INTERNET GRATUITA
Rogério Augusto de Barros Gonçalves (*)
A regulamentação proposta na Consulta 417 acaba de fato com a internet gratuita, devido à descaracterização do texto original do Projeto 0i00, promovida pela Anatel para atender aos interesses da Abranet, do Comitê Gestor da Internet e das concessionárias de telefonia fixa.
Para ocultar este verdadeiro atentado contra os usuários de internet, a Anatel agiu de forma sutil, procurando tornar o texto da regulamentação confuso, obrigando a uma análise criteriosa para que se possa identificar os artifícios utilizados pela agência para beneficiar seus parceiros.
A nova regulamentação substitui a Norma 004/95, que define as funções dos prestadores de serviços de acesso à internet, acabando com os provedores tradicionais e transformando-os em prestadores de serviços adicionados (SVA), que passarão a chamar-se Provedores de Acesso a Serviços de Internet (PASI) ? também conhecidos como "provedores-laranja".
Vale ressaltar que, incentivados pela Abranet e o Comitê Gestor, a esmagadora maioria dos provedores de acesso entregou às concessionárias de telefonia a tarefa de conectar seus usuários à internet, passando a servir somente como fachada para elas. A estratégia é simples. Em vez de manter redes IP próprias com vários servidores, pagar assinaturas de um monte de linhas telefônicas (data cables) e contratar links de Embratel, Diveo, Global One ou AT&T, os provedores simplesmente dizem que alugam portas IP das próprias concessionárias de telefonia fixa.
Assim, quando um cliente se conecta ao provedor X quem estará realizando a conexão internet para ele, na realidade, será sempre a concessionária de telefonia, que logo na central telefônica encaminhará o tráfego do usuário diretamente para o seu próprio backbone, sem passar nem perto da rede do provedor de acesso.
O mais bacana nisso tudo é que esta armação está rolando desde 1999, com a Abranet e o Comitê Gestor falando o tempo todo que os provedores eram importantes para evitar que as telefônicas monopolizassem o mercado de acesso internet, enquanto trabalhavam intensamente nos bastidores para entregar o monopólio justamente a elas, usando os próprios provedores de acesso como ferramenta, que neste caso serviram como laranjas.
Sempre um jeitinho
Este esquema atende plenamente aos interesses da Anatel e das concessionárias de telefonia, na conquista do monopólio do tráfego IP dos acessos discados.
Porém, ao transferir às concessionárias de telefonia as tarefas de conexão internet que obrigatoriamente deveriam executar, os provedores de acesso tornaram-se desnecessários, pois, na prática, a única coisa que eles passaram a fornecer aos usuários são os serviços de valor adicionado, como e-mail e hospedagem de páginas ? que podem ser obtidos gratuitamente na própria internet.
Em agosto de 2001, o STJ publicou acórdão, que criou jurisprudência, no qual decidiu que o provimento de acesso à internet era um serviço de telecomunicações, o que obrigaria os provedores de acesso a tornarem-se empresas de telecomunicações.
Coincidentemente, no início deste mesmo mês a Anatel havia publicado a Resolução 272, que regulamentou o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), que deveria ser o serviço de telecomunicações no qual os provedores de acesso internet teriam de se enquadrar. Só que, para se tornarem SCM, os provedores de acesso teriam de cumprir uma montanha de formalidades, as quais praticamente nenhum deles teria condições de cumprir, principalmente depois de terem descartado as suas redes e equipamentos para acesso internet.
A decisão do STJ, de uma hora para outra, transformou os provedores de acesso em prestadores clandestinos de serviços de telecomunicações, o que é crime previsto no artigo 183 da Lei Geral das Telecomunicações (LGT). Para os provedores de acesso que atuam como laranjas, isto não faz muita diferença, pois eles não possuem equipamentos. Porém, os provedores que realmente prestam serviços de conexão internet com recursos próprios ficam sujeitos a terem seus equipamentos confiscados a qualquer momento.
É claro que a Anatel e as concessionárias de telefonia acabaram arrumando um jeito de se beneficiarem do acórdão do STJ. Afinal, se o provimento de acesso internet só poderia ser feito por empresas de telecomunicações e as empresas de telefonia já estavam prestando este serviço há muito tempo, por que não aproveitar para incluir isto em uma regulamentação, em vez de criar uma nova modalidade de serviço de telecomunicações para legalizar a situação dos provedores?
Destino preocupa
E quanto aos provedores? O que fazer com eles? Bem, se a Abranet e o Comitê Gestor da Internet sempre fizeram tanta questão de considerá-los como prestadores de serviços adicionados, a Anatel só atendeu à vontade deles, transformando todos os provedores de acesso em PASI, ou seja, prestadores de serviços que só podem ser utilizados após as concessionárias de telefonia terem realizado a conexão internet para eles, no sentido exato da palavra.
A Anatel resolveu aproveitar o Projeto 0i00 para resolver todas as suas pendências, da forma que melhor atendesse aos anseios de suas principais parceiras, as concessionárias de telefonia fixa, o que foi feito com a inclusão na Consulta 417 da entrega em monopólio às concessionárias de todo o tráfego IP gerado pelas conexões discadas feitas a partir dos novos códigos de tarifa flat, 700 e 1700 e também da obrigatoriedade de contratação de provedores de serviços adicionados (PASI), o que institucionaliza a venda casada.
Acontece que a Ouvidoria da Anatel colocou água no chope deles, ao requerer a inclusão de audiências públicas na consulta, o que acabou adiando a conclusão para o início do novo governo ? o tráfico de influência estabelecido no governo anterior não vale absolutamente mais nada.
Nesta quinta-feira, 16 de janeiro, terá lugar a audiência pública de Brasília, e no dia seguinte a de São Paulo. Os locais e horários deverão ser divulgados no sítio da Anatel. Todos os usuários de internet podem participar das audiências, oferecendo a rara oportunidade dos cidadãos de dizerem diretamente aos doutores o que estão achando das atitudes deles.
A Consulta 417 é um dos maiores esculachos da história das telecomunicações no Brasil. Agora, se o ministro Miro Teixeira deixar esta aberração regulatória ser aprovada, realmente deveremos começar a nos preocupar com os destinos do Ministério das Comunicações.
(*) Webmaster do sítio Eu amo a Telemar <http://tele171.cjb.net/>