Um sábio da política, o presidente Tancredo Neves, foi procurado certa vez por um amigo. ‘Dr. Tancredo, vou contar-lhe um caso, mas peço que guarde segredo’. Tancredo recusou: ‘Se você, que é dono do segredo, não consegue guardá-lo, não sou eu que vou conseguir’.
O governo quer que a imprensa faça aquilo que Tancredo não quis fazer: já que as autoridades vazam seus segredos, proíba-se a imprensa de divulgá-los. O ministro da Justiça, Tarso Genro, diz que não há ataque à liberdade de imprensa no projeto de lei que encaminhou ao Congresso. Mas há, sim.
O fato é que a obrigação legal de guardar determinados segredos é das autoridades que os detêm. A partir do momento em que o segredo chega ao conhecimento de um jornalista, já deixou de ser segredo, e não há motivo para que o jornalista deixe de divulgá-lo. Que as autoridades, então, sejam responsabilizadas.
Aliás, já faz tempo que está na hora de cobrar dos detentores de segredos legais que parem de vazá-los. Os inquéritos sigilosos que vazam gota a gota, sempre contra os réus, não são nenhuma novidade. E investigar o vazamento é simples: não há muita gente com acesso a esses documentos sigilosos. O problema é que, até agora, essas coisas nunca foram investigadas – até porque, tanto quanto se saiba, os vazadores e os investigadores do vazamento jogam no mesmo time.
Há ocasiões específicas em que jornalistas guardam segredo: seqüestros, por exemplo, para não prejudicar as investigações. Mas são ocasiões pontuais, esporádicas. A obrigação do jornalista é dividir com seu público aquilo que descobre. A obrigação das autoridades é manter em segredo aquilo que for secreto. Se cada um fizer sua parte, o país funcionará bem melhor. E a tentação autoritária que costuma acometer os poderosos em geral com certeza se tornará menos perigosa.
A base da liberdade
A propósito, antes de pensar em mexer com leis de imprensa e outros entulhos autoritários, o governo precisa informar-se sobre a estrutura legal do país. A liberdade de informação, independente de censura, está no inciso XIV, artigo 5º, da Constituição. É reforçada no artigo 220, parágrafos 1º – ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social (…); e 2º – ‘é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’.
As pessoas e a ideologia
Nesta guerra insana travada entre jornalistas (que com freqüência abandonam o tema do debate e partem para o ataque pessoal) sobram, às vezes, balas perdidas. E jornalistas que se dedicam exclusivamente à reportagem, sem compromisso com os lados que se enfrentam, acabam sendo atingidos de maneira injusta. A última vítima foi uma excelente repórter, Lilian Christofoletti, da Folha de S.Paulo. Lilian é séria, correta, íntegra; e isso não é perdoado pelos patrulheiros. Além do mais, o clima entre as patrulhas diversas é tão radicalizado que, se você escrever sobre o banheiro do estádio do Treze de Campina Grande, estará sujeito a acusações de ser contra o Daniel Dantas, ou a favor dele. Não se pode sequer citar nosso presidente, ‘nunca dantes nesse país’, porque pode parecer que o assunto é Daniel Dantas e, portanto, alguma coisa há por trás da frase.
Tudo bem, esfolem-se mutuamente, insultem-se, processem-se. Mas por que tentar atingir quem não faz parte da briga?
Adeus, Lourenço
Faz tempo, muito tempo. Na recém-criada Folha de S.Paulo, que englobava Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite, comecei a trabalhar com o Lourenço Diaféria. Ele era um pouco mais velho (na época, parecia-me muito mais velho); mas era corintiano, cordial com os focas, disposto sempre a compartilhar os segredos de seu bom texto. Curioso: num meio que valoriza as línguas bífidas, o Lourenço era a exceção. Nunca o ouvi falar mal de ninguém – nem dos militares que, na época da ditadura, o infernizaram por causa de uma crônica bonita, ‘Herói. Morto. Nós’ – um texto que só idiotas radicalizados poderiam considerar subversivo. Lourenço, sim, foi perseguido; e jamais pensou em enriquecer com indenizações. Preferiu levar a vida como gostava, cuidando da família, dos amigos, do Corinthians, das crônicas.
Dizem que crônica, por definição, é passageira. Mas meu cunhado vem me pedindo há tempos uma velha crônica do Lourenço sobre o Dia dos Pais – uma beleza, lembro-me. E que diabo de gênero passageiro é este, que um leitor recorda um texto que quer guardar, e que outro leitor lembra perfeitamente qual é?
Adeus, Lourenço. Você vai nos fazer muita falta.
Leia também
Herói. Morto. Diaféria – Franklin Valverde
A guerra do fumo 1
E, já que falamos em Folha de S.Paulo, está ali uma excelente reportagem sobre o projeto do governador José Serra que proíbe o fumo em lugares públicos fechados. Uma atriz fumou tranquilamente dentro do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista e residência de Serra, e não foi incomodada. Traduzindo: talvez a coisa não seja por aí. Se o governo federal tomar a iniciativa de eliminar o subsídio ao cigarro, elevando o custo do maço, o efeito será bem mais sensível do que a proibição pura e simples. Hoje em dia, contrariando as recomendações da Organização Mundial da Saúde, o cigarro é baratíssimo no Brasil. E o órgão mais sensível do corpo humano não é o nariz: é o bolso.
A guerra do fumo 2
A propósito, não se falou na imprensa a respeito do lobby do fumo. Quando o cigarro foi proibido nos restaurantes de São Paulo, houve uma tremenda mobilização de sindicatos patronais para derrubar a lei (o que acabou acontecendo). E não foi nenhum deles que financiou a rica campanha em favor do cigarro.
A homenagem a Lula
Passou despercebida pela imprensa a homenagem que o Instituto Steven Roth para o Estudo do Anti-Semitismo e do Racismo Contemporâneos, o mais importante do mundo, acaba de prestar ao presidente Lula. Lula foi convidado a participar das cerimônias do International Holocaust Memorial Day, instituído pela ONU, e das homenagens ao diplomata brasileiro Luiz Martins de Souza Dantas, cujo trabalho na França ocupada pelos nazistas, na Segunda Guerra Mundial, salvou a vida de centenas de perseguidos. O Brasil, mostrou o Instituto, é uma das democracias com leis mais sólidas para punição e prevenção do racismo.
Parabéns! 1
Atenção: na segunda-feira (29/9), o Consultor Jurídico lança, no Maksoud Plaza, em São Paulo, o Anuário da Justiça Paulista. É coisa grande: a publicação nacional é um grande êxito, a estadual tem tudo para acompanhá-la. No coquetel de lançamento, deverão estar o governador José Serra, o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, e o presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro César Asfor Rocha. Vale a pena.
Parabéns! 2
Na terça-feira (23/9), outra bela comemoração, também na área de publicações jurídicas: o Direito na Mídia, de Ricardo Maffeis, completa dois anos. Direito na Mídia é um boletim, enviado por e-mail, com comentários jurídicos sobre acontecimentos da semana; é também um blog com textos que, por seu tamanho, não devem ser enviados por e-mail. Uma boa publicação, a acompanhar: é bom que a imprensa esteja atenta a temas jurídicos.
Parabéns! 3
Desta vez, cumprimentos ao iG: está publicando um novo e delicioso blog, o Balaio do Kotscho. Vale a pena – como, aliás, tudo o que o Ricardo Kotscho faz em jornalismo. Torce para o time errado, mas ninguém é perfeito.
Que vergonha!
É preciso confessar: este colunista viu com muitas reservas a iniciativa do Ministério Público de recomendar a uma emissora que respeitasse o direito dos consumidores de notícias a uma informação correta. O primeiro pensamento foi algo do tipo ‘esses promotores agora querem decidir o que é certo ou errado na imprensa e daqui a pouco vão querer mexer na diagramação’.
Mais duro foi perceber que, neste caso, os promotores tinham toda a razão. Um programa gravado não pode ir ao ar muito depois – no caso, quase seis meses depois – mantendo a vinheta ‘ao vivo’, sem qualquer indicação de que se trata de coisa requentada. Só podemos lutar pela independência quando formos capazes, sozinhos, de responsabilizar-nos por ela.
Como…
A modelo italiana Raffaela Fico, 20 anos, jura que é virgem e está disposta a vender a virgindade por 1 milhão de euros. Mas o melhor da história é o texto da notícia, conforme publicado em nosso país: ‘Estou ansiosa por conhecer o homem capaz de pagar para me ter’. Ah, os cacófatos!
…é…
Já não bastava aquela coisa horrorosa de gringo, de achar que a capital do Brasil era Buenos Aires? Pois pode ser pior: segundo o Boston Globe do último dia 15, ‘President Evo Morales of Brazil tried to quell violence’. Acalmar a violência, tudo bem. Mas ‘President Evo Morales of Brazil’ é meio muito para nós.
…mesmo?
‘Paris Hilton nega que coiotes tenham comido seus cachorros’. Claro que não: ao que se saiba, os cachorros de Paris Hilton nem são disso.
E eu com isso?
Bolsas subindo e caindo, jornalistas jurando que fizeram previsões sobre a crise muito antes dos economistas, bancos que quebraram por investir mal tentando mostrar aos investidores como investir bem, bolivianos ameaçando entrar em guerra civil – que coisas mais chatas!
Mas existe um outro mundo:
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‘Eva Mendes revela que já fez sexo em todos os Estados dos EUA’(E lá nos EUA há 50 estados. Uma dúvida que Eva Mendes não esclareceu: terá entrado na lista o 51º, o estado livre associado de Porto Rico?)
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‘Murilo Benício passeia no Leblon’**
‘Cristiana Oliveira cuida das unhas em centro de beleza e estética no Rio’**
‘Ana Furtado exibe pernas durante desfile em shopping carioca’**
‘Mel Gibson passa horas com morena em camarim’**
‘Cobra em banheiro leva polícia a filhote de crocodilo em hotel‘O grande título
Dois títulos da semana passada merecem destaque: um, pela construção da frase; outro, além da construção da frase, traz um ‘suposto assassinato’. Se o sujeito morreu com três tiros nas costas, o ‘suposto’ fica meio esquisito. Mas vejamos:
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‘`O governo me prejudica sempre´, diz Zé do Caixão seu novo filme’**
‘Bope vai investiga suposto assassinato de traficante Tota’Mas o melhor dos títulos não tem erro nenhum:
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‘Jegue é preso em flagrante acusado de roubo’E ainda dizem que este é o país da impunidade!