Pode-se dizer que o 11 de Setembro (ou simplesmente 11-S) representou um marco histórico importante. Na semana seguinte ao ataque perpetrado por ativistas da organização fundamentalista muçulmana al-Qaeda, a mídia manteve-se ocupada em revelar novos detalhes da tragédia, outros ângulos de filmagem, o número de baixas e as mais diversas reações aos atentados.
A relação entre a mídia e os historiadores é curiosa. Entre outros aspectos, enquanto a primeira tem seu foco dirigido para a (mais recente) notícia, de preferência até a antecipação da mesma (os editores apreciam temas inéditos), os historiadores vivem em uma digestão muito longa e demorada. Suas ‘novidades’ muitas vezes são centenárias. Via de regra, também o tratamento ou a preocupação com o trato dado as fontes é diferente.
Além da nem sempre compatível relação com o tempo, é comum que se acredite que os fatos só podem ser analisados por parte dos historiadores, com a necessária propriedade, a partir do devido distanciamento do flagrante, quando a notícia já não emana calor algum. Ainda assim, não são poucos os historiadores e outros estudiosos das chamadas ‘ciências humanas’ que foram convidados a participar em diferentes meios de comunicação. Colaboraram com suas impressões – avalizadas pela anunciada formação profissional – nas redações de todo o país.
Atônitos e com poucas explicações para fatos surpreendentes e inusitados relacionados ao 11-S, diversos jornalistas socorreram-se desses acadêmicos. Não raro, até mesmo gente respeitada nas universidades não hesitou em tornar públicas as suas explicações sobre as razões que teriam levado um ataque daquelas dimensões ocorrer em solo norte-americano.
Discurso e notícia
Algumas das explicações elaboradas no calor da hora, muitas vezes formuladas por gente não especialista em Oriente Médio ou em temas relativos ao Islã e seus diferentes movimentos políticos (e que talvez tenha pesquisado rapidamente na internet para atender aos jornalistas), foram as mais curiosas e de qualidade variável. Entre as curiosas, observei desde explicações – ou simplificações ingênuas, rancorosas e panfletárias – aparentemente inspiradas em deturpações do marxismo, que davam conta de uma suposta resposta terceiro-mundista aos anos de imperialismo ianque, até alarmes preconceituosos sobre uma suposta conspiração fundamentalista islâmica que teria como fim a submissão das democracias ocidentais.
A maioria dos acadêmicos sérios preferiu o cuidado à vaidade fácil das canetas, microfones, câmeras e holofotes e se limitou a mencionar estudos e informações anteriores que pudessem indicar respostas a algumas das perguntas formuladas em atacado. Como disse, os ritmos e ‘os tempos’ para interpretar são diferentes. Talvez também em razão disso, as ansiosas redações buscaram satisfazer seus editores com fontes alternativas.
Na primeira Guerra do Golfo, a rede CNN tinha em seu jornalista Peter Arnett, isolado em Bagdá, uma boa parte do foco da mídia ocidental. A partir do 11-S a mídia ocidental passou a depositar atenção especial a outra rede de TV, dessa vez sediada em Doha no Qatar, a al-Jazira. Também as páginas de diversos grupos ativistas fundamentalistas muçulmanos ou simpatizantes passaram a ser mais visitadas na internet.
Se ficou difícil aos jornalistas compreender e explicar certas razões relacionadas ao 11-S, a mídia árabe muçulmana – que, em tese, melhor compreenderia as motivações, idéias centrais (ou pelo menos o idioma…) de grupos como a al-Qaeda – poderia indicar outras respostas. Dessa forma, nos assuntos relacionados ao tema, a mídia ocidental passou a conviver cotidianamente com notícias que tinham como fonte a al-Jazira ou sítios de ativistas islâmicos.
Alguns jornalistas e outros estudiosos passaram também a ter como fonte tais mídias ‘alternativas’, algumas vezes sem estabelecer com cuidado os critérios e a crítica necessária sobre essas fontes. Jornais e sítios originários de países ditatoriais ou de imprensa controlada, que funcionam como órgão de divulgação quase oficial de grupos ou governos, passaram a ter seus respectivos discursos de propaganda reproduzidos como notícia.
Verdade admitida
Um exemplo impressionante desse fenômeno foi a divulgação por parte de diversos sítios e televisões árabes da informação que dava conta de que o Estado de Israel seria suspeito de ter sido responsável pela organização e execução do 11-S. Uma das fontes, a emissora de TV al-Manar, que pertence a facção fundamentalista muçulmana libanesa Hizbollah, ‘revelou’, em 17 de setembro de 2001, que 4 mil israelenses, supostamente avisados pelos serviços secretos de Israel, não teriam ido trabalhar no dia do atentado ao World Trade Center.
A informação foi reproduzida a partir daí na mídia americana, em especial no Information Times, como ‘4,000 Jews Did Not Go To Work At WTC On Sept. 11’. Por meio de e-mail, a informação circulou como verdadeira, com variações de conteúdo e outros detalhes. Ao redor do mundo, diversos jornais a divulgaram.
A idéia central de que nenhum judeu (originalmente descritos como israelenses) teria perecido no ataque segue sendo divulgada até hoje em diversos sítios – como por exemplo:
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http://geocities.yahoo.com.br/mistherius/WTC.html**
http://users.elo.com.br/~bentomln//guerra**
http://www.geocities.com/kurtdennis/wtc3.htm**
www.prof2000.pt/users/ni/QuemFoi.htmA informação apresentada em uma forma nebulosa e imprecisa, própria desse tipo de ‘revelação’, calcada na ‘razão’ dos engajamentos político-ideológicos, produziu ‘notícia’ que segue até hoje sendo divulgada. Lamentavelmente, parece ter sido incorporada como verdade até mesmo por alguns importantes estudiosos.
Fascínio pela conspiração
Um exemplo desse fato pôde ser observado em meados de julho de 2004, durante o bom programa de fim de noite exibido pela TV Educativa do Rio de Janeiro, o Olhar 2004. O vice-presidente e pesquisador do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (Cebres), coronel Amerino Raposo, afirmou durante sua participação no programa que no 11-S somente um judeu teria perecido, uma vez que os serviços secretos de Israel teriam avisado a respeito da iminência do ataque. O coronel não citou sua fonte. Aparentemente, de acordo com os comentários realizados ali, os interlocutores que estavam no mesmo estúdio acreditaram na veracidade da informação, assim como um bom número de espectadores. Dessa forma, certas ‘verdades’ foram e permanecem sendo incorporadas e repetidas.
Passados esses últimos anos, já se produziram alguns bons artigos acadêmicos a respeito do atentado WTC. Um bom número de sítios exibem informações minuciosas, entre as quais, o número de vítimas da tragédia. Já é possível afastar definitivamente certas teses conspiratórias e outros absurdos que continuam sendo divulgados.
Entre outros sítios que concedem confiabilidade satisfatória de informação, pelo menos para esse tipo de dado, está o (http://edition.cnn.com/SPECIALS/2001/
trade.center/victims.section.html), da CNN, onde é possível ter acesso ao número de vítimas fatais por nacionalidade. Uma lista nominal dos mortos – meio de satisfazer aos mais céticos ou crédulos em teorias conspiratórias – também é possível de ser acessada ali por meio da internet.
Das 6.333 vítimas do atentado de 11-S na edificação que reunia cidadãos de tantos países diferentes, pereceram 133 israelenses. Foram também vítimas do ataque 2 jordanianos, 5 libaneses, 5 iranianos, 1 turco, 1 indonésio, 8 iemenitas, 4 egípcios, 200 paquistaneses, 250 indianos, 55 cidadãos de Bangladesh, 4 chineses, 8 brasileiros e por aí vai. Nenhum saudita, nenhum sírio, nenhum iraquiano, nenhum líbio, nenhum argelino, nenhum marroquino e nenhuma outra vítima de uma das tantas nações majoritariamente muçulmanas do mundo, especialmente as de etnia árabe, que, aliás, tiveram reduzido número de baixas, relativamente. O que também não comprova ou indica absolutamente nada em relação a autoria ou uma suposta cumplicidade com o atentado.
Não encontrei levantamento relacionado as vítimas e detalhando a opção religiosa de cada uma delas. O que eu considerei um sadio sinal de bom senso. Aos que pretendem por meio de nomes identificar a opção religiosa ou origem étnica das vítimas, é possível uma consulta ao link (http://www.cnn.com/SPECIALS/2001/memorial/lists/by-name/page17.html).
Cohen, Levin, e outros sobrenomes tipicamente judaicos podem ser encontrados. Assim como outros menos conhecidos, tais como Ackermann; Adler; Alderman; Asher; Baran; Barzvi; Berger; Bergstein; Bernstein; Birnbaum; Echtermann; Ehrlich; Eisenberg; Feidelberg; Feinberg; Fisher; Fishman; Fogel; Friedlander; Friedman; Glazer; Goldberg; Goldstein; Gould; Grabowski; Graifman; Greenberg; Greenstein; Grimner; Haberman; Halderman; Heber; Hersch; Hetzel; Horwitz; Ilowitz; Jablonski; Jagoda; Kaplan; Kestenbaum; Kimelman; Kirschbaum; Kleinberg; Langer; Lazar; Lederman; Lefkowitz; Lehman; Levine; Leistman, todos norte-americanos.
Paro na letra ‘L’. A relevância dessa listagem parcial de alguns dos nomes de vítimas do ataque ao WTC tem como único objetivo evidenciar a precariedade da informação que segue sendo difundida. A mentira não se sustenta. Ainda assim, o fascínio por conspirações reveladas ‘secretamente’ segue produzindo sucesso em imprimir um tom de seriedade a idéias tão frágeis e irreais.
Só nos resta esperar mais alguns anos pela voz e linhas daqueles que tratam do passado da forma mais séria e precisa possível. E torcer para que jornalistas e estudiosos sigam os mais zelosos possíveis no trato de suas fontes.
[Além das fontes mencionadas ao longo do texto em (http://slate.msn.com/?id=116813)]
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Historiador, autor de Quixote nas Trevas – o embaixador Souza Dantas e os refugiados do nazismo (Record, 2002); Alexandre J. Eisenberg colaborou com este artigo