Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia no ‘reino da grampolândia’

Em meio à celeuma em torno da chamada ‘grampolândia’, poucos se deram conta da grande usuária e beneficiária daquilo que ora se transformou em ‘abuso’ dos grampos legais: a própria mídia.

Parece que só agora, no afã de proteger um gângster e seus muitos comparsas poderosos, a mídia, travestida com a bandeira do ‘Estado Democrático de Direito’, resolveu bradar com dose hipócrita contra aquilo de que ela própria tem se servido nos últimos anos como gancho para a audiência.

Quem tem lido a imprensa ou assistido aos principais noticiários televisivos conhece perfeitamente aquilo que já virou um hit quase diário de ‘arapongagem informativa’. Pois as emissoras já criaram até quadros estilizados, mas que não fogem muito daquela fórmula padronizada: o repórter solta o ‘lava-mãos’ preliminar – ‘em gravação autorizada pela justiça (…)’ – e em seguida vem o show da bisbilhotice: a tela da tevê é dividida verticalmente em dois quadros, cada qual com a foto e a transcrição da conversa (mesmo que esta esteja perfeitamente audível) por telefone das pessoas flagradas pela polícia. No caso das revistas, o infalível apelo invariavelmente já vem na própria capa: um título sensacionalista acompanhado de fotos à penumbra para realçar o clima noir.

A ética foi para o ralo

Evidente que tal estratégia da mídia, longe de qualquer compromisso com a informação, está muito mais para o vale-tudo pela audiência – como a oferecer ao telespectador um reality show com tempero hitchcockiano. Sim: a mídia aprendeu com o Big Brother que o seu público deseja, ali, algo mais do que meramente bisbilhotar a vida alheia: quer baixaria, sacanagem e, claro, suspense. E não é exatamente este o teor daquilo que assistimos, por exemplo, numa conversa ‘autorizada pela justiça’ entre uma celebridade e um bandido?

A fórmula se transformou em tamanho sucesso que, vira e mexe, mesmo uma conversa inocente entre pessoas, quando enquadrada naquele formato ‘te peguei!’, toma a dimensão de um Watergate. Neste caso, a estratégia é dupla: arrebatar audiência e destruir desafetos.

Daí, alguém poderia questionar: onde está a informação objetiva; relevante? Cadê a ética de um veículo de comunicação que, a pretexto de exibir a prova de um crime, só quer extasiar e confundir o seu público; só faz condenar pessoas antes do julgamento e alertar aos criminosos para que se acautelem em suas tramas ao telefone?

A resposta, caro leitor, infelizmente perdeu-se no ralo do esgoto em que a nossa mídia se meteu primeiro.

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Professor, Juiz de Fora, MG