Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Só assim a discriminação vira notícia

Foi preciso que entidades internacionais apresentassem um estudo para que a imprensa brasileira admitisse que as mulheres e os negros são discriminados no Brasil. Foi o que aconteceu semana passada, com a divulgação do relatório Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente [arquivo PDF zipado, 1,3 MB].

O relatório foi tema dos dois grandes jornais paulistas, cada um tratando do assunto à sua maneira. A Folha preocupou-se em divulgar os resultados, abrindo um grande espaço para o tema na sua edição online:

‘Apesar de representarem mais de 70% do mercado de trabalho, mulheres e negros ainda são discriminados na área profissional. É o que aponta o relatório `Emprego, Desenvolvimento Humano e Trabalho Decente – A Experiência Brasileira Recente´, divulgado hoje (8/9) pela Organização das Nações Unidas (ONU). A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), demonstra que, em 2006, o rendimento médio real das mulheres não-negras era de R$ 524,6, enquanto o das negras era de R$ 367,2. Já os homens negros receberam um rendimento médio de R$ 451,1, contra a remuneração de R$ 724,4 obtida pelos não-negros’ (Folha de S.Paulo, 9/9/2008).

‘Abismo social’

O Estadão, apesar do título enfocar o mercado consumidor, acabou mostrando um pouco mais de indignação no olho da matéria:

‘O formato da família brasileira está se diversificando, com mais espaço para casais com filhos chefiados por mulher e núcleos familiares formados só por pais e filhos. Já fora de casa, principalmente nas relações de trabalho, há uma repetição de padrões de iniqüidade, seja de gênero ou raça. Além de receberem menos, as mulheres ainda são campeãs em média de horas semanais dedicadas a afazeres domésticos. Em 2006, mulheres disseram ter reservado 24,8 horas da semana para essas atividades. No mesmo ano, homens dedicaram 10 horas. Houve, no entanto, uma redução de jornada feminina em afazeres domésticos, já que em 2001 elas dedicavam 29 horas semanais.’ (Estado de S.Paulo, 9/9/2008)

O Estadão destaca que persiste o ‘abismo social’ entre brancos e negros:

‘A pobreza e a indigência é três vezes maior entre a população negra. Domicílios chefiados por negros têm menos acesso a rede de esgoto, abastecimento de água e coleta de lixo. A desigualdade também está presente no serviço de saúde, que por definição é universal (43% das mulheres maiores de 25 anos nunca fizeram exame clínico de mama).’

A Folha complementa:

‘São as mulheres pobres que encontram maiores dificuldades para ingressar no mercado de trabalho, como conseqüência, entre outros fatores, dos obstáculos que enfrentam para compartilhar as responsabilidades domésticas, em particular o cuidado com os filhos.’

É uma pena que a falta de criatividade – ou de espaço, ou de interesse – deixe um assunto tão rico morrer por aí. As mulheres – brancas e pobres, negras e mais pobres ainda – merecem mais atenção da mídia. A mídia não pode resolver problemas sociais, mas pode – e deve – divulgar esses problemas e cobrar a quem de direito as soluções. A sensibilidade de um bom repórter transformaria um árido relatório em várias matérias capazes de comover até o mais frio dos leitores. E ajudar a melhorar a situação.

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Jornalista