Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Antonio Rosa Neto

CONVERGÊNCIA DE MÍDIAS

“Rapidez da convergência de mídias desmente os céticos”, copyright Cidade Biz (www.cidadebiz.com.br), 26/12/03

“Face à excelente evolução da mídia em todo século passado, muita gente não acredita que haja espaço, tão cedo, para grandes mudanças neste cenário trazidas pela tecnologia. Dou razão a elas, pois nunca a mídia foi tão eficaz, sobretudo nos tempos mais recentes.

Com a propaganda, que evoluiu paralelamente à mídia, ocorre o mesmo fenômeno: a descrença em novas formas, formatos e atitudes. Mudar o que, devem pensar os céticos, se este ramo do marketing ganhou até status de artes plásticas e transformou alguns de seus talentos em personalidades?

Tais constatações refletem apenas o óbvio e prejudicam a compreensão de que já há poderosas forças transformando o que ainda muitos consideram ?imexível?, tomando emprestada a impagável expressão cunha pelo ex-ministro Rogério Magri.

Este é o verdadeiro problema: o fato de poucos considerarem o impacto da tecnologia aliada à mídia, a chamada convergência, que já começa a mudar totalmente nossos hábitos de consumo de informação e entretenimento.

A convergência nos permite observar que os meios de comunicação já caminham para um processo de segmentação, bastando, para isto, observarmos as emissoras de rádio. Hoje, todas já são temáticas. Este movimento seguramente culminará em uma grande pulverização da mídia.

Lembrem-se também de que temos mais de mil títulos regulares de revistas, quinhentos jornais diários, 150 canais de TV por assinatura etc. Entender a sutileza dos movimentos em curso não é tarefa apenas para visionários, os gurus da comunicação, mas, sim, para quem quiser sobreviver na profissão.

A Disney, por exemplo, aderiu à convergência ao lançar nos EUA um serviço de filmes sob demanda. Sem o suporte da indústria do software e de telecomunicações, este serviço jamais sairia do plano dos sonhos.

Ele utiliza tecnologia de lançamento de dados, o datacasting, para enviar o filme demandado pelo cliente com qualidade digital. O que poderíamos chamar de um ?jato de informações? é disparado para os televisores com sinal analógico. Os sinais são coletados, decodificados e gravados em um disco rígido à TV. Nele, fica armazenado o arquivo do filme para visualização instantânea.

O resultado é algo como o cruzamento entre um disco rígido baseado em um videocassete com um serviço pay-per-view de vídeo, como aqueles disponíveis nas operadoras de TV a cabo que disponibilizam esta tecnologia.

Tudo isso está disponível por meio de um pequeno aparelho não maior que um DVD fabricado pela Samsung e alugados por apenas US$ 6,99 por mês. Os filmes em lançamento custam US$ 3,99 e os antigos, US$ 2,49. Este preço permite ao assinante assistir ao filme quantas vezes quiser por um período de 24 horas. Uma ativação permanente poderá ser solicitada por US$ 29,99.

Tirando o atraso

Aqui, no Brasil, começamos a tirar o atraso com o lançamento, este mês, do SKY+, que é um PVR, sigla em inglês para gravador pessoal de vídeo, da operadora de TV por satélite Sky. É uma caixinha para ficar em cima do televisor, com capacidade de gravar e armazenar mais de 50 horas de programação.

Para simplificar, diria que se trata de um videocassete da era digital, que permite ao assinante montar sua própria grade de programação diretamente da TV. O sistema PVR é o maior sucesso nos EUA, atingindo mais de 1,5 milhão de usuários.

Segundo dados da Forester, maior empresa de pesquisa sobre a aplicabilidade da tecnologia de ponta, o PVR será o produto eletrônico mais vendido na história. Ele pode agendar gravações de programas com simples cliques no controle remoto.

Outra característica fascinante é que permite dar pausa em programas ao vivo, retomados em seguida do ponto onde parou com um simples toque na tecla ?play?. Você saiu do ar, mas o PVR não: ele continua gravando o programa para ser acionado depois. Os líderes nos EUA são o TiVo e o RepalyTV.

A internet, da cama

Os investimentos na convergência não param. A Philco lançou o NeTVision, aparelho desenvolvido em conjunto com a Microsoft e que permite o acesso à internet. Para se conectar, basta uma linha telefônica comum ou um acesso de alta velocidade, como o Speedy, no Brasil.

A Philco informa que é o primeiro televisor do mundo que acesso à web sem qualquer outro equipamento. Ele tem controle remoto e teclado sem fio, o que permite acessar a internet como se assiste TV: sentado no sofá ou deitado na cama. Completando a convergência, o invento da Philco/Microsoft também toca MP3.

Os celulares vão pelo mesmo caminho: há modelos com câmeras digitais, bluetooth, rádios AM/FM, MP3, games e até TV, na Coréia, com resolução de 260.000 cores. A evolução é muito rápida. O IEEE, por exemplo, padronizou o WiMax, um WiFi com alcance de 50 quilômetros. Viabilizará a transmissão de vídeo e teleconferências.

Neste cenário, o profissional de mídia não tem de desdenhar as novas tecnologias, espécie de fuga para frente. É ele que terá de operar estas mídias do amanhã, a não ser que queira condenar sua profissão à extinção, como os dinossauros.

Os telespectadores/usuários de PVR, por exemplo, não serão mais chamados de audiência. Nem o próprio Ibope imagina como mensurar a audiência de um programa exibido numa segunda-feira às 14h00 e assistido num sábado às 22h00. Quem, além dos mídias, podem compreender este fenômeno? Dar valor comercial aos cliques de interatividade no comercial de 30?? é o caso do chamado t-commerce, que, a propósito, também foi lançado pela SKY, numa parceria com o canal ShopTime.

Miro não entendeu nada

Constatando o avanço da convergência, não consegui entender a proposta do ministro das Comunicações, Miro Teixeira, durante palestra no evento ?As telecomunicações na recuperação da economia?, no final de novembro, no Rio. ?Não se pode permitir que haja uma mundialização do conteúdo a partir da convergência tecnológica?, disse o ministro. ?É preciso proteger nossa capacidade de gerar conteúdo próprio.?

O ministro Miro não entendeu que a única proteção possível ao conteúdo nacional, neste ambiente de progresso tecnológico desenfreado, é amparar o seu desenvolvimento local e viabilizar a sua internacionalização, como já faz a Globo, que fez de suas novelas um produto de exportação com qualidade mundial. Reserva de mercado é simplesmente uma quimera, pois, na verdade, a convergência não quer nem dá sinais de que vá parar. (Antonio Rosa Neto é publicitário, presidente da Dainet Multimídia, ex-presidente da Associação de Mídia Interativa (AMI), diretor do Grupo de Mídia e ex-vice-presidente da Salles.)”


DIPLOMA EM XEQUE


“Dispensar a muleta”, copyright O Globo, 23/12/03

“Um juiz do Tribunal Regional Federal de São Paulo cassou, dias atrás, a liminar que restabelecia a exigência do diploma universitário de jornalismo para o exercício da profissão.

Trata-se de briga velha. É claro que interessa principalmente aos profissionais, mas tem sua importância para quem lê, ouve ou vê o produto do nosso trabalho. Exige-se o diploma desde outubro de 1969. Ele é defendido enfaticamente por associações de profissionais, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI). As empresas, em geral, são contra.

Para tomar pé na discussão, recomenda-se ao leitor/ouvinte/espectador tentar entender o que disseram ABI e Fenaj sobre a decisão do juiz paulista. A primeira afirmou que o diploma obrigatório ?é fundamental para uma imprensa livre e comprometida com as grandes causas nacionais?. A segunda estranhou o que definiu como uma insistência em desregulamentar a profissão ?numa época em que o mundo inteiro discute a ética da comunicação, os efeitos da manipulação da mídia e a importância da informação a serviço da sociedade?.

Fortes palavras. E curiosas, já que nelas não há menção do papel das escolas no ensino de técnicas e mecanismos do ofício a seus alunos. As entidades não usam o argumento que em tese seria decisivo: sem o curso de jornalismo não se está tecnicamente apto a exercer a profissão. Preferem associar a posse do diploma à capacidade de defender ?grandes causas?, ter postura ética adequada e ser contra a manipulação de informações. Pelo visto, os entusiastas do diploma acham que isso só se adquire num curso de jornalismo – não em qualquer outro ambiente universitário.

Talvez fosse mais inteligente se as entidades classistas defendessem um diploma de nível superior com alguma afinidade com o trabalho jornalístico – história, ciência política, direito, sociologia etc. – desde que complementado de alguma maneira. Por exemplo, como já acontece com estágios e cursos práticos das próprias empresas. E passassem a negociar com jornais, revistas etc. essa complementação. Ou, em outra abordagem, começassem a exigir relacionamento mais íntimo entre universidade e empresa.

Não é preciso ser do ramo para entender que a missão de oferecer à platéia uma versão digerida e inteligível do que acontece na aldeia e fora dela pede uma equipe com variada formação humanística. Vocês não imaginam a falta que faz nas redações um pessoal com bagagem intelectual e visão de mundo diferentes daquela que se consegue em cursos de jornalismo. Principalmente porque os currículos das escolas de comunicação são muito parecidos uns com os outros.

Sem boas escolas de jornalismo a imprensa toda perderá. Mas, por serem boas, elas não precisam da muleta representada pela obrigação do diploma. E as escolas medíocres não podem dispensar a muleta – mas o jornalismo não precisa delas.”


MERCADO DE TRABALHO


“Trezentas vagas se foram, mas…”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 26/12/03

“Foi um ano duro para os jornalistas, esse de 2003, como já havia sido 2002. Os vários cortes promovidos em diversas das principais redações do País representaram a perda de pelo menos 300 vagas no mercado, nesse período. Ou seja, em um ano, perdemos o equivalente a uma grande redação. Nessa contabilidade, no entanto, feita com base nas demissões noticiadas pela edição impressa deste Jornalistas&Cia, não estão incluídos cortes menores, o que significa dizer que este número pode até ser muito maior, se considerarmos o mercado como um todo, incluindo as pequenas e médias redações.

Se isso por si só já é um drama, que dirá quando a este cenário agregamos outros atores. Não um, nem dois, mas 5 mil, que é o número estimado de novos jornalistas que chegam ao mercado todos os anos, formados pelas dezenas de faculdades brasileiras, espalhadas pelos quatro cantos do País.

Pouco? Que nada, porque com a decisão da Justiça (ainda precária) de acabar com a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional, esse nosso ?belo e promissor? mercado viu-se, do dia para a noite, ?reforçado? por outros milhares (cinco, dez, vinte mil) jornalistas, aos quais Fenaj e sindicatos dos jornalistas estão obrigados a dar carteirinha e abrigo – mesmo contra a vontade.

Estamos, como dá para se notar, muito bem na fita.

Aliás, costumo fazer o seguinte raciocínio, para analisar esse nosso mercado, sobretudo para justificar o ponto de vista de que não cabe (nem de perto nem de longe) tanta gente, e que é uma irresponsabilidade o que se está fazendo com essa profissão (seja através do próprio ensino, formando milhares de profissionais que não terão onde trabalhar; seja pelo que fez a Justiça, proferindo uma senteça sem permitir que as discussões nos fóruns adequados fossem realizadas): diferentemente da medicina, da advocacia e de outras profissões que se medem, em termos quantitativos, por mil habitantes (x médicos para cada mil habitantes, por exemplo), isso não vale para o jornalismo, já que um mesmo jornal, ou uma mesma emissora de televisão, de rádio, ou uma revista, pode ter apenas mil ou um milhão de leitores, ouvintes ou telespectadores que sua equipe não precisará ser radicalmente alterada. Basta aumentar a tiragem, ampliar o número de antenas que se terá atingido um público marior, sem um único centavo de investimento em ampliação de equipe.

Além disso, esse não é um mercado que comporte a criação de jornais e revistas em função do crescimento da população ou dos jornalistas em condições de exercer a profissão. O mercado, aliás, já está mais do que mapeado, tanto para a mídia impressa, quanto eletrônica, e não há muito mais como crescer, a não ser pela ampliação das equipes, na busca da qualidade (o que , no fundo, todos queremos).

Temos a seguinte situação: um quadro estável de veículos (sem musculatura para crescer em demasia, qualquer que seja a mídia analisada), redações enxutas (e que dificilmente voltarão a ter ?gordura?) e enxurradas de profissionais chegando ao mercado a cada ano, que se somam aos outros milhares de desempregados ou subempregados.

Dá para ser feliz?

Difícil. Certamente já temos e vamos ter daqui para a frente um mercado cada vez mais competitivo – e talvez predatório -, com muita gente ficando pelo caminho. Não há como absorver esse contingente de profissionais nesse mercado, por mais esforçados e criativos que sejamos. Cinco mil profissionais por ano, para ficarmos apenas nos recém-formados a cada ano, equivalem a pelo menos cem novas grandes redações – de 200 profissionais – criadas anualmente. Isso é inverossímel, impossível mesmo.

Muitos desses profissionais, por conta dessa situação, vão parar nas assessorias (públicas e privadas), ou passam a trabalhar como frilas ou partem para seus próprios empreendimentos, montando agências de comunicação, newsletters ou mesmo algum veículo (em geral revistas). Ainda assim, não há como absorver tanta gente.

Estamos realmente numa encruzilhada, em relação à profissão (nem estou falando do jornalismo, em si, porque esse também é outro dos desafios que temos pela frente, mas sim do mercado de trabalho). O desequilíbrio é notório e se de um lado a quantidade pode estimular uma maior seletividade, de outro isso contribuirá definitivamente para o achatamento salarial e para a predação.

É tudo o que não queremos. E acho que nesse particular temos até a chance de obter um consenso entre aqueles que defendem e os que são contra a obrigatoriedade do diploma.

Temos, pois, pela frente o desafio nada fácil (mas estimulante) de elevar o nível e dar dignidade a quem escolheu o jornalismo como profissão. Talvez a primeira medida seja efetivamente uma ação junto ao MEC para reduzir drasticamente os cursos de jornalismo pelo País, ainda que isso contrarie certos interesses de empresários da educação. Não dá para deixar as coisas do jeito que estão, pois isso tem um nome: estelionato educacional. Não dá para aceitar.”