Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A imprensa e a economia bipolar

Depois da passagem da cavalaria ligeira, que foi como saudou a revista Veja o anúncio da intervenção do governo Bush no epicentro americano da crise financeira global, o desânimo e o pessimismo voltam a dominar o noticiário. Os outros países ricos se recusam a acompanhar a política dos Estados Unidos e os emergentes fingem que o problema não é deles.


A frase do presidente Lula, quando lhe perguntaram sobre a crise, repercute na imprensa internacional: ‘Crise? Perguntem ao Bush’, disse o presidente brasileiro. E a imprensa lhe cobra ao menos a gratidão pela ajuda financeira que o Brasil recebeu há dez anos dos Estados Unidos.


Mas a julgar pelo noticiário de terça-feira (23/9), não parece que solidariedade seja um valor apreciado na economia globalizada. O anúncio do governo americano de que vai socorrer as instituições financeiras sob maior risco para evitar o agravamento da crise não encontrou apoio nem nos seus principais parceiros de negócios. Governantes da Europa e da Ásia consideram que medidas como as adotadas pelo governo Bush não são necessárias. E analistas avaliam que são insuficientes para evitar a recessão nos Estados Unidos.


Memória curta


As medidas anunciadas na sexta-feira (19/9), que transformaram o pânico da semana em um curto período de euforia nos mercados, agora enfrentam as críticas da oposição democrata no Congresso americano. O que era alívio volta a se transformar em apreensão.


O noticiário vai se desenrolando diante dos olhos dos leitores como uma novela sem fim. E o leitor atento se pergunta: será que a imprensa não tem outros recursos que não sejam reproduzir declarações, depois desmentir declarações, embarcar na euforia ou na depressão do mercado, sem questionar quem diz o que, quem anuncia o apocalipse ou a redenção final?


Salvo um ou outro articulista, o noticiário ainda não esclarece, de uma vez por todas, que os bancos que agora vão à bancarrota são os mesmos que ditaram as regras de políticas econômicas por aqui durante muito tempo. E muitos dos analistas que hoje denunciam a irresponsabilidade na concessão de créditos são os mesmos que celebravam a farra financeira há poucos meses.


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A popularidade de Lula


Por aqui, o presidente da República comemora mais uma pesquisa na qual se revela sua popularidade ainda em ascensão. O governo de Lula alcançou 68,8% de avaliação positiva, segundo o levantamento CNT/Sensus, e a avaliação pessoal do presidente subiu para 77,7% de aprovação.


Os números, segundo os autores da pesquisa citados pelos jornais, revelam que a população brasileira, de modo geral, está satisfeita com o desempenho da economia e percebendo o efeito das políticas sociais.


Os jornais parecem aceitar como rotina os resultados de pesquisas que mostram a escalada da popularidade do presidente. Nenhum dos grandes diários deu muito destaque à mais recente avaliação, e apenas a Folha de S.Paulo deu atenção ao fato de que Lula aparece como a maior influência sobre os votos nas eleições municipais de outubro. Segundo a pesquisa, mais de 44% dos entrevistados admitiram que votariam no candidato apoiado por Lula.


Zonas proibidas


A imprensa deveria dar mais atenção a esse fenômeno. Em primeiro lugar, porque a aprovação popular não significa que o governo acerte sempre, ou que os acertos que garantem a popularidade sejam uma estratégia válida para o longo prazo. Por outro lado, o descolamento entre a figura do presidente e o seu governo começa a aparecer em números consideráveis, o que indica uma tendência à personalização do chefe do Estado, acima de seus ministros e separado do seu partido.


Ao mesmo tempo, o resto do noticiário revela a persistência de problema sociais graves, que a celebrada política econômica não consegue amenizar, como a violência nas zonas dominadas pelo crime organizado.


A popularidade do presidente, claramente baseada na maior capacidade de consumo constatada pelos mais pobres e pela estabilidade que proporciona tranqüilidade aos mais ricos, não é garantia de que tudo vai bem.


Onde as coisas vão muito mal, nem a polícia consegue entrar. Muito menos os pesquisadores e suas planilhas.