A imprensa brasileira resolveu eclipsar-se. Em termos existenciais equivale a suicídio. Em termos morais, vale como negação de si mesma. Sob o ponto de vista concreto, material, um vácuo. O nada.
Cada criatura ou instituição determina a forma de apresentar-se perante o seu público. Tomada por um surpreendente senso de modéstia, a imprensa brasileira despojou-se. Não é, nem foi: abriu mão de sua personalidade ao assumir que agora é uma indústria e, simultaneamente, abdicou de sua história ao omitir os três momentos que marcaram a sua fundação, todos em 1808:
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A criação da Impressão Régia, em 13 de abril;**
A criação do Correio Braziliense (Londres), em 1º de junho;** Início da circulação do primeiro periódico impresso no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro, em 10 de setembro.
Embargada a primeira festa porque a simples menção de que o Brasil foi um dos últimos países do continente a ter uma tipografia seria tomada como ataque frontal à censura, sobretudo a censura inquisitorial, responsável por esta anomalia.
Reprimida a segunda comemoração porque lembrar a figura de Hipólito da Costa, patrono do jornalismo brasileiro, traria forçosamente de volta a figura deste maçom, liberal, inimigo da Inquisição e da intolerância.
Manipulação histórica
Em 1908, quando se comemoraram os primeiros 100 anos da imprensa, tentou-se contestar a importância de Hipólito da Costa alegando que sua revista não era impressa no Brasil. Nos anos 1940, para contentar a Igreja, o positivista Getúlio Vargas declarou o 10 de setembro como o Dia da Imprensa: agradava a corporação dos jornalistas e não celebrava o feito de um maçom, em princípio anticlerical. A data foi trocada (no segundo mandato de FHC) para 1º de junho por iniciativa da bancada gaúcha na Câmara Federal com o decidido apoio do jornal Zero Hora.
A cortina de silêncio imposta pela mídia aos 200 anos do Correio Braziliense fazia supor que os festejos seriam voltados para o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro. Vã esperança: a mudança produziria alvoroços e debates.
Opção final: considerar a imprensa como filha natural, bastarda, sem pai nem mãe, sem data de nascimento, nem história. Fruto de um acaso – mais um . Ou da graça divina. Que esta tenha sido uma opção da Associação Nacional dos Jornais ou da sua inspiradora espiritual, a Opus Dei, incomoda menos do que constatar o silêncio dos 20 ou 30 grandes opinionistas da mídia brasileira que aderiram com seu silêncio à inédita manipulação histórica.
A edição televisiva deste Observatório da Imprensa, como o fez nas datas anteriores, lembrou na terça-feira (16/9) o lançamento da Gazeta do Rio de Janeiro. Com a honrosa participação, ao vivo, da historiadora Isabel Lustosa e, em depoimentos gravados, das historiadoras Cybelle Ipanema, Lúcia Bastos, Maria Beatriz Nizza da Silva, Juliana Gesuelli e Mary Del Priore.