Qual é o nível de confiança que nós, brasileiros, temos uns nos outros? De acordo com pesquisa feita pelo economista Max Roser em 2014, o índice muito baixo. Quando questionados “de forma geral, você acredita que dá para confiar nos outros?”, apenas 9% responderam “sim”. Na Noruega, foram 74%. Perdemos de vizinhos como México (15%), Colômbia (14%) e Chile (12%).
Nesse cenário de deficit de confiança, como fica a democracia? Foi sobre isso que conversei na semana passada com um grande especialista na relação entre democracia e tecnologia, Ethan Zuckermann.
Ele é diretor do Centro de Mídia Cívica do MIT Media Lab nos Estados Unidos e um dos fundadores do site Global Voices (vozes globais).
Para ele, a falta de confiança entre as pessoas é uma grande oportunidade. Na sua visão, é em situações como essa que mudanças sociais qualitativas acontecem. Em outras palavras, a falta de confiança inspira nossa capacidade de imaginar novas instituições. Basta pensar na Magna Carta, originada em um momento de profunda crise de confiança na Inglaterra.
Só que nosso tempo é muito diferente daquele momento inglês. Vivemos na era em que celulares abrem portas para novas formas de participação e cidadania. Por isso, Zuckermann acha que é possível aproveitar a falta de confiança atual para criar novas estratégias para suprir esse deficit. A tecnologia é elemento central para isso.
Nos EUA, graças às novas mídias, normas sociais estabelecidas há décadas foram reformuladas: a aprovação do casamento gay em vários Estados, a mudança da política de drogas relativa ao consumo de maconha e, mais recentemente, a aprovação da regra da neutralidade da rede –implementada após a Comissão de Comunicações receber mais de 3,7 milhões de comentários pela internet sobre o tema. Todos são exemplos vivos de mudanças sociais que só ocorreram por causa das novas formas de comunicação.
No Brasil há evidências da mesma hipótese: a aprovação da Lei da Ficha Limpa ocorreu graças a uma grande mobilização social, possível também por causa de novas mídias. O mesmo se pode dizer do Marco Civil da Internet, cuja formulação e mobilização aconteceram on-line. E, é claro, os protestos que tomam as ruas desde 2013.
Não basta discutir apenas reforma política na sua acepção tradicional. É preciso discutir qual será a reforma política do século 21, já sintonizada com as novas tecnologias. Precisamos aproveitar a oportunidade em que o sistema político do país está em debate para dar um salto qualitativo.
O celular é realidade para a maioria dos brasileiros. A internet também será. Nada justifica ignorarmos isso. É preciso pavimentar mecanismos para que a tecnologia se integre à democracia desde já. O debate da reforma política, aqui e agora, é oportunidade para se fazer isso.
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro