A quem interessa um furo jornalístico? Ele é patrimônio do público ou dos jornais e jornalistas? O furo é um direito do cidadão ou um direito do jornalismo e da imprensa?
Questões como essas vieram-me à mente com a polêmica em torno do blog da Petrobras.
Pouco foi discutido sobre aquilo que considero fundamental na polêmica: o direito à comunicação. Deve ser reconhecido numa sociedade mediada pela internet e outras tecnologias da comunicação. Todos têm, portanto, direito a receber e a difundir informação.
Missão impossível no século 20, quando os meios de comunicação de massa ocuparam o espaço de mediação pública. A disseminação de informação estava limitada ao desejo de quem detinha o poder de mídia.
No século 21, finalmente as coisas começam a mudar. E não há mudança que não cause celeuma. As ferramentas novas que a internet nos traz mudam o espaço de mediação pública. A informação sai do controle dos meios de comunicação de massa – de um para muitos – e projeta-se numa nova relação, de muitos para muitos. Cria-se uma rede em que a leitura não é mais linear; cada leitor segue seu caminho e busca suas próprias fontes. É nesse ponto que as transformações ameaçam o jornalismo. Ou pelo menos o jornalismo a que estávamos acostumados.
Tornar público o que é de interesse público
Neste jornalismo ainda hoje praticado havia uma informação privada, pertencente a poucos. Quando um veículo de comunicação tem acesso a essa informação, apropria-se dela e a coloca à venda em seus jornais ou programas de rádio e TV. O furo é, portanto, a informação exclusiva transformada em mercadoria jornalística. A busca pela informação exclusiva é a busca pela melhor mercadoria para ser colocada à venda.
Mas, ao falarmos de notícia, devemos pensá-la como pensamos em um sabonete, um carro, um picolé? Ou a notícia é um bem maior, simbólico, com uma função social muito mais ampla?
Ao ameaçar o furo jornalístico, não estaria a Petrobras subvertendo o valor da notícia enquanto mercadoria, mas dando-lhe ainda mais importância quanto ao seu valor social? O jornalismo deve ser o exercício contínuo da busca da verdade e sua constante veiculação. A finalidade do jornalismo é tornar público o que é de interesse público, mesmo que alguém queira manter a informação no domínio privado. Não é compatível pensarmos hoje que apenas os leitores do jornal ‘A’ ou telespectadores da TV ‘B’ tenham direito à informação de interesse público descoberta por um jornalista. Essa informação deve pertencer ao público em geral, ao conjunto da sociedade.
O bom jornalismo sobreviverá
O furo foi ameaçado, inicialmente, pela internet, quando os veículos de comunicação passaram a replicar as informações de outros (com ou sem crédito, com ou sem checagem). O sentido do furo começou a ruir quando uma reportagem produzida em semanas ou até meses era replicada no concorrente poucos segundos depois de sua publicação original. Sem contar que a informação exclusiva deixou, há muito, de ser descoberta pelo jornalista. Há tempos ela é negociada com as assessorias de imprensa. O furo tornou-se moeda de troca, mais uma forma de transformar a notícia em mercadoria.
Mas o furo perde ainda mais o sentido agora, quando a informação exclusiva deixa de ser propriedade do jornalista. Ele também deve adequar-se a uma nova realidade: a de que todos têm o direito à comunicação. Todos podem informar e ser informados. Ao bom jornalismo, caberá ainda filtrar as informações disponíveis. Mas este filtro não será absoluto.
O público decidirá até onde irá em sua busca por informações. O futuro do jornalismo não está ameaçado, mas não haverá espaço para o jornalismo pautado nas assessorias de imprensa, feito apenas a partir de releases e acordos nada transparentes com as fontes. O bom jornalismo deverá ajudar o leitor na escolha das informações, indicará o que é importante para ser lido, consultado, mas não terá a pretensão de se esgotar em si mesmo. O bom jornalismo sobreviverá e será independente dos grandes meios de comunicação. Esses, sim, da forma como se estruturam, têm seu poder ameaçado.
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Jornalista, professor da Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) e da PUC-Campinas