Nos anos 1960, o psicanalista Paul Ekman desenvolveu um trabalho revolucionário. Ele catalogou expressões faciais humanas, conectando-as a emoções como alegria, tristeza, raiva etc. O resultado foi publicado em 1978 e tornou-se um verdadeiro atlas das emoções humanas e das expressões faciais que fazemos de acordo com elas.
Ekman certamente não imaginava os desdobramentos que seu trabalho poderia ter no mundo de hoje, no qual a tecnologia de reconhecimento facial avançou radicalmente. Com a presença de câmeras e imagens em todas as partes (alô selfies), computadores já são capazes de analisar em tempo real as expressões faciais humanas e saber se estamos tristes, felizes, frustrados e assim por diante. E, a partir dessa análise, tratar de forma diferente cada pessoa.
Esse é o nascimento das chamadas “tecnologias afetivas”. Computadores que compreendem e respondem às emoções humanas melhor do que nós humanos o fazemos.
Um belo exemplo disso é a Affectiva, localizada perto de Boston. A empresa levou o trabalho de Ekman às últimas consequências. Desenvolveu um software capaz de reconhecer mais de 1 bilhão de movimentos faciais e ligá-los a estados emocionais, tudo em tempo real. A tecnologia é capaz de distinguir com precisão, por exemplo, um sorriso meramente social de um sorriso espontâneo e verdadeiro, algo que nem sempre conseguimos fazer.
O objetivo inicial era medicinal. Buscar melhorar a vida de pacientes com autismo, que em geral têm dificuldades de decodificar emoções humanas. Mas logo a empresa mudou o foco para marketing. A Affectiva oferece hoje serviços para redes de TV, agências de publicidade e para políticos. A rede CBS usa a tecnologia para analisar a resposta emocional do público com relação a cada momento dos seus seriados. Em 2012, o software foi usado para medir a reação de um grupo eleitores aos debates entre os candidatos Obama e Romney nos EUA, sendo capaz de prever o voto de cada um com mais de 70% de precisão.
A empresa está também incorporando a tecnologia a aplicativos de videoconferência, analisando as expressões faciais que fazemos ao falar com alguém por vídeo pelo computador ou pelo celular e passando “dicas” de como reagir às emoções da pessoa do outro lado. Com isso, o software vai ficando preciso.
O resultado é que entramos no território do monitoramento emocional, que será cada vez mais corriqueiro. A próxima evolução do marketing é exibir publicidade de acordo com nossos estados emocionais. Um anunciante poderá optar por exibir a propaganda apenas para pessoas que estão felizes, por exemplo. Ou o controle de imigração de um país poderá selecionar para inspeção automática pessoas que apresentam determinados padrões em seus movimentos faciais. Quais os limites éticos dessa tecnologia? Ao ler este texto, você ficou entusiasmado ou preocupado? Muito em breve será possível saber isso imediatamente.
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Ronaldo Lemos é advogado e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro