Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Desculpas agora?

‘O denuncismo tem cura, a verdade aparece’, diz Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara dos Deputados. Apesar de inocente, como depois comprovou em processo judicial, foi cassado por corrupção, envolvido numa teia que lembra uma obra de Kafka.

Mas não guarda mágoa. Convicto de que o ódio prejudica o hospedeiro, tem a serenidade para acrescentar: ‘Mas na imprensa censurada, o denuncismo é eterno’.

O deputado gaúcho, também jornalista, presidiu a sessão que abriu caminho para a cassação do então presidente Fernando Collor, em 1992.

No ano seguinte, o cassador era impiedosamente cassado, em analogia com o provérbio que trata de outras caçadas: ‘Um dia é o da caça, outro do caçador’. Onze anos depois, matéria da revista IstoÉ traz foto de Ibsen Pinheiro ocupando toda a capa. E o título, em letras garrafais, é ‘MASSACRADO’. O rosto está identificado: ‘Ibsen Pinheiro, ex-presidente da Câmara dos Deputados’.

Espaço da irresponsabilidade

Está armada uma grande polêmica. O texto do jornalista Luís Costa Pinto, à época editor da revista Veja em Brasília, decidiu revelar alguns mistérios dolorosos de um rosário macabro. Ele acusa Waldomiro Diniz de ter construído uma ‘falsa prova’ que induziu o jornalista a engano: Ibsen não movimentara 1 milhão de dólares em suas contas bancárias, mas apenas 1 mil dólares. Sobra chumbo grosso para o então diretor-executivo da Veja, Paulo Moreira Leite, que teria sugerido ao subordinado: ‘Vê se consegue, em dez minutos, alguém para sustentar em on essa dolarização de 1 milhão’.

Segundo o relato de Costa Pinto, o erro tinha sido detectado por Adam Sun, ‘chinês implacável que por muitos anos zelou pela qualidade das informações publicadas em Veja na condição de chefe da equipe de checagem da revista’. E a tal declaração teria sido dada pelo deputado Benito Gama. Um detalhe é no mínimo desconcertante. Depois de tão grave confirmação, dada às pressas, sem refazer conta nenhuma, sem rever nada, o deputado teria dito: ‘E agora deixe-me fazer o meu cooper‘.

Agora, trecho da entrevista de Ibsen Pinheiro, que hoje tem 69 anos. ‘Naquele momento, não havia o necessário espaço para a prudência, para a avaliação criteriosa, e, conseqüentemente, a irresponsabilidade tinha espaço para crescer. É só o que pode explicar como prosperou algo sem o menor apoio na verdade’.

Descuido, despreparo

Talvez seja mais do que isso. Uma outra questão mais alto se alevanta, a do poder. Mais especificamente da microfísica do poder. Não foi a única, nem a última vez, no Parlamento e em muitas outras instâncias, incluindo a imprensa, em que atores, candidatos a Hitlerzinhos, travestiram-se de promotores, advogados, juízes e quantos mais funcionários tenham os tribunais, reunindo todos esses pequenos poderes num feixe só, transformado em tacão para obter condenações.

A verdade? Ora, a verdade! Ela que venha depois, recuperada pela História, como agora – devem pensar os impunes, para quem a História, aliás, não vale nada. Quem haverá de ressarcir os prejuízos impostos à vítima? De que adiantam as desculpas? O que elas sanam? O que tinha de ser sanado, já não o foi no Judiciário? Que esperar de instâncias que fazem o que fazem, agora confessado?

Se para a vítima de pouco servem as tais desculpas e esclarecimentos, é a ela que cabe dizer se as aceita. Os leitores, os grandes interessados no imbroglio havido, estes, sim, querem e precisam conhecer tais bastidores. Pela paixão do conhecimento, da informação, e para que tragédias como esta não se repitam. Não com a cumplicidade da imprensa! É esta a questão, a da cumplicidade com as mentiras. Se não por malícia, por descuido, despreparo, incompetência. De todo modo, sejam quais forem os motivos, que sejam devidamente execrados.