O México continua sendo um dos países mais perigosos para o exercício do ofício jornalístico: só no primeiro semestre deste ano, foram registrados 95 ataques a profissionais do setor – agressões físicas, ameaças, assassinatos, atentados, seqüestros, invasões de domicílio e batidas de surpresa em redações.
Agressões atribuídas, com provas ou sem provas, à escalada de violência do feroz e letal narcotráfico, que aterroriza boa parte do país, com raízes mais fundas no norte, na conflituosa fronteira com os Estados Unidos. Agressões também sempre mal apuradas, e no fim impunes, dirigidas a repórteres, fotógrafos, comentaristas políticos – todos envolvidos, de uma ou outra forma, na cobertura e denúncia sistemática das atividades criminosas dos quatro grandes cartéis da droga.
Agora a situação mudou de forma tão dramática quanto inaudita: pela primeira vez na história do jornalismo mexicano, um empresário da comunicação, cansado de viver sob as ameaças constantes dos capi da droga, decidiu deixar o país e ir morar com a família na vizinha cidade de San Antonio, no Texas. É o caso de Alejandro Junco de la Vega, presidente do Grupo Reforma, de Monterrey, que desde 1993 edita na capital mexicana o respeitado Reforma. (Até agora outros donos de jornais da região norte, evitando confrontos abertos com o narcotráfico, adotavam um prudente sistema de auto-censura.)
O peso da repressão
Junco, contudo, não é só um poderoso dono de jornal, preocupado basicamente com os lucros da empresa. Jornalista formado pela Universidade do Texas, em 1969, logo ao voltar ao México dedicou-se, com garra, talento e boa dose de idealismo, à recuperação dos negócios da família em Monterrey, na época afundada em dívidas por conta de problemas com seu principal investimento local, o diário El Norte.
Ele começou limpando a redação, onde aboliu velhas e corrosivas práticas, afastando jornalistas venais, que ou aceitavam suborno das fontes, com freqüência influentes, ou então saíam à caça de publicidade para o jornal. Dos Estados Unidos, ele importou uma ex-professora de Jornalismo, que aprimorou a qualidade da publicação mediante seminários de técnicas de reportagem e redação para as novas equipes da casa.
Mais ainda, dos norte-americanos também aprendeu e aplicou métodos e sistemas comerciais mais modernos, com um marketing agressivo, recuperando aos poucos a saúde financeira e o prestígio de El Norte.
Combativo, corajoso, não demorou muito e Junco, por causa de suas posições críticas em relação às mazelas clássicas do sistema – corrupção, autoritarismo, violência, nepotismo, ineficácia administrativa – entrou na lista dos inimigos jurados do mafioso partido PRI, então no poder e implacável diante do mais leve atrevimento opinativo dos meios de comunicação. Em 1993, quando o Grupo Reforma, já muito sólido no norte do país, planejou entrar na Cidade do México, um dos grandes objetivos de Junco, ele sentiu logo o peso da repressão mais descarada por parte do sistema.
Despedida pública
Recursos para a empreitada não faltavam, pois ele dispunha de 50 milhões de dólares da família e do grupo, mas não contava com um obstáculo complexo: a distribuição do jornal, que teria de ser feita pelos chamados Voceadores (o sindicato dos jornaleiros), como outros, estreitamente vinculado ao PRI. A ordem veio de cima, o Reforma não poderia chegar às bancas da cidade. E, depois de algumas semanas de todo tipo de entraves e sabotagens, Junco, deslocando-se à Cidade do México, reuniu redação, administração e oficinas, na sede própria da empresa, um prédio majestoso na avenida Universidad, no bairro Del Valle, sul da cidade, e conclamou seu pessoal a sair às ruas e vender o jornal, exemplar por exemplar, aos leitores interessados, naquela altura já intrigados com o episódio.
A iniciativa, inédita e não pouco corajosa, teve enorme êxito, as principais ruas e avenidas da Cidade do México, com destaque para o belo e imponente Paseo de la Reforma, se encheram de vendedores de jornal improvisados, mas cobertos com o avental verde enfeitado com o logotipo amarelo do jornal. As assinaturas cresceram e, aos poucos, o governo, dobrado pela tenacidade de Junco e seus funcionários e também pelo clima crescente de democratização do país e da liberdade imparável dos meios de comunicação, acabou relaxando a proibição. Mas o Reforma não mais dependia de bancas, pois inventara, ao fim do primeiro mês de luta, um sistema próprio de distribuição para assinantes, além das vendas em lojas, bares e restaurantes, livrarias.
Escrito e editado com grande competência, com um visual moderno e bonito, o Reforma, em questão de seis meses,converteu-se em leitura obrigatória, ao lado do centenário El Universal, das elites mexicanas – financeiros, políticos, governantes, executivos de rádio e televisão, empresários imobiliários e automobilísticos. Aplicou-se no novo jornal o mesmo marketing agressivo do El Norte, tornando-o hoje um veículo indispensável para os grandes anunciantes, entre eles os clientes maiores das grandes multinacionais de publicidade, que lideram o ranking das agências locais. É no Reforma também que escrevem regularmente, nas páginas editoriais, os comentaristas e analistas de maior credibilidade na imprensa local.
Figura importante na vida empresarial e na sociedade de Monterrey, Alejandro Junco de la Vega, amigo do governador Natividad González, despediu-se deste publicamente numa carta. Diz, entre outras coisas:
‘Meu caro Nati:
Estava num dilema, comprometer nossa integridade editorial ou mudar a família para um lugar mais seguro. Os problemas de segurança nos levaram a esta situação. Perdemos a fé. E isso conta muito num país onde milhões também a perderam e emigraram. Não te escrevo para reclamar coisa alguma. Escrevo para te pedir que não permitas que a nossa Monterrey sufoque seu próprio espírito tradicional. Com isso, você pouparia muitas famílias de muitas dores e sofrimentos…’
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Jornalista e escritor, ex-correspondente de Veja no México e América Central