Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Deboche, custe o que custar

‘No baralho da vida encontrei apenas uma dama.’ É com frases de efeito como essa – encaixada pelo deputado Sandro Mabel (PR-GO) em uma de suas respostas depois de receber conselho do próprio entrevistador – que o novo quadro do programa de humor CQC, da Band, pretende revelar até que ponto uma personalidade é capaz de se submeter para maquiar a própria imagem, custe o que custar.

O objetivo da brincadeira é mostrar ao eleitor que nem só as mulheres que posam nuas para as revistas masculinas adoram a intervenção de um bom Photoshop, brinca o líder do grupo, o experiente jornalista e ator Marcelo Tas.

‘A gente quer mostrar para o eleitor, para o cidadão, que nem tudo o que se vê na TV é espontâneo. O CQC quer mostrar que é bom você ficar atento, ainda mais em época de eleição. Mostrar que muita coisa, muito coisa mesmo, pode ser maquiada pelo consultor de imagem. E, às vezes, de forma absurda’, adverte Tas, em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco [ver abaixo].

A ‘pegadinha’ é armada numa entrevista ‘espontânea e descontraída’, gravada com o propósito de mostrar o ‘lado humano’ de políticos, artistas e outras celebridades, no mais tradicional colunismo social televisivo.

Levado ao ar na segunda-feira (25/8), o quadro ‘Assessor de Imagem’ é estrelado pelo ator Warley Santana, que se passa por jornalista especializado em assessoria de imagem política no método Karl Fisher (Carlinhos Pescador, na irônica tradução do grupo). Karl Fisher é apresentado por ele como o consultor de imagem do candidato democrata à presidência dos EUA, Barack Obama. ‘Ele se apresenta como um consultor mequetrefe e as pessoas topam fazer o que ele manda. As pessoas querem muito manipular sua imagem’, desdenha Tas.

A brincadeira, no entanto, não agradou em nada ao deputado, dono da fábrica de biscoitos Mabel. Isso porque o parlamentar goiano, que é relator da reforma tributária na Câmara, se revelou um fiel seguidor das orientações do ‘consultor de imagem’. Encaixou frases ditadas pelo ator em suas respostas e mostrou dotes artísticos em outros momentos de encenação (assista aqui).

Reação

Na quarta-feira (27/8), o assessor de imprensa de Mabel informou que o chefe já havia reunido todo o material necessário para mover uma ação contra o programa e a emissora. Os argumentos da ação seriam apresentados à reportagem no dia seguinte, mas até o momento, o Congresso em Foco não recebeu retorno dos diversos recados deixados no gabinete do deputado.

‘Quanto menos os congressistas derem bola para essa história, mais ela vai cair no esquecimento. Esse novo quadro perde um pouco da política que o grupo se propõe a fazer. É um tipo de piada que cansa’, acredita o cientista político e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) Fernando Abrúcio.

Na avaliação de colegas, Mabel deveria encarar a piada com bom humor. ‘Sempre existiu humor com a política. Desde o império, os chargistas se esmeram isso. O Mabel entrar na Justiça é de uma caretice e um mau humor danado. Transformar o espaço político em ambiente carrancudo é até hipocrisia, pois se trata de uma falsa seriedade’, considera o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ).

Para o senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), os políticos brasileiros estão pagando um preço por seu comportamento. ‘O clima da política permite a criação e a proliferação desse tipo de programa. Se tivesse uma política ajustada, reduziria essa ridicularização. Não tem que censurar [o programa]. Esse tipo de problema só se reduz se a classe política se impuser por meio da seriedade de seu trabalho’, avalia Jarbas.

Escárnio saudável

O humor debochado do CQC tem causado polêmica no Congresso. Em abril, o grupo chegou a ser expulso da Casa (veja aqui). A proibição acabou por dar mais força às sátiras dos incansáveis repórteres, que passaram a gravar depoimentos, inclusive de parlamentares, pedindo a volta do CQC ao Congresso (assista aqui).

‘O CQC acaba de ser proibido de fazer matérias aqui no Congresso. Pelo jeito, os políticos só querem responder as perguntas que são convenientes. Não é uma ditadura, mas a censura está aí’, disse às câmeras o repórter Danilo Gentili (confira aqui) ao ser ‘convidado’ a se retirar do Salão Verde da Câmara (veja aqui).

Para o cientista político e sociólogo Antônio Flávio Testa, professor da Universidade de Brasília (UnB), a sátira deve ser encarada como um escárnio saudável, e não como um descrédito da política brasileira. O humor ácido dos integrantes do CQC não desmerece os políticos, afirma. ‘Muito pelo contrário. Chama mais atenção para a política os brasileiros que não gostam de política’, argumenta. ‘O humor de sátira na política não é uma coisa nova e é muito comum na democracia ocidental. Por que o Brasil tem que ser resistente?’, questiona.

Segundo o professor, a melhor maneira de um político reagir é virar o jogo, respondendo com inteligência às provocações dos humoristas. ‘Às vezes, eles tornam-se muito agressivos, com perguntas muito inconvenientes. Mas esse humor não deve ser coibido, deve ser respondido à altura’, afirma Testa, citando como exemplo a postura do senador Eduardo Suplicy (PT-SP).

Depois de admitir, no programa de estréia, que já havia experimentado maconha, Suplicy pediu um inusitado direito de resposta para esclarecer a declaração. Não contestou a revelação, apenas destacou que recomendava aos seus auxiliares que não fumassem e aproveitou a presença da câmera para exibir as gravações que fez em sua recente visita ao Iraque (veja aqui).

Chico Alencar também partilha da opinião de que apelar só aumenta o vexame. ‘A melhor forma de enfrentar as críticas é honrando os mandatos e agindo com transparência e simpatia. Casseta & Planeta, CQC e Agamenon Mendes Pereira sempre vão existir’, observa Alencar.

Popularizando a política

No Congresso, os integrantes do CQC abordam deputados e senadores com perguntas, no mínimo, irreverentes, muitas das quais o telespectador gostaria de fazer. Cara a cara, perguntam aos parlamentares, por exemplo, se eles são honestos ou se é justo que os congressistas recebam R$ 16 mil num país em que o salário mínimo não passa dos R$ 415. As respostas vão do absoluto constrangimento ao célebre ‘passar bem’ (confira).

Muitos se irritam ou demonstram total indiferença. Outros, porém, caem literalmente na brincadeira. É o caso, por exemplo, do deputado Paulo Maluf (PP-SP), que respondeu com humor a uma entrevista sobre honestidade na vida pública (assista ao vídeo).

A relação entre humor e política, na avaliação de Testa, deixa a linguagem dos políticos mais acessível à população. ‘Esse tipo de mídia é interessante, pois está dinamizando a relação da imprensa com a política’, avalia.

Entre as próximas empreitadas do CQC na política, está a cobertura das eleições tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. O grupo quer aproveitar a oportunidade para comparar como é a cobertura política nos dois países. ‘Vamos lá ver como é feita a cobertura em um país que tem ampla liberdade de imprensa’, afirma Tas se referindo aos Estados Unidos.

No ar desde março, o programa CQC é apresentado na Band todas as segundas-feiras a partir das 22h15, com reprise aos sábados, a partir das 23h45. Segundo Tas, o quadro ‘Assessor de Imagem’ já tem mais de 20 episódios gravados com personalidades como políticos, artistas de TV, jogadores de futebol e outras celebridades. Tudo foi mantido em absoluto segredo, inclusive a aparição de Warley, para garantir o sucesso da ‘pegadinha’.

O Custe o que Custar teve origem na Argentina, onde se chama Caiga quien Caiga, e foi adaptado para a realidade brasileira por uma equipe de jovens jornalistas e atores, comandada por Marcelo Tas. O grupo é formado por Danilo Gentili, Felipe Andreoli, Rafinha Bastos, Marco Luque, Rafael Cortez e Oscar Filho.

Veja aqui mais vídeos do programa.

***

ENTREVISTA / MARCELO TAS

‘Vamos continuar incomodando os caras’

Renata Camargo

Acostumado a fazer perguntas indiscretas a políticos desde que interpretou, ainda nos anos 80, o repórter Ernesto Varela, o jornalista, ator e roteirista Marcelo Tas é o comandante de uma bancada que tem irritado os parlamentares com abordagens desconcertantes. Varela ganhou destaque como o repórter de mentira que fazia perguntas inesperadas a anônimos e personalidades de verdade, inclusive políticas, no momento em que o país deixava para trás a ditadura militar (confira aqui).

De São Paulo, onde o programa Custe o que Custar (CQC) é gravado, Tas avisa a congressistas e demais autoridades que sua equipe vai continuar explorando, com humor e deboche, o farto ‘cardápio de pilantragem’ dos políticos brasileiros. Tudo por uma nobre causa: devolver às pessoas o interesse pela política.

‘Nós somos essas moscas que vão ficar incomodando os caras. Mas a gente vai falar para o cidadão: `você é um cara importante, você também tem que encher o saco deles´’, afirma, nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.

Para ele, não existe arma melhor do que o riso para restabelecer esse canal, muitas vezes interrompido por sucessivos escândalos. ‘O humor é uma forma de compreensão. Quando você ri, quer dizer que você entendeu o que se passou. Acredito que o CQC tem trazido para a política pessoas que estavam desinteressadas pelo tema’, considera. ‘É isso que espero que os políticos entendam. Somos um canal para eles se comunicarem com um público que já tinha perdido as esperanças’, acrescenta.

Diretor, apresentador e roteirista de TV, Marcelo Tas participou da criação de programas como Rá-Tim-Bum, Castelo Rá-Tim-Bum e Vitrine, na TV Cultura de São Paulo. Também fez rádio e assinou colunas nos principais jornais paulistas. Autor de um blog que leva seu nome, Tas acredita que a política não mudou desde que ele deu seus primeiros passos no Congresso, mas que a participação popular ganhou com o avanço das tecnologias.

‘Hoje não dá para enganar os eleitores por muito tempo, especialmente por causa da internet. Quem tiver o que esconder vai ter que acionar os seus advogados. A internet faz as coisas emergirem’, avalia. A seguir, sua entrevista.

***

Qual o objetivo do novo quadro ‘Assessor de Imagem’, que estreou na segunda-feira (25) no CQC?

Marcelo Tas – A gente quer mostrar que, muitas vezes, a pessoa se sujeita a mudar a maneira de ser e de se comportar só para sair bem na foto. E não são só os políticos que fazem isso. No quadro, a gente entrevistou artistas, jogadores de futebol e celebridades. É para mostrar que tem gente que gosta de dar uma ‘photoshopada’, que nem as mulheres fazem com a celulite quando vão posar na Playboy. E mesmo que tenham de usar alguma coisa em que não acreditam ou que não faz parte deles – alguma frase, algum comportamento –, eles topam falar e fazer. A gente quer desmascarar isso.

Mas por que o quadro começou com políticos? Tem uma razão ‘didática’?

M.T. – Sim. A gente quer mostrar para o eleitor, para o cidadão, que nem tudo o que se vê na TV é espontâneo. O CQC quer mostrar que é bom você ficar atento, ainda mais em época de eleição. Mostrar que muita coisa, muito coisa mesmo, pode ser maquiada pelo consultor de imagem. E, às vezes, de forma absurda. O Warley [Santana] diz que é consultor, que teve treinamento com Karl Fisher, que é consultor de Barack Obama. Um nome absurdo. Karl Fisher é Carlinhos Pescador. Ele fisga esses peixes desatentos.

A escolha de dar início ao programa em ano eleitoral então foi proposital?

M.T. – Na verdade, eu já queria fazer isso há muito tempo. O programa CQC tem matriz na Argentina e alguns de nossos quadros já existiam na versão original. Agora, rico em profundidade e com a largura no cardápio de pilantragem dos políticos, isso só é possível aqui no Brasil. Aí, junto com a produção argentina, criamos o programa. Era o momento de fazer o CQC no Brasil. É muito oportuno. A gente é muito didático e os espectadores têm sido muito receptivos.

Como foi feita a escolha dos entrevistados do quadro?

M.T. – Pegamos pessoas diferentes, de diferentes partidos. É uma coisa feita sem nenhuma referência partidária. Entramos em contato com vários parlamentares, e foram acontecendo as gravações. Como eleição é um período muito delicado, pegamos políticos que não são candidatos. A gente só quer mostrar que muitos de nós, inclusive da TV, não abre mão de técnicas para melhorar a imagem diante do público, mesmo que não seja verdade. Quem tem medo ou tem a imagem muito maior do que é vai passar mal.

E quem são as próximas ‘vítimas’?

M.T. – (Risos) Eu não posso dizer, né?

Mas o deputado José Genoino (PT-SP) está na lista?

M.T. – Sim. O Genoino e o vereador [Carlos] Apolinário [PDT-SP] já deram declarações públicas esperneando sobre isso. É que nem criança na hora que tem que tomar injeção.

Esse tipo de ‘pegadinha’ pode dar processo na Justiça. Como vocês lidam com isso?

M.T. – Estamos absolutamente tranqüilos. Os quadros foram todos aprovados pela Band e passaram pelo jurídico da emissora. Na verdade, vamos ficar muito felizes se ele [Sandro Mabel] nos processar. Isso vai mostrar que ele tem culpa no cartório. Isso vai confirmar tudo aquilo que o quadro pretende mostrar, que a pessoa continua tentando mostrar um personagem. O único problema é que, talvez, seja o público que vai pagar esse processo.

Você cobre política com humor desde a década de 80. Já passou por vários governos, entrevistou as mais diversas personalidades da política brasileira. O ‘cardápio de pilantragem dos políticos’, como você disse há pouco, está hoje mais farto do que antes?

M.T. – Eu não acho que o momento que a gente vive agora é diferente de outros. Eu cubro o Congresso desde 1983 e não acho que hoje seja diferente. O que está diferente é a sociedade, que vem se aperfeiçoando. Hoje há um maior controle, protestos, demonstrações de indignação. Os políticos, em si, continuam muito parecidos. Eu não gostaria de eleger que o governo Lula foi mais corrupto.

E qual o principal problema do político brasileiro?

M.T. – Apostar na ignorância do cidadão. O [senador José] Sarney deu uma entrevista esses dias dizendo que não sabia que havia tortura na época da ditadura. Por favor, como ele não sabia?! Ele participou da ditadura e foi quem distribuiu concessões de canais de rádio e TV para os coronéis do Nordeste. Eu, atualmente, aposto na inteligência do CQC e do público. Figuras como o Sarney serão ejetadas da política. São figuras execráveis, posam como intelectuais e imortais e pensam que somos idiotas. Eu sei que eu pego no pé do Sarney e que têm vários outros. Mas o Sarney simboliza um tipo de pensamento antigo que está sendo varrido do mapa, especialmente por causa da internet.

Qual o papel da internet nisso?

M.T. – Acontece no momento uma grande mudança. A gente não depende mais do rádio ou da TV para se informar. A gente tem a internet, que é uma comunicação muito mais livre. O CQC representa essa mudança. A audiência do programa na internet é tão grande quanto na TV. Esse é um momento inédito. Na TV temos atingido de seis a oito pontos nos índices de audiência. Na internet, temos uma parceria com o site Youtube, que tem vídeos com milhares de acessos. A internet faz as coisas emergirem. As informações ficam cada vez mais visíveis.

Você fala em novo momento, em fase de mudança, mas o que isso vai mudar na política?

M.T. – Esse aperfeiçoamento beneficia os bons políticos. No Brasil, a gente vê a palavra político quase como um adjetivo, o que é errado. Há bons políticos. Há uma mudança na direção de mais transparência. Inclusive, se você me perguntar uma palavra que define o quadro Assessor de Imagem, eu respondo que é transparência. Hoje não dá para enganar os eleitores por muito tempo, especialmente por causa da internet. Quem tiver o que esconder vai ter que acionar os seus advogados.

Qual o papel do eleitor nessa mudança?

M.T. – Há uma extrema distância do eleitor para a atuação do candidato que ele elegeu. O eleitor vota e, pouco depois, não tem a menor noção em quem votou. O importante é que você cobre do candidato que votou. Isso a gente vai estimular muito no programa. Nós somos essas moscas que vão ficar incomodando os caras. Mas a gente vai falar para o cidadão: ‘você é um cara importante, você também tem que encher o saco deles’. Voltamos o nosso canhão também para o cidadão com o quadro Teste de Honestidade. A idéia não é só falar mal de político.

E o humor é uma maneira eficiente de aproximar os que não gostam de política da política?

M.T. – O humor é uma forma de compreensão. Quando você ri, quer dizer que você entendeu o que se passou. Acredito que o CQC tem trazido para a política pessoas que estavam desinteressadas pelo tema. E é isso que espero que os políticos entendam. Somos um canal para eles se comunicarem com um público que já tinha perdido as esperanças.

******

Do Congresso em Foco