatistas" e inimigos da liberdade.
Ora, como se percebe cotidianamente, quem tem fissura por declarações oficiais não são os que defendem um espaço público renovado, diverso, múltiplo e rico, mas sim os que querem reduzir o papel do Estado a simples casamata daqueles que monopolizam os meios de produção de riqueza social, e dão um "novo" sentido ao capitalismo brasileiro: um sistema em que a maioria absoluta da população está privada de se apropriar de mínimos bens sociais, principalmente educação; e uma pequeníssima parte tem a total liberdade de acumular renda e patrimônio, explorando cada vez mais a mão-de-obra e acessando por inúmeras vias os recursos públicos.
(*) Jornalista, cientista político e pesquisador-doutorando do Coletivo de Estudo sobre Política Educacional do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense