Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Os ‘zelotes’ e as ‘contas secretas’

“Operação Zelote: o desvio é duas vezes maior do que o escândalo do Lava-Jato!” (Fábio Serapião, jornalista, em reportagem na CartaCapital)

A grande mídia tupiniquim tem razões que a própria razão desconhece. O faro investigativo e os impulsos denuncistas dos repórteres e comentaristas espicham ou encolhem, volta e meia, de conformidade com imperscrutáveis desígnios. Peguemos para averiguação a chamada Operação Zelotes e o caso das “contas secretas” do HSBC. Ambos os episódios fornecem elementos em demasia para corroborar a tese de que o comportamento de parte dos veículos de comunicação de massa é regido por critérios insondáveis, incompreensíveis à luz do senso comum.

As proporções das falcatruas praticadas na esfera do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), da Receita Federal, a tomar como ponto de partida os indícios já levantados pela Policia Federal, são de estarrecer não apenas um frade de pedra, mas todo o conjunto de estátuas de pedra sabão esculpidas por Aleijadinho no ádrio do santuário de Congonhas.

Os valores sonegados ao Fisco, ao que dizem as investigações em andamento, chegarão a cifras estrondosas, nunca vistas dantes. Na alçada de avaliação da Carf acumulam-se, presentemente, 105 mil processos, implicando num montante de 520 bilhões de reais. A fraude tributária de início detectada ultrapassa a casa dos 6 bilhões de reais. O somatório das dívidas de bancos, montadoras de veículos, siderúrgicas e outros grandes devedores de diferenciados segmentos sob a mira das autoridades policiais, correspondendo num primeiro instante a 74 processos, chega às alturas himalaianas dos 19 bilhões de reais.

Não padece dúvida alguma, a esta altura, que se está a falar da maior fraude tributária já descoberta. Um verdadeiro “balcão de negócios” foi montado por alguns conselheiros inidôneos – uns, recrutados nos quadros burocráticos da Receita, outros indicados como representantes dos contribuintes -, com o fito de beneficiar sonegadores contumazes. O esquema criminoso assegurou a “redução”, mediante a generosa concessão de propinas, dos impostos devidos por gente engravatada “acima de qualquer suspeita”. Empresas de fachada, estruturadas pelos agentes infiéis, intermediaram o esquema dos favorecimentos indevidos.

Figurões do mundo dos negócios

A apreensão gerada nalguns setores específicos da vida econômica, comprometidos nessa tramoia criminosa dos “zelotes”, diante da ação fulminante das autoridades competentes no sentido de deslindá-la, é muito grande. Chega a ser mais intensa, no entender de observadores categorizados, do que até mesmo o susto e os temores provocados pelo “Lava Jato” junto às empreiteiras criminalmente enquadradas nesta operação.

À vista desse tantão de coisas, não deixa de causar espécie o comedimento exagerado, a cautela inusual que a mídia vem se impondo na divulgação dos fatos ligados às apurações sobre a questão. A opinião pública mostra-se surpresa com a ausência de “furos”, de reportagens “exclusivas”, de “vazamentos” assegurados por “fontes idôneas”, de revelações de nomes de projeção empresarial ou política apontados como integrantes da engrenagem mafiosa desarticulada.

A mesma estranheza que se tem quanto à cobertura midiática relativa à gigantesca fraude fiscal cabe ser igualmente aplicada ao noticiário e comentários dedicados às tais “contas secretas” do HSBC. Quase 9 mil cidadãos brasileiros, o quarto  contingente por nacionalidade do conjunto de pessoas investigadas por haverem cometido presumivelmente crimes de evasão fiscal, constam da lista fornecida por investigadores estrangeiros. O máximo a que o assim denominado “jornalismo investigativo” animou-se a chegar, em matéria de informação antecipada concernente ao assunto, foi a citação de uma meia dúzia de três ou quatro personagens do meio artístico, sabe-se lá, logo eles, por que cargas d’água.

A impressão que sobra é de que não será empreitada tão simples assim a liberação geral da lista. E isso pelo “motivo” de que ela contempla, na realidade, figurões badalados no mundo dos negócios. Poderosos interesses estariam provavelmente atuando nos bastidores mode assegurar que a história das “contas secretas” acabe sendo encoberta, para tranquilidade de muita “gente respeitável”, pelas névoas do esquecimento. Isso aí.

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Cesar Vanucci é jornalista