O programa de TV mais comentado do momento na Turquia não está nem ao menos no ar. A popular série Kurtlar Vadisi (Vale dos Lobos), sobre o submundo do crime, deveria fazer um retorno triunfal à telinha no início de fevereiro, após um ano de intervalo desde sua primeira temporada. Apenas um episódio, entretanto, foi exibido na emissora privada Show TV.
Kurtlar Vadisi é acusada de glorificar a violência e o extremismo nacionalista. O programa conta a história de um agente da inteligência que se infiltra na máfia, mas começa a operar na zona obscura entre o Estado e o crime organizado. A nova temporada deveria tratar do problema do terrorismo curdo, mas muitos críticos alertaram que o controverso tema poderia aumentar as tensões sectárias na Turquia.
Censura vs. Nacionalismo
O cancelamento da série, por sua vez, levantou um debate no país. Discute-se a validade do cerceamento da liberdade de expressão em nome da prevenção da violência. Seria censura ou precaução legítima? Além disso, o programa seria um produto do nacionalismo ao extremo ou contribuiria para seu crescimento?
‘É um dilema para as pessoas que apóiam a liberdade de expressão. Elas ficaram ultrajadas com o programa, mas não podiam dizer uma palavra sobre isso’, afirma Yusuf Kanli, colunista do jornal em língua inglesa Turkish Daily News. Nos últimos anos, intelectuais turcos vêm acusando o governo de sufocar a liberdade de expressão ao processar diversos escritores e jornalistas do país com base no artigo 301 do código penal, que determina ser crime ‘insultar a identidade turca’, mesmo que em uma obra de ficção.
Desta vez, entretanto, alguns destes intelectuais ‘mudaram de lado’, pedindo que o governo usasse seu poder para cancelar Kurtlar Vadisi. A ironia foi notada pelos defensores do programa. ‘Esses jornalistas e escritores que tanto falavam da incompatibilidade do artigo 301 para a entrada da Turquia na União Européia agora se tornam os defensores da censura’, escreveu Yilmaz Ozdil, ex-executivo de TV que hoje escreve uma coluna no jornal Sabah.
Analistas afirmam que eventos recentes, como o assassinato do jornalista armênio Hrant Dink por um extremista de 17 anos, ajudam a justificar o cancelamento da série – que poderia contribuir para que o país siga por uma direção perigosa de ódio nacionalista. ‘Cancelar o programa foi obviamente censura, mas se a indústria decide produzir um lixo perigoso, a sociedade tem o direito de ter algum controle sobre isso’, defende o professor de comunicação Irfan Erdogan, da Universidade Gazi, em Ancara. ‘Se a indústria não tem responsabilidade social, a sociedade tem o direito de interferir’. Informações de Yigal Schleifer [The Christian Science Monitor, 2/3/07].