Existem outras metáforas disponíveis, mas não há como fugir à tentação de comparar a um cemitério de elefantes o movimento que os diretores-editores (que fora do nosso idioma são qualificados como publishers) dos principais jornais do mundo estão fazendo para manter o moral elevado diante da crise que afeta a imprensa escrita.
Para quem acompanhou outros eventos internacionais do setor, desde o início dos anos 1990, a imagem de lentos paquidermes se reunindo numa clareira não pode soar esdrúxula. Uma visita resumida de 15 anos desses encontros nos mostraria, de 1990 a 1993, editores encantados com programas de qualidade e sistemas de controle da qualidade – ferramentas de gestão popularizadas no Japão pelo consultor americano Joseph Juran quase 40 anos antes – e com processos de racionalização chamados de reengenharia.
Nos anos seguintes, as cabeças coroadas da imprensa se deleitaram com as promessas da informática e sonharam com uma tecnologia que chamavam, por todo o mundo, de computer-to-print, a magia que iria permitir mandar diretamente a página diagramada para a impressão, sem necessidade de fotolitos e outros custos intermediários. Ao mesmo, entenderam a internet à sua maneira, segundo os padrões da mídia impressa, e impuseram ao conteúdo online a linguagem linear do papel e a mesma lógica de organização predominante há séculos.
Em geral, as estratégias dominantes no período se voltavam para a busca de grandes tiragens, quase sempre à base dos brindes-anabolizantes ofertados nas edições de domingo. E houve mesmo o milagre da multiplicação de compradores. O que não houve, e isso só foi percebido da pior maneira possível, foi a educação para o hábito de leitura entre os mais jovens e a inclusão da chamada base da pirâmide social no mundo dos leitores de diários.
Crise global
Os publishers estão se preparando para seu próximo encontro, entre o final de maio e começo de junho. George Block, presidente do Fórum Mundial de Editores, tem uma tarefa respeitável a cumprir nas próximas semanas: conduzir até Seul, na Coréia do Sul, o maior número de editores-diretores de jornais de todo o mundo, e mantê-los atentos à seleção das palestras e debates que vão marcar um momento histórico da imprensa.
Pela primeira vez desde que foi criada, há 400 anos, essa instituição que se tornou a acompanhante predileta do processo de construção da democracia e sua consciência crítica, estará diante de uma coleção de desafios que podem colocar em risco sua sobrevivência.
Block tem se esforçado. A pauta que preparou para o encontro é um corajoso esforço para injetar nos participantes uma mistura de ânimo e preocupação sob medida. Ele considera que praticamente em todas as redações do mundo os esforços estão voltados para a necessidade urgente de mudanças que, segundo suas próprias palavras, estão ‘afetando o mercado de jornais, seus formatos, suas plataformas digitais e os anúncios e que podem até definir a vida ou a morte de um jornal’.
Uma das mais radicais iniciativas de George Block para reunir idéias e análises sobre a rápida queda nos índices de leitura e nas margens de participação dos jornais no bolo publicitário mundial é também um sinal dos tempos: o diretor do Fórum Mundial de Editores criou um blog no final de 2004, e convidou jornalistas em posição de comando a descreverem suas iniciativas para reverter a situação.
A adesão não foi o fenômeno que ele esperava, e muitas das contribuições se referem a mercados ainda não atingidos pela crise que afeta o jornalismo impresso globalmente – como a China e a Índia –, mas os registros revelam que finalmente as cabeças coroadas da imprensa se deram conta de que muita coisa precisa mudar.
Preservação de florestas
O balanço do que mais preocupa editores e diretores de redação pelo mundo afora reproduz um cruzamento de dilemas que retratam o estado de espírito dominante: o monopólio dos jornalistas sobre a publicação de notícias está no fim? Se isso é verdade, é bom ou ruim para a sociedade? A mudança de formato vai alterar o tipo de jornalismo que um jornal publica? Nesta era digital, qualquer pessoa pode se declarar – ou ser de fato – jornalista? Essas câmaras digitais minúsculas, às vezes instaladas em telefones celulares, vão mudar para sempre o jornalismo visual? Quem vai conseguir atrair para jornais de papel os leitores jovens educados diante do computador e como isso pode ser conseguido?
Paralelamente, correm análises segundo as quais a sobrevivência da imprensa escrita – pelo menos da chamada grande imprensa – dependerá em grande parte de uma atitude humilde e corajosa diante do mercado, que consistiria em definir claramente um público menos abrangente, mas dono de influência efetiva, e apostar em conteúdos mais consistentes.
Nessa estratégia se inclui a crescente preocupação dos grandes jornais com o chamado público profissional – executivos, profissionais liberais, acadêmicos e empresários. O problema é que todo mundo parece ter pensado a mesma coisa ao mesmo tempo. E não há para todos.
Enquanto isso, o Banco Mundial observa que os empreendimentos em geral (e os jornais, por definição, deveriam estar nessa vanguarda) precisam buscar modelos mais sustentáveis de negócios. Por um lado, é preciso criar formas de inclusão para quase um terço dos 6,4 bilhões de habitantes do planeta, e a informação é a base desse processo – ou seja, a informação precisa ser democratizada. Por outro lado, mais de 180 países já assinaram a Convenção sobre a Diversidade Biológica – que tem entre suas recomendações a contenção das florestas homogêneas, como aquelas de onde sai a polpa que vira papel-jornal.
Impossível não pensar num cemitério de elefantes.
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Jornalista