Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A Bíblia para leigos

Maior sucesso da Record em muitos anos, a novela “Os Dez Mandamentos” ajuda a entender, ao menos em parte, os humores do público da TV aberta no Brasil.

A ousada decisão de transformar uma história bíblica num folhetim com mais de cem capítulos obrigou a autora do texto a fazer uma série de malabarismos. Dando muita corda à imaginação, Vivian de Oliveira criou personagens, inventou histórias e desenvolveu tramas com a maior sem-cerimônia.

Ainda que tenha optado por nomes difíceis e, muitas vezes impronunciáveis para vários personagens (Bakenmut, Bezalel, Eliseba, Henutmire, Joquebede etc.), a autora tem escrito diálogos com uma linguagem bem coloquial, semelhantes aos de tramas contemporâneas.

“Mulher gosta de homem com atitude”, filosofou um guarda no capítulo de quarta-feira (29). Ao ver a rainha Tuya passar, acrescentou: “Bem que eu pegava”. No mesmo episódio, o sacerdote Paser tentou convencer a mulher, a vilã Yunet, a fazer sexo oferecendo “um pozinho azul maravilhoso” a ela.

Mais que isso, a novela está apostando em conflitos capazes de seduzir o público interessado em dramas juvenis e água com açúcar –um “capa e espada” bíblico.

Chegando ao 30º capítulo, a trama está estacionada no início da vida adulta de Moisés, criado como um príncipe pela corte egípcia. O principal conflito até o momento é o triângulo amoroso formado pelo protagonista com Nefertari, filha de uma dama de companhia, e Ramsés, filho do faraó.

“Vê se cresce, Ramsés. E tire da cabeça que vou ser sua rainha porque não vou ser”, disse Nefertari no capítulo de terça-feira (28), abrindo espaço para Moisés se declarar algumas cenas depois.

Escalada para as 20h30, a trama bíblica compete diretamente com o “Jornal Nacional”, da Globo, o folhetim infantil “Chiquititas”, do SBT, e a novela turca (com cara de mexicana) “Mil e Uma Noites”, exibida em versão dublada pela Band.

É sintomático que, puxado pelo sucesso de “Os Dez Mandamentos”, a audiência somada dessas três novelas frequentemente seja igual ou superior ao do jornalístico da Globo.

“Vingancinha”

A rede americana ABC confirmou nesta quarta-feira (29) o fim da série “Revenge”, que Fausto Silva, obrigado a promover em seu programa, uma vez chamou de “Vingancinha”.

Após quatro temporadas, a emissora se deu conta de que não dá para esticar mais a repetitiva história. É uma decisão sensata, por mais que deixe os fãs entristecidos.

“Revenge”, aliás, é um daqueles programas que merecem o selo de “guilty pleasure” –aquele sentimento ambíguo de gostar e ao mesmo tempo sentir um certo constrangimento ao perceber que aquilo não é bom.

Novelão clássico, com texto bobo, atores medíocres e interpretações canhestras, “Revenge” é um produto típico da TV aberta, disposto a capturar a atenção sem exigir muito do espectador.

Há muitas outras séries com esse mesmo padrão. São programas que estão aí para lembrar que a média da programação americana neste segmento, apesar do ótimo padrão de produção, é de qualidade regular. Séries espetaculares como “Mad Men”, que está terminando, ainda são exceção.

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Mauricio Stycer, da Folha de S.Paulo