A revista Época desta semana ocupa-se do blogue da cubana Yoani Sanchéz, filóloga de 32 anos que ganhou notoriedade mundial [ver, neste OI, ‘Cuba me dói‘].
Estela Caparelli, com fotos de Luís Matinkoski, informa que Yoani mora em Havana, num apartamento de 60 metros quadrados, com o marido, o jornalista Reinaldo Escobar, 61 anos, e o filho Teo, 12 anos.
Ela não vive de seu blogue. É guia de turismo, faz traduções de alemão e dá aulas de espanhol. Escreve à mão num caderno e depois vai a um hotel ou café que tenham computadores e acesso à internet para postar seus protestos. Paga seis dólares por hora para fazer isso.
O jornal El País, da Espanha, outorgou-lhe o Prêmio Ortega y Gasset. A revista Time já a reconheceu como uma das pessoas mais influentes do mundo.
Fidel Castro não ignorou o trabalho da blogueira. Em texto publicado no jornal Granma e depois incluído no livro Fidel, Bolivia y Algo más… Una Visita Histórica al Corazón de América Latina, ele criticou a ‘jovem cubana’, ao reproduzir sete declarações que ela postou. E lamentou que jovens cubanos atuem como ‘enviados especiais para fazer trabalhos secretos e de imprensa neocolonial da antiga metrópole espanhola que os premia’.
Educação, cultura e saúde
Os jovens querem mais do que seus pais e avós conquistaram para eles. Quando jovens, os revolucionários da Sierra Maestra também quiseram e por isso lideraram uma revolução popular.
Os intelectuais brasileiros têm dificuldades de escrever sobre Cuba. Ou tomam o caminho da denúncia política, ignorando as altas conquistas sociais da Revolução Cubana, ou partem para endossos irrestritos, fechando os olhos às mais óbvias limitações das liberdades, como a da imprensa.
Como alguém que lá esteve algumas vezes, quando Cuba recebia bilhões a fundo perdido da então URSS, e também depois, quando a ajuda cessou, reitero que, em geral, os problemas são mal formulados nessas críticas. Em geral, a confusão começa na abertura dos artigos, pois o caminho logo se bifurca.
Se os 48 milhões de iletrados brasileiros, para quem as liberdades democráticas de nada lhes servem, tivessem nascido em Cuba, não seriam iletrados! Não levariam balas perdidas, não precisariam transportar cocaína e maconha para os abastados, que esperam a droga no conforto de lares do primeiro mundo, em bairros chiques, não precisariam solicitar que alguém lesse ou escrevesse por eles, como a mesma revista Época mostra em reportagem magistral, de Solange Azevedo, à página 124 e seguintes. Os níveis de educação, cultura e saúde em Cuba são invejáveis, comparados com os indicadores de outros países do continente.
Coragem na denúncia
Em nome da democracia, que não resolveu problemas seculares, critica-se a ditadura cubana irrestritamente, sem considerar avanço social algum, e absolvem-se as democracias do mundo inteiro, com descabidas indulgências a problemas como a violência urbana, a péssima distribuição de renda, o rebaixamento da qualidade na educação e na cultura, a saúde para poucos, a corrupção e a roubalheira etc.
Devido à influência dos russos, muitos nomes na ilha começam com Y, como o de Yoani. É o caso do médico Yohandry Fontana, de 37 anos, que também mantém um blogue. Ele combate a conterrânea, denunciando ‘aqueles que dentro e fora de Cuba distorcem a realidade do país e recebem dinheiro sujo para difamar a Revolução’.
Yoani morou alguns anos na Suíça. Se recebesse dinheiro sujo para difamar a Revolução, não voltaria para Cuba e não estaria vivendo como vive. É preciso prestar atenção à sua coragem e ao que denuncia.
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P.S. Quase todos grafam blog, mas então, para serem coerentes, deveriam escrever dog e não dogue, para designar o conhecido cão de guarda, como os dicionários já registram.
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Doutor em Letras pela USP e professor da Universidade Estácio de Sá, onde é vice-reitor de Cultura e coordenador de Letras; seus livros mais recentes são o romance Goethe e Barrabás e A Língua Nossa de Cada Dia (ambos da ed. Novo Século); www.deonisio.com.br