O editor mais poderoso da imprensa brasileira é o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele cita com freqüência o nome de Getúlio Vargas, mas, quando se trata de lidar com os meios de comunicação, seu mestre deve ser mesmo Jânio Quadros. Jânio, em seu segundo mandato como prefeito de São Paulo, sempre decidiu quando ocupar as primeiras páginas, ou, no mínimo, ganhar destaque no dia-a-dia. Virava notícia quando deixava a barba crescer. Virava notícia, de novo, quando cortava a barba. Quando pendurou chuteiras na porta de seu gabinete, insinuando a intenção de se aposentar, todos correram para fotografá-las. Nada precisava fazer de importante para ocupar o noticiário. Lula tem-se mostrado igualmente hábil na produção de noticiário sem fato relevante. Quem precisa de fatos, quando é tão fácil ocupar espaço nos jornais e tempo nos meios eletrônicos?
O presidente conseguiu, na primeira semana de setembro, converter num grande evento a primeira extração, ainda experimental, de óleo do campo de Jubarte, como se aquilo fosse o início da exploração dos novas áreas do pré-sal, muito maiores e de acesso muito mais difícil. Para isso, montou-se um espetáculo com ministros, comitiva política e diretores da Petrobras, todos fantasiados com macacões cor de laranja, e criou-se um palco para Lula recitar uma porção de gracinhas.
Numa de suas frases mais citadas, o presidente chamou a Petrobras de ‘mãe da industrialização do país’. A intenção – desfazer o ambiente de briga com a estatal, criado por ele mesmo nas semanas anteriores – era evidente e foi apontado pelos jornais. Mas ninguém se deu ao trabalho de examinar a própria frase, uma besteira histórica. A Petrobras não é mãe de industrialização nenhuma.
Antes dela, o governo havia criado, nos anos 1940, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Vale do Rio Doce e a Fábrica Nacional de Motores. No começo dos anos 1950 foi fundado o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE). Na segunda metade dos 50, enquanto a Petrobras mal engatinhava, Juscelino Kubitschek, com seu Plano de Metas, deu enorme impulso à implantação de indústrias, com ênfase especial ao setor automobilístico. Se alguém quiser ir mais longe no tempo, dê um passeio pela Zona Leste de São Paulo e reveja os edifícios de tijolos vermelhos das fábricas do início do século 20.
Sentido da mensagem
Por que os jornalistas deveriam esclarecer esse ponto, em vez de apenas citar o presidente? Por que não, se aceitaram o trabalho de esclarecer a referência da ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ao Sítio do Pica-Pau Amarelo?
A disposição da imprensa brasileira de reproduzir passivamente qualquer frase presidencial – ou mesmo ministerial – deve parecer espantosa a quem ainda associa as idéias de notícia e de relevância. Basta um pouco mais de sonoridade. No dia 28 de agosto, no meio de um discurso de 18 páginas, o presidente referiu-se ao petróleo do pré-sal como um prêmio de loteria: ‘Não é porque tiramos um bilhete premiado que vamos nos deslumbrar e sair por aí gastando’, disse Lula.
Quem teve de guiar nas avenidas congestionadas de São Paulo, entre as 18h e 19h daquela quinta-feira, teve de ouvir a declaração pelo menos cinco ou seis vezes, pelo rádio, sempre fora de contexto e sem nenhuma explicação. Aquelas palavras foram reproduzidas como grande notícia nos jornais do dia seguinte, como se o presidente houvesse dito uma frase de importância transcendental.
Por que ele teria dito aquilo? Até aquele dia, o presidente, ministros e governadores haviam discutido a partilha do dinheiro – ainda inexistente – do novo petróleo, e só de fora do governo haviam surgido advertências sobre o risco de gastar antes de ter. Fora de contexto, o palavrório nada significava, mas era apresentado como proclamação de enorme importância.
Fiel à boa disposição de anotar e repetir frases presidenciais, os jornais deram destaque, também no começo de setembro, ao lembrete dirigido por Lula aos governadores: o petróleo do pré-sal, segundo ele, pertence à União, não aos estados. É verdade. Pertence à União, mas a Lei do Petróleo contém regras detalhadas para a distribuição do produto da atividade. O pagamento de royalties a estados e municípios não decorre de uma liberalidade do poder central. É um direito estabelecido em lei.
E aí: qual o sentido da mensagem, se essa lei continua em vigor? Repórteres e editores, no entanto, raramente acrescentam detalhes desse tipo à cobertura, limitando-se, quase sempre, a reproduzir as falas ou trechos das falas de autoridades. Se o leitor quiser saber algo mais sobre o assunto, ou se tiver dúvidas sobre o contexto, problema dele.
O resto é secundário
Durante algumas semanas, a cobertura, é justo reconhecer, deu espaço a discussões sobre a política do pré-sal. Nessa discussão surgiram observações importantes sobre os investimentos necessários à exploração desse petróleo e o problema do financiamento – temas inicialmente negligenciados no falatório presidencial. Mas o governo aparentemente conseguiu impor o seu discurso, produzindo fatos – nem todos importantes – em número suficiente para dominar a cobertura.
Isso não é raro e ocorre não só na área econômica. No caso dos grampos telefônicos, a imprensa tem dado muita importância a detalhes fornecidos por autoridades: o Exército tem equipamento para escuta, o ministro da Justiça apresentou um projeto de lei para aumentar a punição a quem pratica bisbilhotice ilegal, e assim por diante.
Ora, saber quem tem equipamento de escuta não é o mais importante, neste momento. Se o assunto for tecnologia, muitos investigadores particulares, daquele tipo especializado em casos de adultério, em brigas de sócios ou contra-espionagem industrial, poderão dar conferências muito proveitosas. O projeto de uma nova lei também não afeta a questão relevante neste momento.
Uma lei já existe e foi violada. Trata-se de saber quem cometeu o crime de bisbilhotar o presidente do Supremo Tribunal Federal e um senador e quem pode ter sido o mandante ou beneficiário dessa malandragem. O resto é secundário, mas esse resto vem sendo noticiado como se fosse o grande assunto.
Para o governo, e especialmente para os suspeitos, nada mais conveniente: quanto mais se cuidar dos aspectos secundários, tanto melhor.
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Jornalista