No ano passado, a mídia anglo-saxônica designava amavelmente a crise imobiliária que viraria o mercado financeiro de ponta cabeça como ‘credit crunch’ – rangido, trincadura, do crédito. Coisa passageira.
Um caderno especial de 40 páginas dentro da edição do Economist de 20/10/2007 tinha exatamente este título: ‘Lessons from the credit crunch – a special report on central banks and world economy’. Na capa do caderno a cândida e cínica explicação para a tremenda crise: ‘Only human’ – os bancos centrais são apenas humanos, há que compreendê-los e perdoá-los.
Cerca de 11 meses depois, a surpreendente intervenção estatal nas duas instituições hipotecárias americanas – Fannie Mae e Freddie Mac – desvenda o tamanho dos erros de avaliação cometidos pela mídia especializada em economia & negócios e escancara sua incapacidade de exercer plenamente o senso crítico.
O Senhor Mercado além de trocar a dentadura trincada, foi obrigado a trocar de dentista e apelou para o tratamento de choque.
Dias de folga
Nossa mídia evidentemente está perplexa e obviamente, boquiaberta. Acreditava na infalibilidade das leis de mercado e nos truques macroeconômicos capazes de reverter desastres e, de repente, descobriu que vivia no mundo da fantasia. O Estado ainda é necessário, a regulação é indispensável mesmo no meio de bolhas e do vale-tudo globalizado.
Como se não bastasse, a coisa foi decidida no fim de semana quando as nossas redações estão vazias, encarregadas apenas de jogar na rua as mirradas e insignificantes edições das segundas-feiras. O único jornal que conseguiu explicar a dimensão do acontecido foi a Folha de S. Paulo graças ao repórter Fernando Rodrigues, que está em Nova York por conta da cobertura das presidenciais americanas, e ao colunista Vinicius Torres Freire, cujo trombone soou como tonitruante tuba.
Valor achou mais importante destacar a transformação da Magnesita em multinacional do que registrar com a entonação apropriada a histórica goleada sofrida pelo capitalismo especulativo.
Mais uma vez comprova-se que nossos diários são diários apenas de terça a sábado. Domingos e segundas estão de folga. E como nosso jornalismo digital tem especial apreço pelos comandos recortar & colar nos dias e em horários em que os jornais estão em funcionamento, o jornalismo do futuro ficou órfão, igual ao jornalismo do passado. E, juntos, fartaram-se de comer moscas.