TRAGÉDIA NO ESPAÇO
Deonísio da Silva (*)
A televisão brasileira mais uma vez perdeu para o rádio. Demorou preciosos minutos para dar a informação de que a nave Columbia explodira ao entrar na atmosfera terrestre. No ventre do monstro vinha uma alusão que aterroriza o mundo contemporâneo: não estava descartada a hipótese de atentado terrorista. A insinuação se completava com o destaque de que um dos sete astronautas era o coronel da Força Aérea de Israel, Ilan Ramon, de 48 anos. Aliás, o mais velho a bordo.
Enquanto nossas redes silenciavam sobre o tema que àquela altura mobilizava o mundo inteiro, redes estrangeiras, especialmente a CNN e a BBC, desdobravam seus esforços em informar. Um apresentador, tendo nas mãos uma miniatura da nave montada nos tanques de propulsão, explicava o que poderia ter acontecido. E as imagens da destruição, semelhando um cometa luminoso, rasgavam os céus das TVs.
Mas nos céus da televisão a palavra raramente é bem empregada. No geral, quem fala esquece-se de que a redundância, freqüentemente um defeito de estilo, pode e deve ser dispensada. Os profissionais ainda estão muito apegados aos modelos do rádio. Mesmo os mais jovens. A tensão entre descrever e narrar preside qualquer relato. Na TV, os jornalistas parecem esquecer-se de que soa infanto-juvenil descrever ao público o que o público está vendo. E que os telespectadores na verdade esperam mais. Querem saber por quê aconteceu o que está sendo mostrado, com as possíveis implicações. Afinal, alguns estilhaços da nave caíram no Brasil, pois no mundo globalizado em que vivemos tudo afeta a todos, sem contar que até em São Carlos, onde escrevo essas linhas, os campi da USP e da UFSCar foram atingidos pela queda, pois aqui há docentes e técnicos integrando projetos da Nasa.
Sete gafanhotos
Ao serem informados do estrago, por certo todos aguardaram que especialistas esmiuçassem em linguagem coloquial a complexa operação que vinha de fracassar. Com efeito, nessas horas o jargão científico deve ser posto de lado. Além de incompreensível, atrapalha a reportagem.
Na Folha de S.Paulo (segunda-feira, 3/2), a desgraça feita de fogo trouxe uma ironia adicional. Foi noticiada e comentada na seção FolhaCiência. Mas a ciência era a grande ausente. Será que não poderiam encontrar um único cientista, entre tantos no Brasil, para escrever um simples artigo explicativo? Mais uma vez, como é habitual nesse jornal, a editoria de arte esmerou-se na forma. A página A12 estava muito bonita. Mas o conteúdo era escasso, ralinho, sopa sem sustância.
No Estado de S.Paulo, da mesma segunda-feira, o terrível desastre trouxe um suculento artigo de Roberto Godoy, que deve ter sido com a habitual voracidade. Letras garrafais já diziam muito ainda no título e nos subtítulos: "Desastre afeta programas científicos no Brasil; áreas de fármacos, bioquímica e biologia devem ser prejudicadas". E mais abaixo, Adriana Carranca assinava matéria em que era ouvido Petrônio Noronha de Souza, coordenador do programa da Estação Espacial Internacional, do Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe), de São José dos Campos.
E o Estadão deu um banho no concorrente. Mais uma vez, a imprensa escrita cumpriu a função em que é imbatível: a análise. O porquê de as coisas terem sido como foram. A televisão, como se sabe, mostra muito, mas ainda diz pouco.
Melancolia final. Nossos apresentadores, antes exageravam, agora noticiam a morte de sete astronautas, numa operação que marca o mais alto que já alcançamos em conquistas científicas e tecnológicas, como se sete gafanhotos tivessem caído em algum ponto do longínquo Texas. O ser humano mais uma vez foi posto de lado.
(*) Escritor, doutor em Letras pela USP, escreve semanalmente neste espaço; seus livros mais recentes são A Vida íntima das palavras, A melhor amiga do lobo e Os segredos do baú