O jornalismo americano resolveu ser cauteloso diante da crise financeira que atingiu os EUA – e o mundo – nas últimas semanas. Enquanto os fatos revelavam a fragilidade e a vulnerabilidade do mercado diante da perda de confiança, veículos de comunicação mediam palavras com um cuidado que não é visto com freqüência na indústria jornalística. O motivo? Evitar que rumores, especulações e termos fortes ajudassem a espalhar ainda mais o medo e piorassem ainda mais a crise.
Tendo como pano de fundo a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, a venda do Merril Lynch ao Bank of America e a ajuda de US$ 85 bilhões do Fed à seguradora AIG, os noticiários passaram a usar termos amenos: o mercado não ‘quebrou’, mas estava ‘revolto’; as companhias ‘cambaleavam’ e ‘lutavam’, em vez de seguirem direto para a falência. Segundo Ali Velshi, correspondente de economia da CNN, as emissoras passaram a tomar cuidado com palavras mais duras e diretas. ‘Se alguém quiser dizer que os mercados estão em `queda livre´, teremos que discutir primeiro’, afirma.
Marcus W. Brauchli, novo editor-executivo do Washington Post, concorda com a cautela, lembrando que a cobertura de Wall Street é diferente da cobertura de qualquer outra indústria. ‘Quando instituições financeiras estão sofrendo com uma crise de confiança sobre elas próprias, jornalistas são um pouco mais prudentes’.
Nada de pânico
O trabalho, neste sentido, é difícil. Apenas este ano, a mídia foi acusada de contribuir com o colapso dos bancos Bear Stearns e IndyMac. Agora, a crise financeira de proporções globais pede cautela. Jornalistas acreditam que há uma linha tênue entre explicar ao público a extensão da crise e causar pânico. ‘Pânico’ é, por sinal, um dos termos evitados pela imprensa. Segundo Robert H. Christie, porta-voz do Wall Street Journal, também entram na lista palavras como pandemônio e apocalipse.
O desafio para quem cobre o mercado financeiro é, portanto, conseguir não causar pânico ao mesmo tempo em que não minimiza o perigo da crise. O Journal estampou em sua primeira página manchete em que afirma que trata-se da pior crise financeira desde a Grande Depressão da década de 30. Depois que isto fica claro, a precaução começa quando surge a inevitável especulação sobre o que acontecerá, quem mais quebrará, etc.
‘Não vou dizer que não estamos fazendo estas matérias, mas as estamos fazendo com muito cuidado’, diz Andrew Serwer, chefe de redação da revista Fortune, da Time Warner. ‘Como podemos dizer que ‘há pânico lá fora, mas não entre em pânico’? E será que é responsabilidade nossa dizer ‘não entre em pânico’?’, questiona. A Fortune foi uma das únicas publicações a usar os tais termos evitados pelo resto da mídia.
Informar sem especular
Há meses, são levantadas questões sobre o Lehman Brothers – mas mesmo nestas ocasiões os jornalistas evitaram prever o futuro do banco. No início de setembro, um artigo do New York Times descrevia o Lehman como fragilizado e instável, mas não afirmava, explicitamente, que havia a possibilidade de falência. Segundo Lawrence Ingrassia, editor de economia do Times, é preciso admitir que a confusão no mercado financeiro é uma ‘grande confusão’, e é necessário que a mídia diga isso ao público. ‘Mas não vamos dizer, ‘aqui estão três ou cinco instituições que podem vir a falir na próxima semana’’, ressalta. Para ele, uma coisa é afirmar que uma companhia de bens de consumo está tendo problemas para quitar suas dívidas, e outra é falar o mesmo sobre uma instituição financeira. Informações de Richard Pérez-Peña [The New York Times, 22/9/08].