Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Fotografias controvertidas

A fotografia no fotojornalismo, como na publicidade, não é unívoca. Ao contrário, ela pode ser fonte de diversas interpretações, dependendo do olho e do julgamento de quem vê e, por isso, pode gerar polêmicas e suscitar problemas jurídicos e éticos. Sobretudo quando se trata de fotojornalismo.

É o que mostra o livro Controverses, une histoire juridique et éthique de la photographie. A obra é o resumo da exposição do mesmo nome, que reuniu oitenta imagens polêmicas e ficou em exibição em Lausanne no primeiro semestre deste ano. O trabalho é fruto de muitos meses de pesquisa de um historiador da arte e de um advogado, Daniel Girardin e Christian Pirker, que resolveram contar a história de uma série de fotos polêmicas no fotojornalismo e na publicidade.

Entre as dezenas de histórias surpreendentes que o livro conta, envolvendo fotojornalistas, criticados muitas vezes pelo voyeurismo ou pela passividade, uma das mais impressionantes é a do fotógrafo Kevin Carter, que não resistiu à pressão que se seguiu à publicação de sua foto e acabou se suicidando. O que fez Carter se suicidar? Em 1993, esse repórter sul-africano de 33 anos vai ao Sudão fotografar a epidemia de fome e faz a foto de uma menininha prostrada com a cabeça no solo, espiada de perto por uma ave de rapina. Em seguida, Kevin Carter espantou a ave, espécie de urubu, e desabou num choro desesperado. A imagem foi publicada no dia 26 de março de 1993, no New York Times. O jornal recebeu uma torrente de cartas inquirindo sobre o destino da menininha. O editorial responde que o fotógrafo não sabia informar. Carter começa a receber telefonemas durante a noite dizendo que o abutre é ele.

Teoria do complô

Em 1994, Kevin Carter recebe o prêmio Pulitzer por essa imagem. Ele se suicida dois meses depois deixando uma carta: ‘Vivo obcecado pelas lembranças persistentes de massacres, de cadáveres, de ódio, de sofrimento, de crianças famintas ou feridas, de atiradores enlouquecidos.’ O filosofo francês Jean Baudrillard criticou violentamente no jornal Le Monde, em 2003, a foto de imprensa: ‘Há uma forma de assassinato no fotojornalismo. Nunca se poderá pagar a dívida a todas essas pessoas que morrem de fome e dão suas imagens aos fotógrafos de imprensa.’

Até a foto feita por um astronauta de outro astronauta no solo lunar está entre as fotos controvertidas. Quem não conhece a história? A famosa foto divulgada pela Nasa do astronauta Neil Armstrong andando na lua em 20 de julho de 1969, tirada por seu companheiro de viagem Buzz Aldrin com uma Hasselblad seria um fake que colocaria em questão a própria a viagem do homem à lua. A história é tão mirabolante que vale a pena ser contada: o cientista autodidata Ralph René escreveu em um livro de 1992 que a bandeira americana se move ao vento em um espaço onde a atmosfera não existe. Tem mais: o fotógrafo David Percy analisa as anomalias dessas fotografias divulgadas pela Nasa. Segundo ele, existem diversas fontes de iluminação na foto, não há cratera sob o reator do módulo e nem poeira sobre os equipamentos. Além disso, segundo ele, a luz solar é difundida uniformemente em todo o espaço, como na atmosfera terrestre. Esses são alguns dos argumentos que alimentam a teoria do complô, segundo a qual a Nasa teria enganado o mundo inteiro, simulando em estúdio, ou nos desertos americanos, as expedições lunares.

Ação de um milhão de dólares

Há quem jure que Stanley Kubrick realizou essas imagens falsas para obter como empréstimo a sofisticada câmera da Nasa que lhe permitiu filmar cenas noturnas de Barry Lyndon sem luz artificial.

As outras fotos polêmicas – que datam do início da era da fotografia até hoje – são acompanhadas de um texto que esclarece o tipo de conflito jurídico ou ético que elas geraram. Por exemplo, a famosa foto de Oliviero Toscani realizada para a marca de roupas Benetton em que um homem vestido de padre beija uma jovem vestida de freira. Como toda a obra de Toscani, a foto foi concebida para gerar polêmica. E gerou.

Outra famosa foto, a da atriz americana Brooke Shields dentro de uma banheira aos 10 anos, fotografada pelo fotógrafo Garry Gross, também é analisada no livro. Em 1981, a mãe da atriz, que fez o filme de Louis Malle Pretty baby aos 13 anos, resolve proibir a divulgação das imagens de sua filha nua na banheira com ar lânguido. A mãe da garota tentou comprar os direitos da foto de volta e depois entrou com uma ação na justiça contra o fotógrafo reclamando um milhão de dólares. Mas como ela tinha assinado um contrato com Gross dando-lhe os direitos sobre as imagens, a justiça deu ganho da causa a ele. Ela recorre e a corte suprema confirma o julgamento.

Interpretação de pedofilia

Brooke Shields faz um terceiro processo alegando que as imagens trazem prejuízo à sua vida privada. Gross ganha novamente. Em 1992, o artista plástico americano Richard Prince compra de Gross o direito de usar a imagem retrabalhada. Prince vende seu trabalho na Christie´s por 151 mil dólares e Gross entra com um processo contra ele por não ter tido seu nome mencionado.

Como se tivesse sido feita para gerar polêmica, a foto de Garry Gross foi enviada para a exposição ‘Controverses’ ao Musée de l´Elysée (de Lausanne) e ficou retida por alguns dias pela alfândega francesa em razão de sua carga erótica e de uma possível interpretação de pedofilia que pode sugerir.

Foi liberada para a exposição e escapou por pouco de uma apreensão definitiva!

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Jornalista