Recentemente, nos EUA, foram divulgados dois documentos relacionados à Ciência. Um intitulado ‘Ciência para todos os americanos’, publicado pela Associação Americana para o Avanço da Ciência, e o outro divulgado pelo Conselho Nacional de Pesquisa, com o título de ‘Os padrões nacionais da educação científica’.
Em ambos os documentos há sérias críticas ao sistema educacional norte-americano relacionado ao ensino da ciência nas escolas e Universidades.
Acredito que o sistema educacional brasileiro deva também começar a se preocupar com este assunto. A conduta de nossos cientistas pode ajudar em muito uma divulgação mais realista do que é a ciência.
Para o público em geral a ciência é imutável, completamente racional, objetiva, metodológica e livre das influências políticas e sociais.
Esta visão deturpada, ou pelo menos desfocada, pode desencorajar inúmeros jovens talentosos e criativos a se dedicarem à ciência. Isto é provavelmente uma decorrência do modo em que a ciência geralmente é ensinada em nossas escolas.
A ciência deve ser vista com mais compreensão pela sociedade. A própria lei da natureza da ciência diz que ela é relativa, por vezes imprecisa, e que deve ser aprendida com mais autenticidade e tolerância.
Quantos perguntam: se a ciência é a verdade, por que os cientistas mudam de opinião? Será que não sabem o que estão fazendo?
A realidade é que, com seu sexto sentido aguçado, o cientista pode até sentir a verdade por perto, ao seu redor. Por vezes quase tocá-la e acariciá-la. Mas não sabe onde a verdade está!
Dinâmica natural
O cientista pode até dizer que conhece algumas coisas, mas não pode fazer acreditar que elas serão imutáveis no futuro.
Poucos dias atrás Francis Crick faleceu. Crick, um dos gênios do século 20, foi um dos formuladores do dogma da biologia molecular: a síntese de proteína em uma célula depende do DNA e RNA.
No mesmo dia de sua morte, estava sendo divulgado que um pedaço de uma proteína príon normal, sintetizado no laboratório, se inoculado no cérebro de um camundongo, induzia a formação de proteínas com estruturas de verdadeiros príons infecciosos.
Ou seja, um fragmento de uma proteína gerando proteínas sem a participação de DNA e RNA. Este é um exemplo da relatividade da ciência.
Ciência não é somente evidência e método, também é intuição e criatividade. As idéias científicas em um ambiente competitivo não são verdades absolutas.
Os cientistas como profissionais da contestação e da indagação, devem sempre duvidar até de suas próprias idéias.
Suas conclusões nunca são eternas. Elas mudam e abrem questões como parte da dinâmica natural da evolução da ciência.
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Pesquisador e ex-presidente da Fundação Oswaldo Cruz, membro da Academia Brasileira de Ciências