O jornalista, político e poeta Francisco Xavier Ferreira nasceu na Colônia do Sacramento, em 04/12/1771, e faleceu em 23/04/1838 na Fortaleza de Villegaignon (RJ), prisão à qual foi enviado, em junho de 1836, após a retomada de Porto Alegre pelas forças imperiais. O “Chico da Botica”, como era conhecido, era filho de Bento Martins Ferreira e de Maria Jacinta do Nascimento. Farmacêutico de profissão – fato que justifica seu apelido – era um homem de cultura e erudição.
Na cidade de Rio Grande, em 1832, ele fundou O Noticiador, o primeiro jornal no interior da província de São Pedro (RS). Este periódico é considerado o primeiro a combater o tráfico de escravos, sendo considerado o primeiro abolicionista e um dos cinco melhores impressos que circularam na província de São Pedro (RS). O “Chico da Botica”, por meio de seu jornal, divulgou os ideais liberais no interior da Província, fomentando, desta forma, a eclosão da Revolução Farroupilha (1835-1845), que combateu o centralismo político e a exploração econômica do Império.
Desde o século 16, o tráfico de escravos era uma prática sistemática no Brasil. Esta questão foi tratada de forma vanguardista no jornal O Noticiador (1832-1836), denunciando a presença do tráfico que estava proibida, desde o ano de 1831, devido à pressão diplomática da Inglaterra. A partir de 1831 até 1850, ano em que entrou em vigor a Lei Eusébio de Queirós, mais de um milhão de escravizados entraram ilegalmente em nosso país. Denúncias de corrupção feitas contra o Judiciário, entre 1832 e 1836, estão presentes nas páginas deste importante periódico, como nos relata o historiador Moacyr Flores em seu livro Contrabando de Escravos, lançado, em 2013, pela Editora Pradense. Estas denúncias se constituem em preciosas informações em relação à escravidão e ao tráfico negreiro na época; além de registrar os interesses econômicos em jogo. Diante da riqueza de dados, é irrefutável a relevância de O Noticiador (1833-1836), como fonte historiográfica, para os que buscam trazer novas luzes a este capítulo da nossa história.
A importante atuação de Francisco Xavier Ferreira (1776-1838), no campo político, como redator de O Noticiador (1832-1836) e membro da maçonaria, possibilitou que ocupasse cargos importantes na Assembleia Provincial. O “Chico da Botica” foi destacado maçom, secretário e presidente da Sociedade Defensora da Liberdade e Independência Nacional, em 1832, e presidente da Sociedade de Beneficência, sendo, também, responsável pela criação do primeiro hospital público da cidade de Rio Grande.
Uma homenagem aos ideais liberais
Na área política, ele foi membro da Junta Governativa da Província, após o afastamento do presidente João Carlos Saldanha de Oliveira Daun; deputado à Assembleia Provincial na primeira legislatura e presidente da Assembleia Provincial pela primeira vez instalada na província. Francisco Xavier Ferreira foi responsável pelas negociações, visando à elevação de Porto Alegre à condição de cidade em 1822, e, também, à elevação de Rio Grande em 1835. Ele também compôs Hino que se cantou na noite do dia 24 do corrente, pela feliz notícia da Gloriosa Elevação do Sr. Dom Pedro II ao Trono do Brasil. Rio Grande: Tipografia de F. X. F., 1831.” e a Relação dos festejos, que fizeram os portugueses residentes na vila do Rio Grande do Sul, em demonstração de seu júbilo pelo restabelecimento da paz, e da liberdade, na sua pátria”. Rio Grande: Tipografia de F. X. F., 1834. Estas obras foram impressas em sua tipografia.
O “Chico da Botica” não compartilhava com as ideias de separação da província de São Pedro (RS) em relação ao Império, pois era adepto da monarquia constitucional, conforme publicação feita no jornal O Mensageiro, que circulou, na capital, no dia 05/02/1836. Participou dos acontecimentos políticos que antecederam à Revolução Farroupilha (1835-1845), pois não concordava com a forma como o Império administrava as questões políticas e econômicas vivenciadas na província de São Pedro (RS). Quando ocorreu a retomada de Porto Alegre pelos imperiais, em 15 de junho de 1836, ele ocupava a Presidência da Assembleia Legislativa Provincial, sendo preso e mandado para bordo do navio-prisão Presiganga e depois enviado para o Rio de Janeiro, onde faleceu, em 23 de abril de 1838.
O Povo (1838-1840), que se apresentava, na grafia da época, como “jornal político, litterario, e ministerial da Republica Rio-Grandense”, publicou um extenso necrológio que se constitui numa “Oração fúnebre”, na sua primeira edição, em setembro de 1838, narrando o sofrimento de Francisco Xavier Ferreira, durante sua deportação, encarceramento e a doença que o vitimou. O periódico prestou esta homenagem, reconhecendo sua luta em prol dos ideais liberais que nortearam a Revolução Farroupilha (1835-1845).
O Noticiador, jornal político, literário e mercantil, começou a circular, em Rio Grande, no dia 03/01/1832. Esta data é registrada pela maioria dos pesquisadores que se dedicam à pesquisa de dados sobre a história da nossa imprensa local.
Uma fonte de pesquisa indispensável
Francisco Xavier Ferreira, o “Chico da Botica”, adquiriu uma tipografia e a instalou a princípio no Beco do Rasgado (matriz) e, depois, a transferiu para Rua Direita, próxima da esquina com a rua 24 de Maio. Esses foram os primeiros passos do jornalismo no interior da Província de São Pedro (RS). O redator d’O Noticiador registrou, em suas páginas, o seu ideário:
“O amor da liberdade, que nos leva a detestar toda a espécie de tirania; o desejo de ver o nosso país livre de todas as dissenções e rivalidades, que retardam o andamento de sua prosperidade; a obrigação, enfim, que todos temos de contribuir, segundo nossas forças, para o melhoramento e ventura da sociedade a que pertencemos, venceram a repugnância que, em consequência do nosso mesquinho cabedal literário, tínhamos de tomar sobre nossos ombros a penosa tarefa de escritor público.”
O Noticiador divulgava os princípios liberais adotados por seu proprietário que desejava difundi-los no sul da província. Seu primeiro redator for Guilherme José Corrêa, médico formado em Coimbra, que não correspondeu, satisfatoriamente, no exercício de suas funções. Devido a este fato, o “Chico da Botica” assumiu a redação a partir do número 21. O Noticiador era bissemanário, com quatro páginas, e circulava às segundas e quintas-feiras, custando quatro mil réis a assinatura trimestral e oitenta réis o número avulso.
O Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, fundado em setembro de 1974, em Porto Alegre, guarda e preserva este importante periódico que foi pesquisado, na íntegra pelo professor Francisco Riopardense de Macedo (1921-2007). Esta pesquisa resultou em um DVD que foi produzido pelo Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul em parceria com o Museu da Comunicação Hipólito José da Costa.
Nestor Ericksen, importante pesquisador, declarou em seu livro O Sesquicentenário da Imprensa Rio-grandense (1977), lançado pela Editora Sulina, que O Noticiador foi nossa primeira folha abolicionista. Existem dados que comprovam que o jornal circulou até o número 388, de 09/02/1836, e nele nada indicava o término da sua impressão. O jornal circulou com certa regularidade e passou a semanário em janeiro daquele ano, circulando às terças-feiras.
É provável que O Noticiador tenha desaparecido devido à prisão do seu redator no momento em que a capital da província de São Pedro estava sendo retomada, em 1836, pelas forças legalistas. Não existem dados que confirmem se o periódico continuou a ser impresso, após este episódio da “Revolução Farroupilha” (1835-1845).
O Noticiador assinalou uma época. Esse periódico se constitui em indispensável fonte de pesquisa a todos que procuram ampliar seus conhecimentos acerca desse importante período da nossa história regional e do Brasil.
Bibliografia
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CÉSAR, Guilhermino. História da literatura do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1971.
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NEVES, Gervásio Rodrigo (Org.). Coleção Recuperação e Memória da Imprensa no Rio Grande do Sul. Volume 1 – CD ROM O Noticiador. Porto Alegre: I.H.G.R.G.S., 2008.
MIRANDA, Marcia Eckert; LEITE, Carlos Roberto Saraiva da Costa. Jornais raros do Musecom: 1808-1924. Porto Alegre: Comunicação Impressa, 2008.
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Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite é pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Musecom