A divulgação científica está em fase de mudança no Brasil. Cortes nas redações vêm reduzindo o número de jornalistas especializados em ciência de alto nível em jornais diários.
Mas enquanto a grande imprensa enfrenta problemas econômicos e coloca a reportagem de ciência na linha de tiro, organizações públicas e privadas seguem a direção oposta e abrem novos postos para comunicadores de ciência.
‘A imprensa brasileira está em crise e o mercado para o jornalismo científico diminui cada vez mais no país’, afirma Marcelo Leite, jornalista especializado em ciências, durante a 56ª Reunião Anual da SBPC, realizada em julho em Cuiabá.
O jornalismo científico não está conseguindo atingir de forma significativa setores importantes da sociedade, diz Leite, ‘restringindo o debate sobre questões importantes que afetam as pessoas, tais como plantações geneticamente modificadas e pesquisas em células-tronco’.
Para José Roberto Ferreira, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico (ABJC), de fato, ‘a grande imprensa é muito instável em relação à cobertura de ciência no Brasil’.
Segundo Ferreira, contribui para essa instabilidade o fato de a ciência não ter conquistado uma editoria, ou mesmo subeditoria, cativa nas grandes redações, como ocorreu com a economia, a política, os esportes e a cultura. ‘Com isso, a cobertura de ciência e os postos de trabalho a ela relacionados ficam mais suscetíveis aos humores das empresas jornalísticas’, diz. Apenas 20% dos 541 membros da ABJC trabalham em jornais diários.
‘O tamanho das redações tem permanecido pequeno, os jornais cortam vagas, e são muito poucos os que têm gente especializada em ciência, principalmente fora do eixo Rio-SP’, afirma Ricardo Bonalume Neto, repórter da Folha de S.Paulo. ‘Um jornalista de ciência tem a opção de passar fome ou ter de escrever também sobre outros.’
Qualidade da cobertura
Após o boom dos anos 1980 – quando vários jornais diários criaram editorias ciência e contrataram jornalistas especializados em ciência –, a atividade enfrenta agora uma fase crítica, diz Leite, sendo sistematicamente reduzida nos últimos anos.
No mês passado, Leite sentiu a crise na própria pele, ao perder seu cargo de editor de ciência no jornal Folha de S.Paulo por causa dos cortes, embora mantenha sua coluna semanal.
Para a jornalista especializada em ciências Martha San Juan, diretora da revista Horizonte Geográfico e ex-editora da revista de divulgação científica Galileu, os quatro últimos anos foram especialmente ruins para o jornalismo científico.
Por causa das dificuldades econômicas, as grandes empresas jornalísticas estão enxugando o pessoal e deixando apenas o essencial. ‘Ciência sempre foi considerado supérfluo’, afirma.
Ana Lucia Azevedo, responsável pela seção de ciência de O Globo, é mais otimista. ‘Embora o número de vagas para cobrir ciência esteja reduzido, existe um aumento de interesse do público, principalmente jovem, por ciência’, ela diz.
O Globo acaba de criar uma nova revista publicada aos domingos, que dedica algumas de suas páginas à ciência.
Mas San Juan – que deixou seu cargo como editora de ciência na revista Época em 2001, quando a seção foi reduzida de 12 a 16 páginas para 2 a 4 páginas – é menos otimista que Ana Lucia Azevedo no que se refere ao potencial das revistas suprirem a lacuna deixada pela cobertura de ciência pelos jornais.
San Juan defende que existe uma concepção errônea das agências de publicidade de que leitores de revistas de ciência não são bons consumidores de, por exemplo, carros, tênis de grife, computadores etc.
‘Mesmo quando as revistas vendem muito em banca, não têm anúncio. Sem anúncio, não são lucrativas. Portanto, não são um bom empreendimento comercial.’
Leite acredita que os problemas enfrentados pela cobertura de ciência no Brasil não se limita à quantidade de reportagens sobre o tema, mas, sim, à qualidade.
‘Em geral, as reportagens sobre temas de ciência são excessivamente laudatórias, enfatizando apenas os aspectos maravilhosos’, ele afirma. ‘Em lugar disto, devemos reportar temas de ciência de forma crítica, considerando também as limitações da ciência.’
Sérgio Adeodato, editor da Horizonte Geográfico e colaborador de SciDev.Net, sugere que a perda de qualidade na cobertura de temas de ciência pode ser, em parte, causada pela grande oferta de notícias através de portais e sites institucionais, que chega aos montes nos emails dos editores, fazendo com que os jornais abram mão de seus repórteres. ‘A notícia deixou de ser checada, questionada e contextualizada’, lamenta Adeodato.
Pano de fundo
Paradoxalmente, o mundo mais amplo da divulgação científica no Brasil está passando por uma fase de boom, de acordo com Ildeu de Castro Moreira, diretor do Departamento de Difusão e Popularização da Ciência, criado este ano pelo MCT.
‘Muitos museus e centros de ciência foram criados nos últimos anos e a divulgação científica está na agenda de várias instituições de pesquisa’, diz (leia também Desafios da divulgação científica na América Latina, disponível em (http://www.scidev.net/gateways/index.cfm?fuseaction=regionalgatewayItem&rgwid=1&language=3)
Um símbolo do apoio do governo para a divulgação científica ocorreu em julho, quando o ministro da C&T, Eduardo Campos, assinou um acordo com a Academia Brasileira de Ciências para fortalecer a divulgação científica no país.
Um ponto chave neste acordo é o lançamento de edital para apoiar o desenvolvimento de unidades móveis de divulgação científica.
‘A idéia é apoiar cinco projetos, um em cada uma das regiões brasileiras, visando estimular o interesse do público pela ciência’, disse Rodrigo Rollemberg, secretário de inclusão social no MCT.
O jornalista especializado em ciência e meio ambiente Maurício Tuffani, editor dos sites PNUD Brasil e Nações Unidas no Brasil, também defende que há um crescimento de outras formas de divulgação científica no país.
‘Muitas instituições procuram profissionais de comunicação com perfil mais voltado para as áreas de ciência, tecnologia, saúde e meio ambiente’, diz Tuffani.
E acrescenta: ‘É interessante que muitos médicos e clínicas especializadas têm contratado jornalistas para serem seus assessores de imprensa, propondo pautas com ganchos em inovações médicas, com a deixa para o médico ou clínica contratante como fonte.’
Para Tuffani, parece haver uma tendência em investir menos em propaganda e mais em assessoria de imprensa, o que contribuiria para mudar o perfil do jornalismo científico no Brasil.
‘Ao contrário do que acontecia antes – quando as redações tinham jornalistas mais experientes do que as assessorias de imprensa –, hoje, com a crescente onda de demissões, as assessorias estão com profissionais de alto nível, ao passo que as redações têm cada vez mais gente menos experiente, principalmente na área de meio ambiente’, diz.
Para ele, as alternativas para um jornalista de ciência na imprensa estão de fato sendo reduzidas, mas crescem as oportunidades na comunicação empresarial e na divulgação institucional.
Ferreira, o presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, concorda com Moreira e Tuffani de que atividades de divulgação científica em outros campos estão em processo de expansão.
‘As universidades estão cada vez mais introduzindo reportagens sobre as pesquisas que realizam em seus jornais e sites. Também as agências de fomento estão despertando para o importante papel que podem desempenhar na divulgação de C&T’, diz.
Para Ferreira, ‘as observações de Leite têm como pano de fundo uma questão importante e reveladora de uma situação que está se tornando crônica no Brasil: a falta de interesse ou de capacidade da grande imprensa para entender a importância da divulgação científica para a cidadania e para a nação’.
Confira em SciDev.Net (http://www.scidev.net), guia de divulgação científica que publica análises e orientações práticas neste campo.
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Coordenadora da América Latina de SciDev.Net e coordenadora de divulgação científica do Museu da Vida/Fiocruz