Em 30 de abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) revogou integralmente a Lei de Imprensa (5.250, de 1967) sob a alegação de que seus artigos afrontavam os princípios previstos na Constituição Federal. A decisão foi um marco não apenas pelo papel assumido pelo Judiciário na regulação das atividades de comunicação, mas principalmente pela defesa fortemente liberal que motivou a sentença, evidenciando afinidades entre os argumentos dos ministros do tribunal e as posições do empresariado de comunicação.
Pouco mais de um mês depois, o tema voltou à pauta em outro endereço da Praça dos Três Poderes, em Brasília, mas com os mesmos atores. Na última semana, o Congresso Nacional promoveu a IV Conferência Legislativa sobre Liberdade de Imprensa. Dessa vez, além dos ministros do STF e de representantes da grande mídia comercial, parlamentares também engrossaram o coro pela liberdade de imprensa. Não por acaso, os debates foram mediados por um dos expoentes da mídia comercial, o apresentador do Jornal da Globo William Waack.
O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), destacou o interesse do legislativo em defender e promover a liberdade expressão. A posição foi reforçada pelo presidente do Supremo Tribunal de Federal (STF), Gilmar Mendes. ‘A atual luta pela liberdade de imprensa é para que se tenha o direito de falar e o governo de ouvir’, defendeu o ministro, que recentemente foi alvo de polêmica por ter mandado retirar do site da TV Câmara entrevista com o jornalista Leandro Fortes em razão críticas feitas às suas posturas.
Outro ministro do Supremo, o relator do processo que resultou na derrubada da Lei de Imprensa, Carlos Ayres Britto, reafirmou a inadequação de mecanismos como os existentes na norma em relação à prática dos jornalistas. ‘Na Constituição a censura é vedada e a liberdade de expressão jornalística já está considerada. Para mim, esta última já é o mesmo que liberdade de imprensa’, avaliou.
Futuro desregulado
Ao mesmo tempo em que defendeu a decisão do Supremo, Ayres Brito questionou como os veículos irão se comportar neste novo cenário desregulado: ‘será que os jornalistas vivem agora a insustentável leveza da imprensa?’. Para Eurípedes Alcântara, diretor de redação da revista Veja, a responsabilidade jornalística não depende da existência de uma regulamentação. ‘Desde que não haja má fé e malícia, pode haver a busca pela informação’, respondeu, negando a existência de ‘insustentável leveza’.
Havendo ou não dificuldades práticas em atuar sem a Lei, para alguns jornalistas a ausência de normas coloca desafios ao setor. ‘Sem a regulação há um espaço para construção de uma nova ordem com a sociedade, que ainda não sabemos como vai ser’, disse a jornalista do jornal O Globo Miriam Leitão. ‘Não sei se é necessário ou não uma nova lei, mas tenho dúvidas de que uma nova lei vá alterar a prática. Penso que falta uma cultura de, na prática, ser a favor da liberdade’, opinou Fernando Rodrigues, do jornal Folha de S.Paulo.
O cenário de desregulamentação, quando aliado à incerteza da concorrência com novas mídias e fontes de informação, foi tratado com receio pelos presentes. Para Miriam Leitão, uma das defensoras da revogação da Lei de Imprensa, este cenário coloca o desafio da imprensa tradicional se posicionar em relação às novas mídias, como a Internet. ‘Em outros países os jornais estão fechando e assim a nova tecnologia nos desafia a ter um novo formato de jornalismo. Como vamos nos organizar sem Lei e com os novos desafios?’, questionou a jornalista.
O deputado federal Miro Teixeira (PDT-RJ), que representou o seu partido na apresentação da ação que levou à supressão da Lei de Imprensa, criticou a permanência de um resquício da ditadura militar que dá às autoridades a sensação de imunidade a críticas. Lembrou que, apesar da Lei de Imprensa contemplar elementos como o direito dos cidadãos de responderem a mídia e se defenderem contra difamação e calúnia, ela protegia de forma exacerbada o presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, ministros do STF e chefes de Estado ou de governo estrangeiro.
Nos casos em que alguma dessas autoridades acusassem os jornalistas de calúnia ou difamação, a justiça não considerava a prova de defesa que os profissionais pudessem apresentar, e tinham então que responder pela acusação. Para Teixeira, o fim de tal privilégio é importante, mas não é suficiente para que haja um controle efetivo sobre as ações do poder público. ‘Só se a fiscalização for plena (incluindo aí a tarefa da imprensa) a sociedade vai acreditar na democracia’, disse o deputado. Ele defendeu, ainda, que ‘o direito de resposta deve ser melhor entendido e utilizado pelos jornalistas, já que é um direito do cidadão’.
Publicidade
O clima de leve apreensão esquentou na segunda mesa, que tratou da regulação da publicidade. Os representantes do empresariado estenderam a noção de liberdade de imprensa às mensagens publicitárias e voltaram a fazer críticas às propostas de limitação a anúncios em tramitação no Congresso Nacional.
‘Há uma tentativa de cerceamento da publicidade. Mas é justamente a livre iniciativa que fomenta o mercado publicitário, e é ele que sustenta os veículos de comunicação’, pontuou Daniel Slaviero, presidente da Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e TV (Abert). Para Judith Brito, presidente da Associação Nacional De Jornais (ANJ), ‘o conflito sobre o grau de intervenção na informação publicitária diz respeito ao direito à informação’.
Ottoni Fernandes Júnior, sub-chefe executivo da Secretaria de Comunicação (SECOM) ponderou que a importância de evitar o excesso de restrições não pode eliminar a necessidade de regulação para coibir abusos. ‘Acho que a sociedade pode sim se auto-regulamentar e não pode se fazer uma patrulha, mas um mínimo de regulação deve existir’, defendeu.
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Do Observatório do Direito à Comunicação