E meu amigo Fausto Wolff, como diriam os sambistas, foi para o andar de cima. Sempre considerei Fausto, não de hoje, um dos maiores jornalistas do nosso tempo. De uma safra quase em extinção, por ser combativo e uma figura humana de primeira. Tive o privilégio de conhecê-lo lá pelo final dos anos 1970, início dos 80, em O Pasquim, um espaço midiático alternativo que marcou época.
Antes da Guerra das Malvinas, e vocês vão saber o motivo em seguida, nos encontrávamos eventualmente na redação de O Pasquim, ainda na Ladeira Saint Romain, acesso ao morro do Pavão-Pavãozinho, na zona sul do Rio de Janeiro. Limitávamos a um cumprimento formal. Em agosto de 1982 nos desentendemos. Fausto se colocava, na minha opinião, de uma forma equivocada, criticando apenas os militares argentinos. Escrevi um artigo polemizando com ele, por entender que a Argentina, independente da ditadura, tinha todo o direito às Malvinas – que os britânicos chamam de Falklands.
A resposta do colunista foi dura. Preferi não responder, porque não via sentido continuar alimentando a polêmica e achando que em algum momento Fausto reconheceria a defesa que fiz da Argentina, sempre ressaltando o caráter nocivo da ditadura.
Pois bem, alguns dias depois, quando escrevi uma dura crítica a uma matéria paga nos jornais assinada por Adolfo Bloch defendendo a ação militar de Israel no Líbano, Fausto, demonstrando grandeza, referindo-se a mim, praticamente pediu desculpas pelo que tinha escrito. Bem ao seu estilo, Fausto elogiava o meu posicionamento de condenação a Israel. Não lembro exatamente os termos, mas algum tempo depois ele admitiu que tinha chamado a atenção dele o fato de que alguém de origem judaica condenasse a agressão israelense, o que, pelo menos no Brasil, não era muito comum.
Irreverência peculiar
Acabamos nos tornando amigos. Estávamos no mesmo barco também em termos de política doméstica. Estávamos engajados na campanha de Leonel Brizola para o governo do estado do Rio, em 1982, sobretudo por considerarmos que a eleição do gaúcho seria uma resposta aos generais de plantão que infernizaram a vida dos brasileiros a partir de abril de 1964. Deu Brizola na cabeça. Comemoramos essa vitória como se fosse o início de um novo tempo, não só para o Rio de Janeiro como para o Brasil. Era o que sentíamos naquele momento.
Em seguida, Fausto candidatou-se a deputado federal pelo PDT. E, claro, queríamos transformá-lo no nosso representante no Congresso, pois tínhamos absoluta certeza que ele representaria condignamente os interesses do povo. Não deu, mas tenho certeza que a Câmara dos Deputados perdeu uma oportunidade histórica de ter um parlamentar do nível de um Fausto Wolff.
O tempo foi passando. Lá pelo ano de 1988 nos reencontramos festivamente em Havana, onde eu trabalhava como correspondente de uma agência de notícias alternativa, criada por exilados latino-americanos na Suécia, e também como redator de uma revista (Prisma) de política internacional da Agência Prensa Latina.
Naquele período uma novela brasileira, Dona Beja, fazia um tremendo sucesso na ilha caribenha. Era muito comum encontrar cubana(o)s que ao saberem que você era brasileiro perguntassem como seria o fim da novela. Conversava com Fausto no bar de um hotel. A garçonete nos brindava com atendimento do tipo vip. Em determinado momento a moça não agüentou e perguntou se éramos brasileiros. Diante da resposta positiva ela não resistiu: ‘Então vocês sabem o fim da Dona Beja, verdade?’. Aí veio a resposta do Fausto, que em sua peculiar irreverência provocou muito riso: ‘Pô, mas foi para isso que vocês fizeram a Revolução?’. A menina que perguntou também caiu na gargalhada, apesar de não ter a curiosidade satisfeita, pois nenhum dos dois brasileiros tinha acompanhado no Brasil a referida novela.
Ações belicosas
Fausto protagonizou inúmeros outros episódios irreverentes, marcas registradas do jornalista e escritor que deixará saudades e, sem dúvida, uma lacuna no jornalismo diário brasileiro. Digo mais: Fausto foi quase um oásis no jornalismo de nossos dias, pois nunca compactuou com a mesmice, o senso comum e o pensamento único, deformadores da profissão.
E Fausto agora, ao chegar no andar de cima certamente foi recebido por amigos que sempre lembrava em suas crônicas inigualáveis, como Freddy Carneiro, Albino Pinheiro e o Machadão, entre outros.
Ah, sim: é claro que Fausto não agradava gregos e troianos. Que o diga Ronald Gomlevsky, que não se cansava em ofender Fausto com a pecha de anti-semita, só porque o jornalista condenava as ações belicosas de Israel contra os palestinos. Outro que não engolia Fausto era o Gerald Thomas, que chegou a admitir recentemente que tinha ódio dele.
Que dirão agora?
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Na mesma sexta-feira (5/9), no espaço de uma hora, o jornalismo brasileiro perdia também uma outra grande figura: Fernando Barbosa Lima, filho do inesquecível Barbosa Lima Sobrinho. É muita perda para um dia só. É verdadeiramente uma sexta-feira trágica. Apagaram-se duas chamas do jornalismo e da inteligência brasileira. E que falta vão fazer!
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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ