Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A Folha noticiou, no domingo passado, que alguns deputados federais admitiram ter usado parte da verba indenizatória a que têm direito para a compra de reportagens favoráveis em órgãos de imprensa regionais. O jornal citou dois casos, o do líder da bancada do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), e o de Osvaldo Reis (PMDB-TO).

Assessores do deputado Osvaldo Reis informaram ao jornal que parte da verba é utilizada para pagar notas na imprensa da região onde ele atua, no Tocantins e no sul do Maranhão. Está na Folha e não havia sido desmentido até sexta-feira: ‘De acordo com eles [os assessores], se não houver pagamento, não sai nenhuma notícia sobre o deputado na imprensa local. Uma vez remunerados, rádios e jornais (…) reproduziriam na íntegra as informações prestadas pelo gabinete do deputado’.

O caso mais grave é o do deputado Henrique Eduardo Alves, por combinar a atividade de parlamentar com a de diretor-presidente de um diário, a ‘Tribuna do Norte’, de Natal, filiado à Associação Nacional de Jornais (ANJ). Na conversa que teve com a Folha, ele admitiu que paga (com dinheiro público) para o seu jornal publicar notícias sobre suas atividades políticas. ‘Não é um contrato formal. Eu pago e eles dão recibo’, explicou.

Assim, a ‘Tribuna do Norte’ noticiou com destaque sua reeleição para a Câmara, a eleição para a liderança do PMDB, a sessão inaugural da Câmara que presidiu por ser o deputado mais antigo e publicou entrevista sobre o apoio do PMDB ao governo Lula.

É um episódio que envergonha a política e envergonha o jornalismo. A prática admitida é grave tanto sob o ponto de vista da ética jornalística como do ponto de vista da ética política -embora seja fato que pouca atenção se conceda a tais detalhes.

O artigo 9º do Código de Ética das empresas jornalísticas obriga os jornais a ‘diferenciar, de forma identificável pelos leitores, material editorial e material publicitário’. O artigo 3º determina que devem ‘apurar e publicar a verdade dos fatos de interesse público, não admitindo que sobre eles prevaleçam quaisquer interesses’.

Não é a primeira vez que a imprensa é flagrada vendendo publicidade como se fosse notícia. A prática é infame porque ludibria os leitores (no caso, com verba pública). A conseqüência é que deteriora ainda mais a imagem dos políticos e esgarça a credibilidade da imprensa.

O que impressiona agora é a falta de ação dos que deveriam repudiar a prática. Na Câmara, o presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP) avisou que vai ‘estudar’ o caso e sugeriu um debate. E a ANJ, sempre tão célere em manifestações públicas, só pretende se posicionar depois da reunião da diretoria marcada para o próximo dia 14, quase três semanas depois do fato.

A ‘Tribuna do Norte’ passou a semana em silêncio. Até sexta-feira seus leitores ignoravam a reportagem da Folha.’

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‘O futuro, sem exageros’, copyright Folha de S. Paulo, 04/03/07.

‘A Folha cometeu um erro grave na Edição São Paulo de quarta-feira ao noticiar o resultado dos estudos encomendados pelo Ministério do Meio Ambiente sobre os efeitos do aquecimento global no Brasil. O jornal informou que a elevação do nível dos mares ‘poderá deslocar’ até 42 milhões de pessoas no litoral brasileiro até o final do século.

Já não resta nenhuma dúvida em relação à gravidade dos impactos que as mudanças climáticas deverão provocar no planeta nas próximas décadas. A manchete da Folha de 3 de fevereiro informava, com base em relatório divulgado pela ONU, que ‘Cientistas prevêem futuro sombrio para a Terra’. Não é necessário, portanto, que os impactos sejam exagerados.

Um dos estudos sobre o Brasil prevê que 42 milhões de habitantes da costa poderão ser ‘afetados’ de alguma forma caso se concretizem as previsões mais pessimistas. Uma coisa é ser afetado (como o título informava corretamente), outra é ter de ser deslocado (como no texto).

O jornal corrigiu o erro no dia seguinte, na seção Erramos, mas considerei insuficiente por entender que existe um interesse cada vez maior das pessoas nessas previsões e que o alarmismo pode levar ao descrédito um grande esforço de conscientização que parte das universidades e de organizações não-governamentais.

O ideal seria o jornal ter voltado ao assunto com mais informações sobre os diversos cenários, com detalhes sobre os fenômenos que poderão ocorrer e os impactos nas diversas regiões do país.

A imprensa, que durante muito tempo cobriu meio ambiente de forma irregular e como modismo, tem hoje um acompanhamento contínuo feito por jornalistas mais bem preparados. No caso da Folha, Ciência é uma das poucas editorias que tem mais espaço que seus concorrentes e é visível o esforço em cobrir bem os assuntos relativos ao ambiente, como o efeito estufa, as mudanças climáticas que já se manifestam e a ação destruidora em regiões como a Amazônia. A boa cobertura dispensa o alarmismo.’

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‘Não é o fim do mundo’, copyright Folha de S. Paulo, 04/03/07.

‘Paulo Artaxo é professor do Instituto de Física da USP e membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU). Sua avaliação sobre a imprensa:

‘Eu achei a cobertura jornalística sobre o relatório do IPCC extremamente alarmista e sensacionalista em geral. Na questão do aquecimento global não se trata do ‘fim do mundo’ nem de extermínio parcial da humanidade, como algumas revistas e alguns jornais especularam. Nem mesmo as organizações ambientais tiveram uma abordagem alarmista como a imprensa teve.

Na verdade, a humanidade tem uma excelente oportunidade de implantar o chamado desenvolvimento sustentável e respeitar mais o meio ambiente global. A questão trata de uma problemática muito séria, mas que deve ser abordada de modo construtivo, e não alarmista.

No caso brasileiro, por exemplo, precisamos reduzir urgentemente as emissões de queimadas, e isso será positivo para toda a sociedade brasileira. A imprensa também não explorou o quadro bastante favorável que o Brasil possui nesta área (com exceção da questão das queimadas na Amazônia), com uma matriz energética muito limpa e um programa de biocombustíveis que é um exemplo ao mundo.

A imprensa tem sempre a tendência (infantil, eu acho) de procurar quem são os ‘vilões’ das histórias, quando na verdade em geral não há. Não há inocentes nem vilões na questão de aquecimento global. A imprensa deveria ter explorado a falta de preparo do governo brasileiro, onde não há qualquer plano estruturado envolvendo as partes interessadas’.’