Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um direito a ser conquistado ou reserva de mercado?

Não é de hoje que a obrigatoriedade do diploma para os profissionais de jornalismo vem sendo tema de debate entre a categoria. A PEC 206/2012, de autoria do senador Antônio Carlos Valadares (PSB/SE), que restringe o exercício da profissão para aqueles com a salvaguarda do ensino superior debaixo dos braços é uma das principais bandeiras da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e de diversos sindicatos. O fato é que, para a surpresa de todos, inclusive da própria Federação, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, colocou a PEC do Diploma de volta à casa, no mês passado (março). Mas os prós e contras ao redor da proposta nem sempre são expostos de forma equiparada.

É indiscutível que, desde que o diploma deixou de ser obrigatório, em junho de 2009, criou-se um vazio na regulamentação da profissão, dando margem para a exploração de mão de obra barata nas empresas de comunicação. Não deve ser difícil, ainda hoje, encontrar estudantes ocupando cargos efetivos em assessorias de imprensa e redações, com salários muito abaixo da faixa de mercado. No entanto, apesar de ser um instrumento importante de realização acadêmica, não podemos achar que o diploma, por si só, garante a qualidade de formação do profissional ou exclui a necessidade de uma regulamentação mais profunda do trabalho.

Defender o exercício da comunicação unicamente para os que tiveram acesso ao restrito e elitista ambiente acadêmico é, pode-se considerar, defender também princípios de reserva de mercado. Uma lógica que revela, ainda, um projeto conservador de comunicação que desconsidera o papel essencial de comunicadoras e comunicadores populares que fazem jornalismo sem o crivo das universidades. Enquanto movimentos sociais, como a Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social e o Coletivo Intervozes de Comunicação, lutam pela descriminalização de rádios e jornais comunitários, além de pautar os direitos que esses veículos devem ter no cenário da mídia contra-hegemônica, a PEC do Diploma os coloca, ainda mais, na marginalidade.

Jornalista também é trabalhador

É importante lembrar que a defesa da comunicação como um direito não é de hoje, apesar do reconhecimento ser constantemente esquecido ou mesmo ignorado. Desde 1948, em nossa tão aclamada Declaração Universal dos Direitos Humanos, a concepção é clara: “Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.” Seguindo o mesmo raciocínio, no fim de 2014, a Empresa Brasil de Comunicação publicou uma matéria com a seguinte frase do idealizador da Agência de Notícias das Favelas, André Fernandes: “A comunicação garante direitos porque faz com que o cidadão se torne autor da sua cidadania, faz com que aqueles que não tinham voz passem a ter.” E mesmo assim, no Brasil, a comunicação ainda não está descrita na legislação como um direito, mas sim, um serviço que pode ser prestado tanto por organizações públicas quanto privadas. E agora estamos a um passo de retroceder ainda mais na conquista nesse ideal.

Como se não bastasse o caráter mercadológico da PEC do Diploma, ainda nos deparamos com uma segunda contradição, no que se refere ao âmbito acadêmico. A proposta de 2012, diferente da de 2009, da qual é originária, defende que “a profissão de jornalista é privativa de portador de diploma de curso superior de Jornalismo”. Ora, mas essa bandeira acarretaria alguns problemas caso fosse levantada depois da criação das Novas Diretrizes Curriculares de Jornalismo (NDJs) pelo MEC, documento que torna explícita a segmentação da grande área da Comunicação Social em cursos cada vez mais específicos e que pouco dialogam entre si. Mas, fazendo jus a um projeto específico de formação acadêmica, contrário àquele defendido por estudantes e professores que se posicionaram contra as NDJs, a PEC institucionaliza: universidades que não aderirem às “diretrizes” impostas pelo MEC, agora, também estarão formando comunicadores inaptos para o exercício da profissão de jornalismo.

Em suma, ao fortalecer a obrigatoriedade do diploma, a PEC 206/12 exclui comunicadores populares cuja formação se dá fora dos espaços formais da academia – vide o curso do Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) – e passa por cima da decisão de algumas escolas que seguem afirmando o jornalismo como componente do campo epistemológico da Comunicação Social. A proposta é, portanto, uma afronta à autonomia universitária e, como bem referenciado na nota divulgada pela Enecos, um desrespeito à luta autônoma de professores e estudantes que constroem o cotidiano dos cursos e optam por não aderir às NDJs.

Está claro aqui que a obrigatoriedade do diploma, enquanto regulamentação da profissão, está fincada muito mais em objetivos de restringir do ato de comunicar do que criar mecanismos de proteção ao trabalhador. Aliás, essa é uma palavra que pouco se usa quando nos referimos ao jornalista: trabalhador. E criar essa consciência de classe significa lutar pela regulamentação do trabalho que garanta avanços na conquista de direitos por parte daqueles que se encontram em uma relação mercadológica de venda da sua força de trabalho e propriedade intelectual para empresas de comunicação. Uma regulamentação que fortaleça a luta pelo piso salarial, melhores condições laborais, segurança para o exercício diário da profissão e a consolidação de direitos trabalhistas para a categoria.

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Thayane Guimarães é estudante de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo e cooordenadora regional da Executiva Nacional de Estudantes de Comunicação Social (Enecos)