O delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva, que desenvolveu boa carreira na Polícia paulista e foi o primeiro comandante da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Lula, mandou um bilhete para o blog de Luis Nassif. Discute ali temas relacionados à Telecom Itália, o que foge ao objetivo desta coluna. Mas diz coisas que merecem ser analisadas por nós, jornalistas:
1.
‘Não tenho o costume de escrever sobre matérias jornalísticas porque as considero, em geral, parciais ou encomendadas (compradas mesmo)’.2.
‘A matéria que possivelmente deu origem ao seu comentário [o comentário de Luis Nassif] é de autoria de um dos piores profissionais que existem no mercado jornalístico brasileiro. É de um lobista de [Daniel] Dantas, uma pessoa desclassificada que, acostumada com o que tem de pior na Itália, retornou ao Brasil (país que declaradamente odeia) somente porque na Itália não conseguia se manter. (…) Resumidamente, mais um dentre tantos ratos que minha atividade profissional me obriga a lidar cotidianamente’.3.
‘Desde que estourou o escândalo da Telecom Itália, alguns jornalistas/colunistas tentam ligar o meu nome ao caso, para assim, atingir o presidente Lula, ou porque foram pagos para isso, ou porque ainda torcem para que o governo Lula não dê certo’.4.
‘Certo de seu senso de justiça e retidão profissional, encaminho essa minha indignação para que seus leitores não fiquem com informações incompletas e possam tirar as conclusões de quem está recebendo as `trinta ou trezentas moedas´ para vender a alma ao diabo’.São acusações fortes, embora o nome dos acusados não seja mencionado: fala-se em reportagens compradas, pessoa desclassificada, mais um dentre tantos ratos, foram pagos para isso, quem está recebendo as trinta ou trezentas moedas para vender a alma ao diabo. É possível, destas informações, inferir a quem o delegado se refere; mas é preferível pedir a Mauro Marcelo, oficialmente, em nome da categoria profissional dos jornalistas, que identifique seus alvos. O pedido pode ser feito pela Fenaj, por exemplo. E, fora isso, a manifestação do delegado vale pauta: um bom repórter poderá não apenas tentar identificar os alvos como ouvi-los e registrar sua reação às acusações.
Seria uma pena se a opinião do delegado Mauro Marcelo se perdesse no meio do tiroteio em que se transformou boa parte da atividade jornalística. Uma oportunidade como esta, de identificar uma eventual banda podre da profissão, não pode ser perdida.
Tem coisa que não pode
Esteja certo ou errado naquilo que pensa dos meios de comunicação, o delegado Mauro Marcelo é uma pessoa de nível, um formador de opinião. Quando pessoas de nível, formadores de opinião, perdem a confiança na imprensa, é hora de respirar fundo e reexaminar critérios e comportamentos. O formador de opinião não representa a maioria dos leitores. Mas, a longo prazo, é quem os conduz.
Imprensa boazinha
O presidente Lula, num daqueles discursos ‘nunca dantes’, disse que o Brasil, de 1980 a 2002, ‘esteve em estado de coma, atrofiado, deitado numa cama, sem saber quem era e para onde ia’. Outra frase: ‘Quem governou este país já tinha feito universidade, portanto não estava ligando para os que não fizeram’.
Tudo bem, é a opinião de Sua Excelência. O curioso é que ninguém se tenha dado ao trabalho de ouvir os presidentes dessa época. Fernando Henrique e Itamar Franco dariam suas respostas. Mas Sarney e Fernando Collor, que hoje fazem parte da base de apoio do presidente Lula, que é que iriam dizer?
Cerveja ou morte
Um juiz de Goiás mandou soltar um motociclista preso por pilotar embriagado. Em sua sentença, diz que não pode ser ‘escravo das leis’, cita a cerveja como a grande paixão do brasileiro, diz que ir a um bar e não tomar cerveja é tão absurdo como fazer uma refeição sem feijão. E, criticando a lei seca do trânsito, diz sua pérola final: ‘E tudo para quê, afinal? Isto em troca de algumas almas que, em tese, momentaneamente, foram salvas de acidentes’ [ver, neste Observatório, ‘Apenas algumas almas‘].
Os meios de comunicação deram destaque ao caso. Mas faltou buscar, se existe, alguma instância que analise o que o juiz fala; ou informar que, absurdamente, isso não existe. Se o juiz não é ‘escravo da lei’, que é que faz com aquela toga? Se salvar de acidentes ‘algumas almas’ é menos importante do que se embriagar de cerveja antes de guiar, em que mundo estamos?
A propósito, alguém poderia informar ao juiz que existe gente que não gosta de cerveja, nem de feijão, nem de mandioquinha frita, nem de caipirinha? E que faria tudo para evitar que haja mortes no trânsito?
Tudo invertido
Um grande jornal deu duas páginas inteiras para a queda do Santa Cruz à série
D – aquela que antigamente se chamaria Quarta Divisão. E, na mesma edição, cinco linhas para a morte de Pelópidas Silveira, por três vezes prefeito do Recife, símbolo da esquerda pernambucana, o político que abriu caminho para o maior mito eleitoral de Pernambuco, Miguel Arraes.
O pior é que, se perguntarem ao responsável por que ignorou a importância histórica de Pelópidas, a resposta será aquela de sempre: ‘Eu não sabia. Não é do meu tempo’. Não é mesmo. Nem Pelópidas, nem Pedro Álvares Cabral.
Superexposição
Não deve ser a primeira vez em que isso acontece, mas este colunista jamais tinha visto o fenômeno: o mesmo artigo, de Paul Krugman, foi publicado no mesmo dia em dois grandes jornais da mesma cidade. Cada um fez sua própria tradução, cada um deu seu próprio título, mas o artigo é sem dúvida o mesmo, que trata do socorro americano às grandes empresas hipotecárias.
O limite da reportagem
Mais um caso que deve ser debatido e analisado dentro do Código de Ética da profissão: Gil Rugai, condenado num caso rumoroso pelo assassínio do pai e da madrasta, estava em liberdade provisória. Uma rede de TV, em ampla reportagem, mostrou que ele estava morando em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e não em São Paulo (isto é irregular: não poderia mudar de endereço sem avisar o juiz). Entretanto, ele estava trabalhando, não estava se escondendo, não estava fugindo, tinha apenas mudado de endereço; e encontrá-lo não era assim tão difícil, tanto que a TV o achou. Resultado da reportagem: a liberdade provisória foi cancelada e Gil Rugai voltou para a cadeia.
O furo de reportagem vale dificultar o trabalho de ressocialização do preso? Faz parte das funções de jornalista fiscalizar os condenados em liberdade provisória? E, pior, o fato de Santa Maria ficar perto da fronteira (como assinalou o juiz) significa que, automaticamente, ele iria fugir do país? Se isso fosse verdade, por que, em vez de fugir de uma vez, ele teria feito um longuíssimo pit-stop, durante o qual até arranjou emprego?
Liberdade ameaçada
Dois casos numa só semana:
1.
O site Nova Corja recebeu ordem judicial para retirar da internet as informações sobre o empresário Eduardo Laranja, aquele que vendeu uma casa à governadora do Rio Grande do Sul, Yeda Crusius. No caso, há dois fatos curiosos: primeiro, parece que o sr. Laranja havia recebido oferta mais alta, que recusou, para aceitar a mais baixa, vinda da governadora recém-eleita; segundo, o patrimônio da governadora, declarado ao Tribunal Regional Eleitoral, era inferior ao valor da casa que comprou.2.
O site Ucho Haddad foi obrigado a retirar informações contrárias ao banqueiro Daniel Dantas, do banco Opportunity.Ué, e a Constituição Federal, aquela Constituição Cidadã, que diz que não haverá censura à imprensa? Ainda existe?
E eu com isso?
Supremo, tiroteio entre jornalistas, Daniel Dantas, delegado Protógenes, ministro Gilmar, liberdade provisória, prisão em regime fechado – mas tente conversar sobre isso com a vizinha do apartamento ao lado!
Entretanto, mude o assunto e veja como a conversa vai fluir:
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‘Ju Paes compra biquíni na areia e cria hit’**
‘Gisele Itié leva caldo e se diverte com namorado’**
‘Brad Pitt e Angelina Jolie não conseguem dormir’**
‘Sandy vai usar um cabelo `romântico´ em seu casamento’**
‘Patrícia Pillar circula na noite carioca’**
‘Felipe Dylon passa a manhã surfando no Rio’**
‘Moscas de fruta também têm vida social, diz estudo’O grande título
Voltamos a ter daqueles títulos que, sabe-se lá por que motivo, acabam saindo truncados e dão trabalho para descobrir o que é que querem dizer:
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‘Acidente deixa um mor na Rodovia Fábio Talarico’E daqueles que, se a Última Flor do Lácio fosse levada a sério, provocaria uma corrida às livrarias, para comprar dicionários:
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‘Chinaglia não havia concordado com o conteúdo da sansão feita pelo STF ao Congresso’Mas dá para explicar: a sansão deve ser a esposa do dalila.
E o melhor título da semana:
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‘Jennifer Lopez obrigou marido a fazer teste de gravidez’Podem ficar tranqüilos: parece que o teste deu negativo.
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Jornalista, diretor da Brickmann&Associados