A famosa frase ‘It’s the economy, stupid’, do estrategista político James Carville, na época da primeira campanha presidencial de Bill Clinton, continua valendo para quase tudo na vida. As grandes decisões têm, na maioria das vezes, sempre um fundamento econômico. E agora, com os números exorbitantes de demissões nas redações dos Estados Unidos, e como resultado a falta de repórteres para apurar as informações, a mídia impressa norte-americana está tomando decisões que podem mudar por completo os valores básicos do jornalismo.
Três principais diários do sul da Flórida resolveram unir forças, ao invés de competir pela informação em primeira mão.
O Miami Herald (condado de Miami Dade), o Sun-Sentinel (condado de Broward) e o Palm Beach Post (condado de Palm Beach) anunciaram no último fim de semana que estão iniciando uma experiência de três meses em que vão compartilhar notícias rotineiras. Isso quer dizer que um jornal vai publicar matéria produzida pelo outro, como se fosse tirado de uma agência de notícias.
O objetivo declarado é poder disponibilizar mais o tempo dos repórteres para que possam se aprofundar em matérias que exijam mais investigação. Justo, em teoria, mas na prática parece uma proposta arriscada. Vai contra a regra número 1 na economia: quanto maior a oferta, maior a procura. Se o próprio repórter se contenta com notícia de terceiros, repetida e copiada, diminuindo assim a oferta da informação, a procura, que já anda quase inexistente na era da internet e do fácil acesso à informação, vai desaparecer por completo, o que pode representar o fim dos impressos norte-americanos.
Exclusividade de informações
A busca pela informação exclusiva, diferenciada, sempre fez parte do orgulho do jornalista. O que vai acontecer se o repórter dos jornais diários passar a ser um revisor? Isso já acontece muito no caso de tradução. Matérias apuradas e escritas por repórteres do Miami Herald, por exemplo, muitas vezes são publicadas em espanhol por El Nuevo Herald. Um repórter custa mais do que um tradutor, que não sai da escrivaninha. Mas o lar do repórter é a rua. Amigos, amigos, negócios à parte.
A transparência dos fatos, hoje em dia na internet, leva a uma competição saudável, que força o jornalista tradicional a correr atrás da notícia com ainda mais afinco, senão vai perder espaço para o jornalista amador e o cívico – um termo cada vez mais usado nos Estados Unidos em vez de jornalista-cidadão. (De fato, já há muito jornalista tradicional está optando pelo jornalismo cívico devido à liberdade sem censura que ele oferece no mundo virtual, mas esse é um assunto para um próximo artigo.)
Não acredito que um acordo para compartilhar matérias entre jornais concorrentes traga resultados positivos para um meio que já está passando por uma depressão talvez sem volta. As redações norte-americanas estão tentando se reinventar para sobreviver aos desafios gerados pela convergência das mídias. Mas compartilhar matéria entre jornais rivais para evitar um colapso econômico ainda maior dos veículos de comunicação pode acabar em suicídio coletivo, num fim precoce dos diários norte-americanos.
A vida do Quarto Poder depende da exclusividade e heterogeneidade das informações, que vêm com a competição assídua pela busca à notícia, e da liberdade de uma imprensa diversificada e divergente, não limitada a uma reportagem para cada três jornais cobrindo uma imensa área de um estado como a Flórida.
******
Jornalista, professora da Universidade de Miami