No dia 19 de abril passado, eu buscava em Paris alguém que já deveria ter chegado e não chegou. Era assunto de trabalho, relativo à inauguração da Biblioteca Mundial Digital na Unesco. Um telefonema ao Rio me deixou sabendo que a pessoa estivera a bordo do vôo Air France AF 447, que não conseguira decolar no dia 18.
Quase ao mesmo tempo, um noticiário de Lisboa reportava um problema técnico sério logo no início desse vôo. O fato é que, no momento em que o avião deixava a pista, uma pane qualquer levou o piloto a frear, provocando a queda das máscaras de oxigênio, aparelhos de TV e o que mais se encontrasse solto. Foi enorme o pavor a bordo diante da quase-catástrofe.
Estranhamente, exceto pelos relatos verbais dos passageiros a parentes e conhecidos, não se soube aqui do ocorrido, na ocasião. Só agora o fato foi relatado pelo Globo em meio à cobertura geral da catástrofe do Airbus da Air France. Vale perguntar: por que a notícia foi dada em Portugal e não no Brasil?
Irresponsabilidade e arrogância
Tudo isso faz lembrar que existia antigamente uma coluna sobre aviação na imprensa carioca. No velho Correio da Manhã, o titular da coluna era um ex-piloto (pelo menos, assim ele se apresentava), sempre bem vestido, coroado por um chapeuzinho de feltro. Parecia saber tudo de aviões e do que costumava ocorrer nos aeroportos. Mas com o tempo desapareceu das editorias a idéia de um setor específico sobre aviação, assunto que comparece apenas no caso de caos do trânsito aéreo ou de desastres.
É o caso, porém, de nos perguntarmos se não seria oportuno o retorno de uma coluna sobre aviação e aeroportos – ou algo semelhante –, considerando-se o enorme aumento do tráfego, assim como dos problemas decorrentes. Poderia ser um bom pretexto para que a nossa mídia desse alguma prova de que não se interessa apenas por serviços colocados sob a rubrica de ‘entretenimento’ ou frivolidades.
Importantes setores de serviços, a exemplo da navegação aérea, ficam à margem da informação cotidiana. Por cima dessa lacuna, crescem a irresponsabilidade e a arrogância das empresas aéreas, desde questões comezinhas, como o extravio de bagagens e o overbooking, até o devido tratamento condigno à clientela em caso de defeitos técnicos e atrasos.
Consumo e cidadania
Um exemplo desse descaso é precisamente o citado episódio do quase-desastre com o vôo AF 447 em 18 de abril. Os passageiros retornaram a suas casas naquele dia. Chamados de volta no dia seguinte, e depois de cumpridos todos os longos trâmites de alfândega, descobriram que o Airbus não tinha condições de voar. Uma vez mais, abandonaram o aeroporto rumo a um hotel patrocinado pela companhia aérea, onde deveriam aguardar a nova chamada para embarque. Qualquer pedido de explicações por parte da clientela era inútil. Finalmente, no dia 20, após horas de espera no aeroporto, conseguiu-se embarcar e voar a Paris. Em nenhum momento, antes, durante ou depois do vôo, foram os passageiros contemplados com a dignidade de uma informação sobre o ocorrido.
Dias depois, a empresa aérea ofereceu por e-mail aos passageiros, a título de ‘compensação’ por eventuais prejuízos, um bônus de 15 mil milhas. É bônus podre, já que com ele não se vai a lugar algum. Basta dizer que a quantidade necessária para uma viagem de ida e volta à França é estipulada em 80 mil milhas. Para um europeu que compre o bilhete em Paris, são necessárias apenas 50 mil milhas…
Talvez sejam coisas pequenas, alguém poderá dizer. Mas são coisas capazes de mobilizar a consciência de quem acha que consumo e cidadania podem hoje estar muito mais ligados do que no passado. E assim, sem sombra de dúvida, o cotidiano do setor aéreo está merecendo atenção maior por parte do nosso jornalismo de cidade.
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Jornalista, escritor e professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro