Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Democracia ou dedocracia?

Temos acompanhado nos últimos meses uma série de manifestações políticas no Brasil. De um lado, o governo tentando mostrar em animadas passeatas a sua popularidade; do outro, a direita tentando ainda conquistar o poder em movimentos que, a cada dia, claramente estão mais esvaziados. No meio disso, palavras de ordem como impeachment, intervenção, corrupção e uma mídia partidária que tenta transformar a democracia como quem aponta o dedo e tenta persuadir o cidadão – o que chamo de dedocracia.

Neste último ponto, e talvez o mais amedrontador de todos, é ver, sobretudo através das redes sociais, como o discurso vem ganhando força. Hoje, podemos ver a todos os instantes, postagens mostrando o quanto a Rede Globo vem tentando, assim como fez no último debate à presidência da República em 1989, manipular sua audiência em prol de um grupo político e desmerecimento de outro e contradizendo o que podemos chamar de os dois lados da notícia ou imparcialidade – regra básica do jornalismo.

No entanto, o discurso do medo de que ouvimos falar tanto nas últimas eleições presidenciais parece perdurar. E de uma forma que pode ser ainda mais arrasadora para uma nação do tamanho do Brasil, que já conquistou muito, mas que ainda tem muito a conquistar. É o discurso de um golpe movido pela Rede Globo e que já tem levado muita gente a pedir a cassação da concessão da emissora.

Mas, será que, caso ocorra esta cassação que tem ganhado cada vez mais adeptos e protestos em forma de caminhadas, gritos de guerra, simulação de enterro, enfim, a ditadura não será de fato instaurada? Afinal, um governo que proíbe um veículo de comunicação de cumprir o seu papel, pelo simples fato de não ter o apoio dele, está sendo democrático? E, o pior, caso ocorra a cassação, será que o golpe, como dizem, não poderá ganhar uma dimensão ainda maior?

Dificultar aprovação de projetos de lei

Segundo os últimos dados sobre audiência, programas da Rede Record têm chegado, em alguns horários, à liderança. Por outro lado, dados do Tribunal Superior Eleitoral mostraram que, entre 2010 e 2014, o número de políticos evangélicos cresceu 45% no território nacional. Como em casa de ferreiro o espeto não pode ser de pau, será mesmo que o tão falado jornalismo de credibilidade desta outra emissora, caso assuma a liderança na audiência, não será comprometido em prol de interesses políticos?

Em 2008, o noticiário da Globo exibiu um vídeo, que ainda pode ser visto no YouTube, em que Edir Macedo, fundador da Igreja Universal e que detém a Rede Record, aparece ensinando seus pastores, de forma bem à vontade, durante um jogo de futebol, a “manipular” seus fiéis de forma a conseguir mais doações. Essa “lavagem cerebral” feita em nome de Deus tem levado muitos dos seus seguidores a praticarem intolerância religiosa e atos de vandalismo envolvendo ícones de outras religiões. Será que essas mesmas ferramentas não serão usadas para impor uma dedocracia nas questões políticas de nosso país?

Em março deste ano, o deputado Cleber Verde (PRB-MA), também da bancada evangélica, foi nomeado gestor do sistema de comunicação da Câmara, cargo antes ocupado por profissionais de carreira mais aptos a garantir um equilíbrio na propagação de notícias de diferentes forças políticas. Segundo o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), a proposta é dificultar a aprovação de projetos de lei que desinteressem os evangélicos, já que Verde teria um papel definidor em como os veículos de comunicação da Câmara divulgariam e cobririam jornalisticamente os debates. O mesmo não poderia ser feito com a Record?

Do fútil ao inútil

Uma das conquistas de milhares de brasileiros e que é a todo instante ameaçada pelos “políticos de Deus” é a referente à criminalização da homofobia, já que os membros dessas igrejas condenam a união entre pessoas do mesmo sexo e tratam a homossexualidade como doença. Neste caso, a bancada evangélica já conseguiu o engavetamento do projeto no Senado e alguns até apostaram na condenação da criminalização do uso do iPhone, após Tim Cook, presidente da Apple, assumir-se gay.

Com bilhões de reais em débito, sendo alvo de filmes como o mexicano La Dictadura Perfecta (A ditadura perfeita) e Beyond Citizen Kane (Muito além do cidadão Kane), exibido no Reino Unido em 1993, e com indícios de envolvimento em desvio de dinheiro para paraísos fiscais, a Globo parece dar a última cartada. Já a Record parece pagar para ver um futuro mais promissor. O certo é que, se for mesmo do fútil ao inútil que ambas lideram na audiência, cabe ao cidadão não permitir que a democracia seja perdida em nenhum desses lados da moeda.

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Flamarion Reis é publicitário