Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A imprensa segundo Lula

Não há dúvida: Lula é o maior político em atividade no Brasil. Sua trajetória até a conquista da Presidência da República, depois de três tentativas sucessivas mal sucedidas, é única e invejável. Com todos os erros que cometeu e os seus atos obscuros, que só agora estão sendo mais bem examinados, é um dos mais marcantes presidentes da República. Ainda relativamente jovem, e apesar do câncer que o acometeu, podia aspirar a uma volta à política militante. Mas não ao posto de divindade, de mito intocável, de pai da pátria. É o que está pretendendo ser.

O ex-presidente, um dos que por mais tempo esteve no topo do poder institucionalizado no Brasil, vive um momento delicado. Seu passado está sendo revisado. A cada novo reexame, sua posição fica mais duvidosa. Está sujeito a críticas como nunca antes, para usar um dos seus superlativos imoderados. É natural que saia da toca para se defender e até atacar. Não mais como um ator acima do alcance dos críticos.

Carismático como poucos, sagaz como raros, inteligente acima da média superior, ele esconde, quanto pode, o que lhe vai pelo mais íntimo. Na avalanche dos seus discursos inflamados, contudo, não consegue camuflar o que se esconde por detrás da sua retórica de democrata e líder ponderado: a resistência à crítica. Mais do que isso: a intolerância.

No discurso durante o ato comemorativo ao 1º de maio, organizado pela CUT em São Paulo, ele sentenciou, como deus ex-machina, o alterego nacional, que as revistas semanais brasileiras “são um lixo. Não valem nada. Peguem todos os jornalistas da Veja e da Época e enfiem um dentro do outro que não dá 10% da minha honestidade”.

Imodéstia à parte, o ex-presidente esquece dos tempos em que era apenas o maior líder operário do Brasil e tinha a cobertura da grande imprensa. Dizia-se então que essa grande e favorável atenção midiática tinha um mentor: o poderoso general Golbery do Couto e Silva, o ideólogo da “abertura lenta, gradual e segura” do presidente-general Ernesto Geisel.

Golbery, que conversava muito com jornalistas influentes na época (e alguns, ainda hoje), precisava de um nome poderoso na oposição, com perfil para se acomodar no seu modelo de democracia relativa – democracia, sim, ma non troppo; radicalismo, é claro, mas sem comunistas, subversivos em particular e intelectuais me geral; sem ideologia, de preferência. Combativo, mas na bitola das lutas trabalhistas. No máximo, de causas sociais.

Fatos e mentiras

O jornalista que mais se aproximou de Lula e sobre ele pôde escrever com liberdade seus textos antológicos, foi o grande Ricardo Kotscho, que o acompanharia até o Palácio do Planalto e de lá desceria em tempo de não testemunhar a ascensão do submundo do petismo, livre da lama que se espalharia ao redor.

A grande imprensa, que agora Lula vê como lixo, é a mesma de antes. Com a diferença, essencial para o uso dos adjetivos, de que já não o serve – nem ele a ela, como o próprio ex-presidente bem observou, sem, no entanto, e como de regra, dar a consequência lógica às suas premissas ao declarar, com ênfase bismarckiana: “Não tem um representante da elite brasileira que não tenha recebido favor do Estado”. Para completar com seu testemunho: “Conheci muitos meios de comunicação falidos e ajudei porque acho que tem que ajudar”.

Alguém, na plateia, devia ter aproveitado o mote e gritado para o alto do palanque, onde se acotovelava a nomenklatura lulista: “Dê os nomes, presidente. Conte os casos”.

A autocomplacência de Lula só não é menor do que sua presunção de grandeza. O ex-presidente não conhece os jornalistas de Veja e Época a ponto de poder quantificar honestidades em sua análise comparativa. Nem no avanço que ambos fazem sobre a verdade, torpedeando sua integridade, quando não a destroem por completo.

Quando líder operário na transição para o universo da alta política (no sentido físico mesmo), Lula conhecia bastante os repórteres. Na Presidência, passou a conhecer mais intimamente os patrões desses jornalistas. Inclusive os falidos, que ele, pelo uso de verba pública, ajudou a levantar. Para quê? Com qual resposta? Submeteu-a ao conhecimento da sociedade?

De fato, a elite brasileira é presunçosa, preconceituosa, arrogante, predatória e etc. Lula tentou comprá-la e torná-la um aliado político. Não conseguiu, a despeito de tantos favores oferecidos, dentre os quais o de dar-lhe mais dinheiro do que à legião de deserdados alcançados pelas medidas populistas de inclusão social, cujo principal efeito foi o de proporcionar-lhes a ilusão de se terem tornado classe média. Um autêntico sonho de verão, pelo qual pagarão caro, incomparavelmente mais caro do que a fileira de bilionários formada durante os governos do PT como em nenhum momento anterior da República brasileira.

Lula está sendo ofendido, destratado, caluniado e maltratado pelo lixo jornalístico? Não lhe faltam motivos para se julgar dessa forma. Ele prometeu no comício que vai reagir, por ser “bom de briga”. Como reagirá? Vai começar “a percorrer o país outra vez”. Faz bem. Faria melhor, no entanto, se respondesse às acusações, justapondo mentiras a fatos, desmentindo cada item desse rol de ataques. Talvez assim contribuísse para limpar esse lixo e no seu lugar ajudasse a colocar uma imprensa melhor. Justamente por isso, mais crítica – inclusive aos deuses terrenos e aos tigres de papel.

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Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)