Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Folha de S. Paulo

TV DIGITAL
Tatiana Resende

Interatividade com sistema digital muda propaganda na TV

‘Os consumidores brasileiros mal se acostumaram com o ´e-commerce` e já vão se deparar neste ano com o ´t-commerce´, comércio eletrônico que será viável por meio da TV digital, com as compras ao alcance de um clique no controle remoto.

Já é senso comum que a interatividade na TV aberta vai mudar a forma de fazer propaganda, mas resta saber como as emissoras vão adaptar o modelo de negócio, baseado em audiência, a uma nova realidade, que vai permitir tanta interação com um comercial que pode desviar completamente a atenção do seguinte.

As emissoras captam cerca de 60% dos investimentos em publicidade no país, o que comprova que qualquer mudança nessa mídia faz toda a diferença para os anunciantes.

´A TV paga tem um modelo de negócio mais fácil de adaptar à interatividade´, diz Antonio João Filho, vice-presidente da Associação Brasileira de TV por Assinatura. Em 2006, 84% do faturamento das prestadoras veio da mensalidade dos assinantes, que começaram a se familiarizar com a interação comprando filmes pelo pay-per-view. A TV paga, porém, responde por menos de 4% dos investimentos em publicidade.

O que ainda parece um sonho futurístico vai estar disponível em breve para os consumidores, pelo menos para os mais abastados nas cidades que recebem o sinal digital, disponível agora só na Grande São Paulo e, em todo o país, até 2013. Os primeiros conversores com o software Ginga, aptos à interatividade plena (envio de dados às emissoras), devem chegar às lojas neste semestre, provavelmente com os comerciais interativos.

´As agências e os anunciantes vão querer correr para serem os primeiros, porque isso transmite uma imagem de modernidade´, afirma Dalton Pastore, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade, sem detalhar o que já está em teste. Para ele, o que a tecnologia vai permitir que o telespectador faça é só um lado da moeda. ´E o menos importante. Muito mais importante é o que ele vai querer fazer.´

Pastore ressalta que os consumidores estão acostumados ´a comprar as coisas indo ver, e isso não vai mudar em 2008´. A questão é que não dá para prever o alcance de uma mudança dessa magnitude no meio de comunicação mais popular do país, presente em 93% dos lares, segundo dados do IBGE.

No entanto, como frisa Ricardo Monteiro, presidente do Comitê de Gestão de Negócios de Mídia da Associação Brasileira de Anunciantes, ´a efetividade da lembrança de um comercial de TV tem caído de forma vertiginosa, e a audiência não alcança mais os patamares de poucos anos atrás´. Segundo ele, 65% das pessoas que viam um comercial, em 1999, lembravam da marca. Em 2006, esse número foi de só 19%. ´É interesse de todos procurar novas formas de comunicação.´

Roberto Franco, presidente do Fórum de TV Digital, lembra que o padrão atual de modelo de negócio ´foi construído ao longo de 60 anos de história da televisão´. Logo, só o tempo vai definir o formato adequado à era digital. ´Ninguém vai sair com um modelo pronto, acabado e campeão de mercado.´

Para Ana Lúcia Fugulin, professora da Escola Superior de Propaganda e Marketing, antes da interatividade, o principal atrativo serão as plataformas móveis, com celulares e aparelhos em meios de transporte com a mesma qualidade de recepção dos pontos fixos. Aliás, com tantas formas de assistir à TV, ela pondera que o telespectador vai querer também ampliação do conteúdo exibido. ´O público já está mais exigente e vai ficar ainda mais.´’

 

Emissoras começam a testar formas de atrair consumidor com novos comerciais

‘As emissoras guardam a sete chaves as formas de comerciais interativos em teste, pois a que chegar mais perto do que o consumidor deseja vai conseguir mais ganhos com a interatividade plena na TV digital. Uma das tendências, no entanto, parece ser focar mais na publicidade dentro da programação do que durante o intervalo.

Para Roberto Franco, presidente do Fórum de TV digital e membro do Conselho Executivo do SBT, desta forma estaria ´causando interferência só com o meu próprio produto´, o que seria mais fácil de gerir.

Os detalhes ainda estão em aberto, mas uma idéia em discussão é limitar o tempo de interação com a publicidade no programa ou só bloquear essa ferramenta em momentos em que não for interessante perder a atenção do telespectador.

Franco revela que o SBT já está fazendo experiências para ver a reação dos telespectadores, em ambientes simulados, em parceria com fabricantes de conversores, agências de publicidade e anunciantes. ´Se eu esperar ter mercado para fazer isso, vou aprender com o mercado que estou desperdiçando.´

A opinião é compartilhada por Luis Olivalves, gerente de interatividade da Band. ´Você tem que começar para aprender e, na hora em que esse negócio estiver mais massificado, saber tirar proveito dele.` Ele concorda que ´o formato publicitário vai ser muito mais flexível nos programas do que no break comercial` porque no intervalo ´todo mundo tem que ter sua visibilidade garantida´.

Uma das decisões que precisam ser tomadas é se a propaganda vai mudar o aspecto da tela. Será possível, por exemplo, encolher a imagem do comercial seguinte para seguir interagindo com o primeiro.

‘O cliente que deseja fazer um comercial interativo é o mesmo que pode lhe dar respostas sobre até quanto ele aceitaria ser impactado por uma interatividade anterior de forma a continuar satisfeito.´

A escolha do posicionamento do comercial no intervalo já custa mais caro ao anunciante, e esse preço pode ficar ainda mais salgado quando o fato de aparecer primeiro na TV -para evitar o desvio de atenção com a interatividade do concorrente exibido anteriormente- fizer ainda mais diferença.

O diretor da Central Globo de Comunicação, Luiz Erlanger, diz que um grupo está sendo montado para avaliar a melhor forma de interatividade na emissora, mas adianta que ´certamente não iremos abrir mão da atenção do telespectador em favor da receita´.

Na sua opinião, a lógica é simples: a publicidade vai para a Globo em troca de audiência. ´Se estou correndo o risco de, por ganância, apostar mais na publicidade do que na audiência, estou dando um tiro no pé porque a longo prazo vou perder audiência e anunciantes.´

Para Toninho Rosa, superintendente comercial da RedeTV!, o valor pago pelo espaço publicitário pode até aumentar. Copiando um modelo usado na internet, ele sugere uma remuneração extra às emissoras quando o telespectador interagir com a propaganda. E vai além, prevendo outro adicional se a interação resultar na compra do produto. ´A propaganda vai deixar de ser vista simplesmente como uma construtora de marca´, prevê, já que, com a TV digital, será possível avaliar efetivamente o quanto um comercial alavanca as vendas.’

 

EUA 2008
Folha de S. Paulo

Inspiração e arrecadação pela internet empurram Obama

‘DO ´FINANCIAL TIMES` – Se a campanha de Hillary Clinton é comandada por um grupo estelar de muita transpiração, a de Barack Obama é cheia de inspiração.

A organização da campanha do senador de Illinois está majoritariamente nas mãos de nomes menos conhecidos de fora de Washington e de uma larga rede de idealistas voluntários.

O mesmo vale para seus principais conselheiros. Com o QG em Chicago -a cidade adotiva do candidato-, Obama preenche o clássico perfil da campanha de ´insurgência` contra a máquina de Hillary.

Esse tipo de campanha muitas vezes morre na praia. Howard Dean, o governador antiguerra de Vermont que capturou o voto jovem, viu sua campanha se desintegrar no caucus de Iowa de 2004. Críticos do modelo ressaltam também que os jovens eleitores podem aderir em grande número ao Facebook do candidato, mas têm votação abaixo da média.

Às vezes, porém, ´insurgentes` também vencem. O exemplo óbvio é Jimmy Carter, o antes obscuro governador da Georgia que driblou a sabedoria convencional em 1976 e levou a nomeação democrata.

A chave do sucesso de Obama está na insistência na ´esperança` contra a ´experiência` de Hillary e em sua habilidade para ligar seus oponentes ao voto a favor da Guerra do Iraque.

Uma outra inesperada arma do senador é sua formidável performance de arrecadação. Usando enormes volumes de pequenas doações pela internet, Obama arrecadou mais do que Hillary, o que dá a ele fôlego para o resto da campanha.

A equipe do senador parece provinciana se comparada à da principal oponente democrata. Mas é também ágil. David Axelrod, que é o estrategista sênior, tem curta carreira em Washington. Trabalhou com Deval Patrick, que foi eleito, em 2006, o primeiro governador negro de Massachusetts.

Os conselheiros de política externa incluemTony Lake e Zbigniew Brzezinski, que foram conselheiros de segurança nacional de Clinton e Carter. Em economia, ele tem Austan Goolsbee, conceituado economista da Chicago School of Business, praticamente sem experiência política.

Obama tem feito dessa ausência de figurões de Washington um selo positivo da campanha. De todo modo, se o senador for nomeado candidato, ele poderá atrair estrelas que agora estão com Hillary.’

 

MEIO AMBIENTE
Claudio Angelo

Amazônia para gringo ler

‘Jornalistas brasileiros que cobrem a área ambiental já sofriam a humilhação crônica de ver algumas das melhores reportagens sobre a Amazônia serem publicadas por correspondentes de veículos estrangeiros -que têm tempo, dólares de sobra para viajar pelo Norte e não precisam entediar seus leitores com as pequenezas do noticiário político de Brasília. A humilhação suprema, no entanto, chegou às livrarias no fim do ano passado: a melhor obra publicada sobre a floresta em tempos recentes vem assinada por dois gringos.

Em ´A Última Floresta – A Amazônia na Era da Globalização´, os americanos Mark London e Brian Kelly mostram que afinal existe um tipo de internacionalização da Amazônia que funciona: a internacionalização do conhecimento.

Em uma reportagem tão ampla quanto profunda, fruto de meses percorrendo reinos tão diversos quanto o da soja de Blairo Maggi e o do garimpo de Sebastião Curió, a dupla consegue capturar o tamanho da transformação operada pelo Brasil na floresta nos últimos 25 anos. E mensurar o desafio político que será manter a maior parte dessa floresta de pé num tempo em que são os humores da bolsa de Chicago -e não mais as vontades de generais em um gabinete com ar refrigerado em Brasília- que determinam o destino do maior patrimônio nacional.

London e Kelly não são novatos na área. Sua primeira incursão à Amazônia aconteceu em 1980, quando quem dava as cartas no modelo de ocupação da floresta ainda era a filosofia do ´integrar para não entregar´. Naquela época, 3% da Amazônia havia tombado. O resultado da viagem, o livro ´Amazônia´, aparentemente visava exclusivamente o público norte-americano e não emplacou por aqui.

Os militares abriram estradas e cidades e jogaram literalmente no meio do mato um vasto contingente de homens sem terra, que recebiam fortes incentivos do governo para desmatar. A floresta era então vista como ‘entrave` ao ´desenvolvimento´, um bordão trágico da ditadura que hoje se repete como farsa na boca da esquerda. O resto, como dizem, é história: em 2007, segundo o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), 16% da maior floresta tropical do planeta havia se perdido.

A Amazônia reencontrada pela dupla pertence ao agronegócio moderno, capitalizado e altamente tecnológico, que em poderio econômico (e potencial de devastação) não deve nada aos fazendeiros de Illinois ou de Nebraska (aqui, como lá, esse mesmo agronegócio se diz competitivo, mas depende de ajuda pesada do governo, mas isso é outra história).

Nesse sentido, é um dado positivo o fato de ´A Última Floresta` ser também voltado ao público americano. Afinal, em última análise são as decisões do mercado consumidor global que determinarão as taxas de desmatamento no século 21.

O melhor trabalho de London e Kelly é contar a história do homem na floresta nessa transição. Muita coisa é explicada. Leitores mais jovens entenderão, por exemplo, a gênese da doutrina de segurança nacional que orientou a política da ditadura para a região. Ecos dessa doutrina, décadas depois, ainda assombram o comportamento do governo federal democrático (na forma do Sivam) e explicam a tradicional resistência da diplomacia brasileira ao discutir a Amazônia em acordos ambientais internacionais como o Protocolo de Kyoto e a Convenção do Clima da ONU.

A paranóia foi reforçada várias vezes por declarações de gente como o então presidente francês François Miterrand, que defendia a ´soberania relativa` do Brasil sobre a Amazônia, e o neoherói do planeta Al Gore, que nos anos 1980 declarou que a Amazônia pertencia ´a todos nós´. London e Kelly acertam na veia ao comparar a declaração de Gore com um suposto pedido de Mao-Tsé Tung para que os americanos considerassem o milho de Iowa um recurso internacional.

O problema do livro é que a maior parte de suas fontes de pesquisa também é gringa, o que faz seus autores cederem a lapsos de simploriedade e a disparates como sugerir que o governo brasileiro entregue às ONGs a fiscalização da floresta, já que o Ibama é incapaz de fazê-lo. Nessas horas, o leitor pára, respira e releva: por melhores que eles sejam, ainda são americanos. Não dá para querer tudo, né?

LIVRO – ´A Última Floresta – A Amazônia na Era da Globalização`

Mark London e Brian Kelly; Martins Fontes, 411 págs., R$ 54′

 

FUTEBOL
Tostão

Imagem não é real

‘A SOCIEDADE atual é cada dia mais do espetáculo, da imagem, da autopromoção, do representado, e não do real, do que parece, e não do que é. É a alienação e a falsificação da vida.

No futebol, quase todos os jogadores, mesmo os jovens e os medíocres, possuem, além de muitos bajuladores, empresários e assessores de imprensa que cuidam de suas imagens. Os atletas são orientados sobre o que falam e como se comportam. Passam a ser robotizados. Raramente dizem o que sentem.

Há exceções. Certa vez, em uma entrevista, perguntei a Romário se ele se preocupava com sua imagem. Ele respondeu: ´Quem gosta de imagem é televisão´.

Um dos motivos de Maradona ser tão adorado pelos argentinos é que ele, por não querer parecer um bom moço, tornou-se mais humano e mais real, com suas fraquezas, esquisitices e contradições.

Mesmo com Romário, Maradona e outras pessoas mais autênticas e espontâneas, há um desejo de se mostrar e de dar espetáculo. Faz parte do meu show, disse Cazuza.

Alguns atletas tentam ser mais verdadeiros e se dão mal. Fazem o que a maioria faz, mas na hora errada. Adriano é um deles. O atleta do São Paulo poderia tomar umas aulas de esperteza com Romário.

Roger está sem prestígio. Ao mesmo tempo em que os times procuram um meia habilidoso, criativo, nenhum quer contratar o jogador, que teria essas qualidades. Além de ser um atleta caro, que produz muito menos do que custa, Roger tem hoje uma imagem de que freqüenta mais o castelo da revista ´Caras` do que os treinamentos do clube.

Quando fui convocado pela primeira vez para a seleção, tinha a imagem de que Gerson era um atleta indisciplinado e personalista. Não era verdade. Gerson treinava muito, valorizava o futebol coletivo, cumpria suas obrigações, lutava por seus direitos e não ficava calado com as coisas de que não gostava. Assim deve ser todo profissional. A famosa frase (´O importante é levar vantagem em tudo´) não tem nada a ver com Gerson. Ele, sem prever as conseqüências, disse o que os marqueteiros pediram para que falasse no comercial de um cigarro.

Já do Pelé, tinha a imagem que ele era perfeito dentro e fora de campo. Só era no campo. Fora, ele era como todos nós. Fazia o que todos faziam, mas com discrição e sem ninguém saber. Pelé sempre teve grande preocupação com sua imagem. E vive dela até hoje no seu trabalho de garoto-propaganda.

Falaram tanto que a seleção de 94 não tinha brilho, que era muito defensiva e que só ganhou o título mundial por causa de Romário, que essa imagem irreal se tornou verdade. Apesar de não ter o estilo de jogar de que gosto, era uma equipe organizada, eficiente, tinha um sistema defensivo excepcional, o melhor centroavante do mundo de todos os tempos, o melhor zagueiro brasileiro que vi jogar (Aldair), além de excelentes jogadores em todas as posições.

Faltou somente um grande meia ofensivo, que deveria ter sido Raí. Ele não foi porque jogou fora de posição, muito recuado, marcando pela direita, e não próximo dos dois atacantes, como fazia no São Paulo.’

 

CINEMA
Eduardo Simões

Caçador de sucesso

‘O roteirista David Benioff (autor de scripts tão distintos quanto ´Tróia` e o ainda inédito ´Wolverine´) somente se deu conta do tamanho da responsabilidade de adaptar o best-seller ´O Caçador de Pipas` quando uma senhorinha, sua vizinha num vôo para Nova York, ao saber de sua incumbência, apertou-lhe o braço e alertou: ´É meu romance favorito. Não mude uma palavra´.

´O Caçador de Pipas´, o filme, deve encontrar expectativa similar à da leitora americana quando estrear no dia 18 no Brasil, onde o romance está entre os mais vendidos desde setembro de 2005 e já vendeu mais de 1,6 milhão de cópias.

Benioff nem podia desconfiar. O roteirista havia conseguido o emprego quando apenas a primeira edição, em capa dura, tinha saído nos Estados Unidos. E a propaganda boca a boca ainda não havia transformado o livro num fenômeno editorial mundial. ´Poucos meses depois de começar o roteiro recebi um e-mail de Khaled [Hosseini, autor do romance] dizendo que ´nosso livrinho` estaria na lista de mais vendidos do ´New York Times` no domingo´, disse o roteirista em entrevista à Folha.

A Paramount, produtora do longa, claramente não quis arriscar: além de chamar um diretor aclamado pela crítica (Marc Forster, de ´Em Busca da Terra do Nunca´), deu a Benioff, também romancista com talento, a tarefa da adaptação.

É dele o romance ´25th Hour´, levado às telas por Spike Lee como ´A Última Noite´, em 2002. Também era um trunfo o fato de Forster já ter dirigido um roteiro original de Benioff, ´A Passagem´, de 2005.

Somente a 13ª versão do roteiro de Benioff foi levada ao set de filmagens, no oeste da China, na fronteira com o Afeganistão. Um roteiro que fosse ´idêntico` ao livro, diz ele, teria rendido um longa de oito horas. Sua versão, bastante fiel com pouco mais de duas horas, já rendeu uma indicação ao Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro.

A cena mais polêmica do livro -o estupro de Hassan, uma criança da etnia hazara, que poderia ter sido evitado por Amir, um rico menino pashto- foi mantida e terminou por causar problemas para o estúdio.

Para Hosseini, a passagem de seu romance não poderia ficar de fora pois é uma importante metáfora da violência contra o Afeganistão, vítima de seguidos regimes de exceção, da invasão soviética (1979-89), aos talebãs e à ocupação das tropas americanas em 2001. Benioff afirma que, no final das contas, a versão de ´O Caçador de Pipas` que chega às telas é, como o livro, menos a narrativa dos conflitos afegãos do que uma história de redenção.

´Ali está um homem que cometeu um terrível erro na infância, como muitos de nós fizemos, talvez não de modo tão dramático quanto Amir. Geralmente não temos a oportunidade de corrigir. E neste caso Amir tem a chance de voltar a Cabul e se redimir, curar as repercussões de sua covardia.`

Visual

Benioff destaca o torneio de pipas e o colorido das vestimentas como elementos que ele e Forster identificaram como visualmente fortes em ´O Caçador de Pipas´, o livro.

Forster não se contentou com visual e quis explorar sonoridades. Boa parte dos diálogos foram traduzidos para o dari, o idioma afegão. ´Marc disse que não conseguiria imaginar ver aquelas crianças empinando pipas em Cabul e falando inglês´, conta o roteirista.

O papel de Amir adulto, espécie de alter ego do próprio Hosseini, que emigrou ainda criança para os EUA, coube ao ator escocês de origem egípcia Khalid Abdalla, o terrorista Ziad Jarrah de ´Vôo United 93´. Abdalla passou um mês em Cabul antes de começar as filmagens, teve aulas diárias de dari de até cinco horas e, escolhido depois que o livro já se tornara um sucesso, também sofreu pressão.

´Havia a responsabilidade que veio com a chance de estar no primeiro filme hollywoodiano que mostra aquela parte do mundo de outra maneira que não uma história sobre terroristas. Mas vir de um ´background` de duas culturas alimentou muito a minha compreensão da história. E há semelhanças com o Egito, como a existência de uma classe servil.

Isso foi fundamental para entender as duas maiores motivações do personagem, que são o desejo de seu pai se orgulhar dele. E a relação de culpa pelo que aconteceu a Hassan.`

O jornalista EDUARDO SIMÕES viajou a convite da Paramount’

 

Atores crianças tiveram de sair do Afeganistão

‘No início de dezembro de 2007, quatro das crianças afegãs que protagonizaram uma cena de estupro no filme ´O Caçador de Pipas` foram retiradas de Cabul e levadas para uma cidade nos Emirados Árabes Unidos, não revelada. A produção do filme temia que houvesse reações violentas contra os meninos, agora com idades entre 13 e 14 anos, depois da estréia do longa.

No livro como no filme, a cena de estupro é chave para a compreensão da trama: Hassan, garoto de etnia hazara interpretado por Ahmad Khan Mahmoodzada, é violentado por Assef (Elham Ehsas). Seu amigo Amir (Zekeria Ebrahimi), menino abastado, da etnia pashto, assiste à cena, mas nada faz para impedir. Anos depois, Amir, vivendo como imigrante nos EUA, retorna a Cabul para acertar contas com o passado.

A operação de retirada dos jovens atores do Afeganistão, planejada de última hora pela Paramount Pictures, levou os produtores a adiarem em seis semanas o lançamento do longa nos Estados Unidos, que aconteceu somente no dia 14 de dezembro. Os garotos saíram de seu país acompanhados de um parente cada um e, segundo a Paramount, ganharão uma espécie de bolsa.

O desempenho do elenco infantil de ´O Caçador de Pipas` valeu um elogio especial do jornal ´New York Times´. A crítica Karin Durben escreveu que a ´atuação de Ahmad Khan [o Hassan] está entre as melhores entre atores crianças no cinema´.’

 

Folha de S. Paulo

Brasil, o filme

‘ANTONIONI sonhou muito. Mas nem todas as fantásticas idéias do cineasta italiano, morto em julho último, foram efetivamente parar nas telas. Dentre seus projetos não concretizados, curiosamente, aquele de que mais gostava se passaria no Brasil. O roteiro de ´Tecnicamente Doce´, escrito nos anos 60, trazia um triângulo amoroso que se desenrolaria na nossa Amazônia.

Na época, o diretor chegou a visitar o país para fazer locações na floresta e em Brasília. Ainda, escalou Jack Nicholson e Maria Schneider para os papéis principais. O filme, porém, acabou não decolando porque o produtor Carlo Ponti cortou seu financiamento, preferindo apostar suas fichas em ´Blow-Up´.

O Mais! publica hoje cenas desse roteiro pouco conhecido e textos de Walter Salles e do próprio Antonioni explicando o triste desfecho da história.

Leia também, artigo do cineasta brasileiro sobre as duas grandes perdas do cinema em 2007 -Antonioni e o sueco Ingmar Bergman.’

 

Walter Salles

Atração e repulsa

‘Um triângulo amoroso. T, jornalista de 37 anos, sente-se estrangeiro no seu próprio mundo. S, jovem antropólogo, também. Uma mulher de 22 anos que ´ama sem saber como` é o elo de ligação entre esses dois homens que se desconhecem. Os temas que definem o cinema de Antonioni afloram em ´Tecnicamente Doce´. A alienação e a desumanização trazidas por meios de produção cada vez mais massificados. A oposição entre o mundo ´civilizado` e o estado ´selvagem´. A impossibilidade amorosa.

Um estado de insatisfação latente vai conduzir T e S, personagens aparentemente opostos, na mesma direção. Ambos abandonam a Sardenha (Itália) para se perderem no coração da selva amazônica. A aridez em oposição à umidade. Ao longe, uma outra miragem: Brasília, ´feita de vidro e concreto´. Antonioni escreveu o roteiro com seu companheiro Tonino Guerra e Mark Peploe, com quem viria a colaborar em ´Profissão: Repórter´.

Veio ao Brasil, fez locações na selva amazônica e em Brasília. Teve uma relação de atração e de repulsa pelo que viu. O resultado é um dos roteiros mais rascantes e radicais que Antonioni criou. O diretor disse que queria fazer esse filme ´mais do que qualquer outro´. Chegou a definir toda a equipe técnica e escolher os atores: Jack Nicholson e Maria Schneider. Nunca conseguiu filmar. Pouco antes da rodagem, o produtor Carlo Ponti retirou o financiamento.

Frustrado pela experiência, Antonioni retomou os temas do filme que nunca viria a realizar no Brasil em ´Profissão: Repórter´. Ambos começam e acabam da mesma maneira: pelo desconforto de um homem em crise de identidade e pela inevitabilidade da morte.

WALTER SALLES, 51, é cineasta. Dirigiu ´Terra Estrangeira´, ´Central do Brasil` e ´Diários de Motocicleta´, entre outros filmes; atualmente finaliza ´Linha de Passe` e trabalha em ´On the Road´, ambos ainda sem estréia prevista.’

 

Michelangelo Antonioni

Minha batalha contra o filme

‘A batalha entre o filme e mim se encerra com a publicação deste roteiro. Essa batalha durava desde 1966, quando escrevi a primeira versão da história.

Em paralelo, eu estava desenvolvendo o roteiro de ´Blow-Up´. Ofereci os dois ao produtor Carlo Ponti [1912-2007], que preferiu o segundo.

Depois de rodar ´Blow-Up´, finalmente recebi o acordo de Ponti para a realização de ´Tecnicamente Doce´. Quando tudo estava pronto para a filmagem, roteiro, locações, equipe técnica, atores, o financiamento me foi retirado. Os atores do filme seriam Jack Nicholson e Maria Schneider.

Falei um pouco acima em ´batalha´. Eis por quê: esse era um filme que eu queria fazer acima de qualquer outro, mesmo sabendo quão árduo era o projeto. Por que árduo? Porque o que estava em jogo era um mergulho no coração da selva amazônica, onde deveríamos ficar no mínimo dois meses.

Eu já tinha conhecido todo tipo de selvas e de florestas virgens e percorri o mundo em busca daquela que fosse a mais intimidante -e a encontrei na Amazônia. Posso dizer hoje que existe uma relação inversamente proporcional entre o horror de uma floresta virgem e sua fotogenia. Quanto mais densa a floresta, menor a sua fotogenia.

A vegetação é tão espessa que os verdes se fundem uns nos outros, atenuando as nuances, diminuindo os relevos. A sombra domina. Numa vegetação tão compacta, o sol penetra com dificuldade, tornando necessária a utilização de projetores. Mas tenho dificuldade em imaginar uma luz artificial na floresta, por causa das sombras que ela fatalmente provocaria, falseando a realidade.

A minha intenção era fazer desse ´fragmento de filme` uma espécie de oposição crua entre a luta de dois organismos humanos e a de outros organismos, vegetais e animais. Mas também queria falar de uma outra luta ainda mais aterrorizante, aquela que ocorre entre as plantas que lutam pelos poucos raios de sol. E a dos animais, à cata de qualquer tipo de alimentação. Minha intenção, em resumo, era tocar no tema do canibalismo, declinado sob todas as suas formas.

Adicione-se aos problemas de realização aqueles que a produção fatalmente traria, e pode-se compreender quanto minha perplexidade em relação ao filme era legítima. No entanto, durante o verão de 1966, eu tinha ultrapassado essas dificuldades. Me considerava o vencedor de uma batalha entre o filme e mim.

Mas tinha me esquecido do árbitro implacável que tem entre suas mãos a possibilidade de decidir se um filme vai existir ou não -o produtor. Quando Carlo Ponti me declarou de forma imprevista e inexplicável que não iria mais financiar o filme, o mundo que eu tinha logrado construir com tanta dificuldade no meu espírito, ao mesmo tempo fantástico e realista, ruiu de uma só vez. Os escombros ainda subsistem, em algum lugar no fundo de mim.

Este texto foi publicado em ´Techniquement Douce` (ed. Einaudi, Itália, 1976). Tradução de Walter Salles .’

 

Walter Salles

Nós que os amávamos tanto

‘O tempo não existe. O presente e o futuro são apenas o mesmo instante -um agora` (Bergman).

´O homem vive num equilíbrio instável, que com os anos se estabiliza cada vez mais, até que ele encontra o equilíbrio absoluto, que é a morte` (Antonioni).

Trinta de julho de 2007. Morrem no mesmo dia Ingmar Bergman e Michelangelo Antonioni, dois cineastas que definiram o que é o cinema moderno. Não existem coincidências, dizia outro mestre, Borges.

Tanto Bergman quanto Antonioni fizeram filmes que alimentaram sucessivas gerações, que viam o cinema como uma forma de expressão ´total` -para usar o termo que Godard elegeu para definir ´O Deserto Vermelho´.

O ponto de encontro entre a literatura, a filosofia, a arquitetura, e, no caso de Bergman, o teatro e a psicanálise. O conceito de ´entretenimento´, dominante hoje, não fazia parte da equação.

Cinqüenta e oito filmes. De tão vasta, a obra de Bergman é dificilmente classificável. Há um fio condutor, no entanto, a permeá-la; uma reflexão sobre a finitude humana, o absurdo da existência, a recusa da culpa protestante, a ausência de um Deus. Seus personagens estão sempre à beira de um abismo, a alma exposta.

Bergman, como Clarice Lispector [1920-1977], não costurava para fora. Costurava para dentro. Por isso, o rosto humano é seu território predileto. Cada recanto da face de seus atores, um mundo.

Desmascarar

´Persona´, título escolhido após o filme ter ficado pronto, dá o mapa da mina: em latim, a palavra designa a máscara atrás da qual o ator dissimulava o seu rosto. Toda a obra de Bergman é dedicada a esse desmascaramento impiedoso dos sentimentos.

A gramática cinematográfica que ele instaurou com a ajuda de seu fiel diretor de fotografia, Sven Nykvist, parte sempre do close para o plano geral. Não há espaço, aqui, para aquilo que é morno: o plano médio.

´Morangos Silvestres´, obra-prima que ganhou o Urso de Ouro do Festival de Berlim em 1958, permitiu que a obra de Bergman ultrapassasse as fronteiras da sua Suécia natal. Mas foi outro filme, ´Monika e o Desejo´, que rompeu cinco anos antes com a fase romântica que marcou os primeiros anos de trabalho.

Depois vieram os filmes que compuseram a chamada ´Trilogia de Farö´, ilha onde ele viveu, recluso, grande parte de sua vida: ´A Hora do Lobo´, ´Vergonha´, ´A Paixão de Ana´. Todos de uma violência aguda.

A mesma violência que Bergman tinha consigo mesmo, prova de uma honestidade intelectual sem par. Numa conversa com o cineasta e ex-crítico Olivier Assayas, Bergman disse uma vez que detestava ´Sonata de Outono` (1978): ´Um crítico francês escreveu que o sr. Bergman começou a fazer filmes a la Bergman. Ele não gostava do filme, como eu, e tinha razão. O desastre, com Tarkovski, foi que ele começou a fazer filmes a la Tarkovski ´.

Fantasmas do passado

Na mesma conversa, Bergman também contou que odiava o pai, pastor protestante que tentou inutilmente inculcar-lhe o sentimento da culpa, e não dissimulava o ressentimento que sentia em relação à mãe.

O seu último longa-metragem realizado para o cinema, ´Fanny e Alexandre´, iria reconciliá-lo com os fantasmas de seu passado. É o filme possivelmente mais acessível de Bergman e também um dos mais extraordinários, o ponto de encontro de toda a sua obra.

Alexandre, o menino que assiste impotente à morte do pai e à ascensão do padrasto, um pastor protestante chamado Vergerus, é o alter ego de Bergman. Todo o embate do filme se dá entre o menino-artista que cria e fabula e o padrasto que tudo castra.

Se existe o ódio, existe também o poder de subjugá-lo por meio da imaginação. E da lanterna mágica, o cinema. Alexandre e seu criador só sobrevivem graças a essa crença salvadora na imagem/imaginação.

Essa mesma fé na força expressiva do cinema e das imagens movia Antonioni.

Desde os seus primeiros documentários, a sua matéria-prima é o homem em crise num mundo em transformação acelerada. Próximo do existencialismo de Camus, Antonioni foi o cineasta que melhor falou da crise de identidade no mundo contemporâneo.

Uma mulher desaparece: ´A Aventura´, de tão renovador, foi recebido com uivos de reprovação no Festival de Cannes de 1960. Um ano mais tarde, Antonioni ganhou o Festival de Berlim com ´A Noite´, filme de uma acuidade rara, em que um casal formado por Marcello Mastroianni e Jeanne Moreau se esfacela numa cidade em constante reconstrução. Era Milão -mas poderia ser São Paulo, hoje.

Seguem-se outros dois filmes que confirmam Antonioni como um mestre do cinema dos anos 60, ´O Eclipse` e ´O Deserto Vermelho´, filmes sobre a coisificação do homem na sociedade pós-industrial.

Mas é com a trilogia formada por ´Blow-Up` (perda de identidade), ´Profissão: Repórter` (troca de identidade) e ´Zabriskie Point` (implosão da identidade) que a obra de Antonioni adquire a sua dimensão mais ampla.

A partir desse momento, o mestre de Ferrara está em perfeita sincronia com seu tempo: seus personagens são condicionados por uma realidade sociopolítica que desconhece fronteiras.

Enquanto para Bergman um casal pode ser um país, para Antonioni a relação dialética entre o artista e o mundo em transformação é essencial. Cinema político, mas nunca dogmático -e que se recusa a julgar. ´Não quero apontar com o dedo, quero fazer sentir´, dizia Antonioni.

Barthes

Roland Barthes escreveu que ´Antonioni deixava o caminho dos sentidos aberto´. E, citando o pintor Braque, lembrava que ´um quadro só está terminado quando a idéia inicial não está mais à mostra´. Poderia, provavelmente, ter escrito o mesmo de Bergman.

O sueco teve o privilégio de acertar o seu ato final. ´Sarabanda` (2003) é mais do que um filme-testamento, é uma obra maior. Um acerto de contas de uma extrema violência, mas onde os personagens vividos por Erland Josephson e Liv Ullmann se salvam, mais uma vez, pela força dos afetos. A cena em que os dois ficam nus, frente a frente, pela última vez, é dilacerante -todas as máscaras estão no chão.

Poeta dos sentidos e do indizível, Antonioni não teve a mesma sorte. Em 1985, um acidente vascular cerebral o impediu de continuar a filmar livremente. Os filmes que realizou depois disso não estão a sua altura. Sobram mais de 20 longas-metragens ou documentários feitos antes da perda da fala e raros roteiros não filmados.

O que se perde com o desaparecimento de Bergman e Antonioni? Uma certa idéia do que pode ser o cinema. Uma maneira única de ver o mundo, muitas vezes complexa e dolorosa, mas necessária e reveladora. Sem piedade, bons sentimentos ou sentimentalismo.

Não há, no entanto, razão para nostalgia. Foram vidas plenas, que deixaram uma rica representação de si próprias e, por extensão, de nós mesmos.

E se Bergman, pelo caráter extremamente pessoal de sua obra, não deixou seguidores, o mesmo não aconteceu com Antonioni. Wenders, Angelopolous, Atom Egoyan e Hou Hsiao-hsien que o digam. Sem esquecer aquele que melhor traduz, hoje, a relação entre tempo e espaço tão central à obra de Antonioni: Jia Zhang-ke.’

 

O cineasta da falta de comunicação

‘Michelangelo Antonioni nasceu em 1912. Estudou economia, trabalhou na revista ´Cinema` e fez roteiro para Roberto Rossellini antes de lançar seu primeiro filme, o documentário ´Gente del Po` (1947).

Foi apelidado ´poeta do tédio` por sua forma de abordar questões existenciais em filmes como os da ´Trilogia da incomunicabilidade` -´A Aventura` (1960), ´A Noite` (1961) e ´O Eclipse` (1962).

Uma de suas atrizes preferidas foi Monica Vitti, que posteriormente tornou-se sua companheira. Antonioni também dirigiu Vanessa Redgrave (´Blow-Up´, 1966) e Jack Nicholson (´Profissão: Repórter´, 1975).

Em 1985, foi vítima de um acidente vascular cerebral; dedicou-se depois à pintura.’

 

Bergman nunca deixou o teatro

‘Nascido em 1918, Ingmar Bergman estreou como diretor de teatro em 1938, oito anos antes de dirigir seu primeiro filme, ´Crise´.

O sucesso de produções como ´O Sétimo Selo` (1956) -com Max von Sydow- não o impediu de seguir também a trajetória no teatro: o fim de sua carreira foi marcado pela adaptação de peças para a TV.

O roteiro de ´Morangos Silvestres` (1957) rendeu sua primeira indicação ao Oscar. Depois, venceu três vezes, na categoria ´filme estrangeiro´: ´A Fonte da Donzela` (1960), ´Através de um Espelho` (1961) e ´Fanny e Alexandre` (1982). ´Gritos e Sussurros` (1972) levou o Grande Prêmio de Cannes, que também o premiou pelo conjunto da obra, em 1998.’

 

HQ
Marco Aurélio Canônico

Internet vira reduto de quadrinistas

‘A busca por ´webcomic` no Google dá mais de 3,7 milhões de resultados -e este é apenas um dos termos pelos quais os quadrinhos on-line podem ser pesquisados, o que, mesmo após depuração dos resultados, dá uma boa dimensão da vasta produção disponível na internet daquilo que Will Eisner chamava de ´arte seqüencial´.

O uso da rede como veículo para os quadrinhos -aqui entendidos em uma acepção mais ampla, incluindo charges, tirinhas e HQs- já está consolidado, de modo análogo (mas mais eficiente) ao que aconteceu com a música.

Milhões de quadrinistas, chargistas, cartunistas de todo canto, que nunca tiveram acesso aos veículos tradicionais (jornais, revistas, livros), encontraram guarida on-line, com ampla liberdade para publicar sem qualquer censura.

Para fazer uma seleção dos melhores quadrinhos digitais, a Folha convidou cinco especialistas e fãs de HQ e pediu a cada um três indicações, com comentários que podem ser vistos no quadro ao lado.

Os resultados mostram que há grandes (e, na maioria dos casos, desconhecidos) artistas do traço e das idéias fazendo trabalhos sensacionais on-line (e com acesso gratuito).

Mas também prova que mesmo os conhecimentos básicos de desenho se tornaram dispensáveis: rabiscos primários, colagens, cliparts, fotos.

Prêmios e listas

Ainda que uma minoria dos autores tenha conseguido fazer dos ´webcomics` uma profissão rentável, há inúmeros casos de migração para jornais (como André Dahmer, dos ´Malvados´) e para livros (como o ´Perry Bible Fellowship´).

Há também fenômenos como o ´Penny Arcade´, que começou há quase nove anos como trabalho de dois amigos e se transformou em um lucrativo site centrado em games, com empresas pagando alto por anúncios, um videogame baseado nos quadrinhos a caminho e até a criação de sua própria entidade beneficente.

O reconhecimento dos ´webcomics` pela crítica também tem aumentado, com a participação da categoria em prêmios de quadrinhos (foram incluídos no célebre Eisner Awards em 2005, por exemplo).

Outra boa medida disso está na lista de melhores graphic novels de 2007 da revista ´Time´, que colocou em primeiro lugar uma ´webcomic´, Achewood, de Chris Onstad (www.achewood.com).

´Não é uma graphic novel no sentido tradicional, já que seu veículo é a web, mas Achewood é tão profundamente genial que seria um crime não colocá-lo nessa lista, e no topo dela´, disse a revista.’

 

HUMOR
Sérgio Rizzo

Show do Monty Python resume auge de iconoclastia

‘Poucos comediantes de cinema e TV passariam hoje no teste rigoroso da apresentação ao vivo para milhares de pessoas, como aquele em que o extinto grupo inglês Monty Python foi aprovado com louvor, em 25 de junho de 1982, em uma concha acústica de Los Angeles.

´Monty Python ao Vivo no Hollywood Bowl` registra essa performance antológica do sexteto, que mesclou números antigos do programa de TV ´Monty Python´s Flying Circus` (1969-1974) com outros preparados especialmente para a ocasião, em espécie de balanço da obra que se encerrava.

Naquela altura, o grupo já havia protagonizado também dois longas-metragens para cinema -´Em Busca do Cálice Sagrado` (1975) e ´A Vida de Brian` (1979)- e estava prestes a se despedir do público em ´O Sentido da Vida` (1983).

Com os desentendimentos que levaram às carreiras solo, só houve depois reuniões parciais de seus integrantes, como as de ´Um Peixe Chamado Wanda` (1988), com John Cleese e Michael Palin, e ´Erik, o Viking` (1989), com Cleese e Terry Jones.

Por fim, a formação original ficou restrita à história com a morte de Graham Chapman (1941-1989).

´Ao Vivo no Hollywood Bowl` resume o que eram capazes de fazer os seis juntos no auge da iconoclastia de afetação britânica com que atiravam para todos os lados, em postura que já era politicamente incorreta antes mesmo que o termo fosse cunhado.

A avacalhação começa na abertura, com o logo da Fox (raposa) dando lugar ao da ´20th Century Frog` (sapo).

Há números de humor predominantemente visual, como o do lutador que luta contra ele mesmo e o do ´andar tolo´, e outros de ênfase no verbo, como a reunião em que o papa dá uma bronca em Michelangelo por ter pintado ´A Última Ceia` com três Cristos e 28 apóstolos.

No telão do palco, entram seqüências feitas para o ´Flying Circus´, como as da Olimpíada Tola, com uma prova de cem metros rasos para pessoas sem nenhum senso de direção, e a final da Copa do Mundo de filósofos, entre Grécia e Alemanha, apitada por Confúcio.

MONTY PYTHON AO VIVO NO HOLLYWOOD BOWL

Distribuidora: Sony Pictures (R$ 29,90, em média)

Avaliação: ótimo’

 

TELEVISÃO
Laura Mattos

Tem ´modelo` e doido, diz pai do ´BBB`

‘O diretor do ´Big Brother Brasil` garante que ainda não enjoou do programa, apesar de estar pela oitava vez no comando do reality show, que estréia nesta terça-feira na Globo.

Por outro lado, J.B. de Oliveira, o Boninho, confessa achar que sua saída seria ´boa para o programa e a emissora´. ´Mas a direção [da Globo] prefere que eu continue no comando e, nesse caso, me dedico 1.000% ao projeto, é a minha função.` Na noite da última quinta-feira, logo após aprovar os últimos detalhes da nova decoração da casa, ele respondeu à entrevista da Folha, por e-mail.

Em sua opinião, neste ano o programa será mais dinâmico, graças ao maior número de programas ao vivo -além disso, a prova do líder não será mais às quintas, mas às sextas, o que dá menos tempo para ´conchavos` entre candidatos.

Dentre os novos participantes, Boninho destaca a produtora de moda carioca com os braços tatuados. ´Gosto da Bianca, que é um tipo bem diferente, moderninha. Temos um psiquiatra, muitas ´modelos´, alguns doidos. Acredito que vai ser divertido´, afirma. Leia abaixo a entrevista.

FOLHA – Oitavo ´Big Brother Brasil´… Como você ainda não enjoou?

BONINHO – Nunca, cada edição é bem diferente. O melhor de tudo é encontrar o inesperado, como eles vão se comportar e como vamos fazer o programa.

FOLHA – O número de inscrições cresceu ou diminuiu em relação aos programas anteriores?

BONINHO – O site foi uma grande novidade, com 160 mil inscritos, foi uma nova fonte de candidatos. Já as inscrições através de fita permanecem na média dos anteriores.

FOLHA – O que o ´BBB8´, tirando o elenco, claro, terá de diferente dos demais? Alguma novidade importante na eliminação ou provas?

BONINHO – Neste ano, teremos mais programas ao vivo. Isso já dá uma esquentada no jogo. O público também vai poder decidir seu voto assistindo às entrevistas do Bial com os emparedados na segunda-feira, quando será usada a máquina da verdade. Além disso, procuro analisar o comportamento deles para criar novas provas. A idéia é surpreender sempre.

FOLHA – Qual será a importância da máquina da verdade? Outras emissoras também estão apostando nisso. Acredita que essa será a nova onda da televisão no país?

BONINHO – Vamos usá-la na entrevista com os emparedados que Bial fará na segunda-feira. Para nós, a máquina não é uma novidade, usávamos no confessionário na edição passada. Mas vai ser curioso pressioná-los ainda mais na reta final do paredão.

FOLHA – O que pode dizer sobre os novos integrantes do programa? Alguma grande novidade no perfil?

BONINHO – Gosto da Bianca, que é um tipo bem diferente, moderninha. Temos um psiquiatra, muitas ´modelos´, alguns doidos. Acredito que vai ser divertido.

FOLHA – No ano passado, foi noticiado que você deixaria a direção do ´BBB´. A crise dos sete anos passou?

BONINHO – Nem pensei nisso. Na verdade, acho que uma mudança seria boa para o programa, para a emissora. Não me acho o grande produtor de realities, temos muito talento na Globo. Mas a direção prefere que eu continue no comando e, nesse caso, me dedico 1.000% ao projeto, é a minha função.

FOLHA – Você também está dirigindo o ´Mais Você´, que não está tão bem no Ibope. Quais são seus planos para a Ana Maria Braga? Ela vai mesmo para o Rio? Como essa mudança irá alterar o programa?

BONINHO – A audiência do ´Mais Você` está voltando gradativamente ao seu patamar anterior, é uma questão de tempo. A Ana Maria está mais feliz, sorridente e dedicada ao programa. Isso é muito positivo, e o espectador percebe a mudança. Vir para o Rio será mais uma injeção de força no formato, teremos mais acesso aos bastidores da Globo, seu elenco e mais tempo para produzir o programa.

FOLHA – Com ´BBB` e ´Mais Você´, dá tempo para alguma coisa mais na vida profissional? Algum plano de novo programa para 2008?

BONINHO – Cuido também do ´Estrelas´, mas, se for preciso, vou fazendo. Sou um núcleo Rexona, sempre cabe mais um!

FOLHA – O que achou do fato de o ´Globo Repórter` ter saído do ar na época do ´BBB´? O que isso interfere no reality show?

BONINHO – O ´BBB` já tem cara de férias. Tirar da grade os programas de linha e fazer uma mudança radical podem dar um novo ar para a Globo.

FOLHA – Como vai conseguir um tempinho para o seu bebê nessa época de ´Big Brother´? Passa o tempo todo olhando para as imagens, vê o ´pay-per-view` em casa?

BONINHO – Adoro minha família, meus três filhos e minha mulher. Vou ficar com um olho no peixe, muitas horas na casa do ´BBB` e outras tantas no ´pay-per-view` em casa. O outro, no gato, lambendo minhas crias na hora que sobrar.’

 

Bia Abramo

Temor e expectativa cercam ´BBB 8`

‘MAIS UM. É o oitavo. Da próxima terça-feira até o final de março, o horário dito nobre da TV estará inundado dos três ´B´s´. Alguém aí está animado?

A pergunta é retórica, é claro. A ´animação´, desta vez, começou já faz um tempo, com a criação de uma comunidade ´BBB` na internet, onde os dotes (ou a falta deles) de centenas de pessoas vêm sendo sistematicamente expostos -e categorizados. ´Que delícia´, ´mala´, ´apelou` e mais nove categorias desse tipo resumem o julgamento para a cara-de-pau e o narcisismo dos aspirantes a participar do programa.

A seleção final, dizem, está nas mãos da produção, mas o site já é um excelente termômetro da popularidade de certos comportamentos esperados no programa. Num ranking rápido, o exibicionismo beirando a pornografia, a ´alegria` e a capacidade de passar ridículo estão no topo da lista.

A agitação em torno do site também é uma medida esperta para tentar garantir os níveis de audiência. A sétima edição demorou a decolar, embora em seu terço final tenha finalmente ´pegado` e criado fenômenos de unanimidade, como aquele que acabou se formando em torno do vencedor do programa.

Logo em seguida, muito mais cedo do que se esperava, a carreira televisiva do vencedor deu com os burros n´água, e provavelmente o temor de que o programa tivesse se esgotado se instaurou. Temor justificadíssimo, é claro.

Desde 2002 no ar, o reality show já deixou de ser novidade faz tempo, e as modalidades possíveis de tensões e conflitos já foram quase todas experimentadas. O programa já tem memória e história, assim também o que havia de realidade sucumbiu ao show.

O programa terá mais chances de ser bem-sucedido se conseguir levar para a TV a atmosfera da comunidade formada na internet. O problema é que, na rede, o clima é muito mais aberto, livre e participativo -características difíceis de serem transpostas, de fato, para a TV. A TV ainda quer controle de resultados -e nas redes sociais criadas na internet é justamente isso o que não há.

Além da estréia do ´Big Brother Brasil 8´, pouca coisa vai acontecer na TV aberta até o Carnaval, que chega muito cedo neste ano. As novelas entram naquele estado de enrolação até o final de janeiro, e a Globo só vai estrear a tradicional minissérie de verão -´Queridos Amigos´, de Maria Adelaide Amaral- em fevereiro. A melhor coisa a fazer nas férias continua sendo desligar a TV.’

 

FRIDAMANIA
Elisabeth Malkin

Diego, sob a sombra de Kahlo

‘Diego Rivera (1886-1957) teve o auge de sua fama nas décadas de 1920 e 30. Comunista que pintou murais para capitalistas de seu tempo, o artista mexicano ofereceu uma visão épica da história. Nas últimas décadas, porém, sua reputação está sendo amplamente eclipsada pela ´fridamania´, o culto à sua mulher Frida Kahlo.

´É irônico que o artista que pintou quilômetros de afrescos não seja tão conhecido quanto sua mulher, que praticamente só pintou miniaturas´, disse Linda Downs, especialista nos murais de Rivera nos EUA.

A capital mexicana está apresentando uma série de exposições de sua obra, uma homenagem que mostra seu amplo alcance, afrescos, pinturas, aquarelas, desenhos e até capas de revista. Mas a adoração a Kahlo continua firme: uma retrospectiva em meados do ano passado no Palácio de Belas Artes atraiu o dobro de visitantes de uma exposição recente de Rivera. O artista ficou célebre por seus murais, especialmente os do Palácio Nacional e do Ministério da Educação. Ele e seus colegas muralistas criaram o primeiro movimento de arte moderna importante no continente americano.

A atual homenagem inclui cinco exposições na Cidade do México e uma na terra natal de Rivera, Guanajuato. No Museu Nacional de Arte, uma mostra abrangente de ilustrações revela a diversidade de estilos e temas de sua carreira. O artista produziu desenhos para cartilhas do Ministério da Educação do governo pós-revolucionário mexicano, nos anos 1920. Desenhou para a revista surrealista de André Breton ´Minotaure´; e colocou a foice e o martelo na capa da ´Fortune´, em 1932.

Downs diz que há um interesse renovado pelo estudo do realismo de forte carga política dos anos 20 e 30. ´Está sendo reavaliado como um movimento estético legítimo. Antes era descartado por críticos que promoviam o expressionismo abstrato e o modernismo.`

Os olhares emblemáticos de Rivera para o passado indígena e a então recente história revolucionária do México permanecem como imagens definitivas dentro e fora do país. Rivera viveu no exterior, principalmente em Paris, de 1907 a 1921, aproximando-se do cubismo. Foi só depois de voltar a seu país natal que começou a criar a obra que o tornou famoso. Ao dirigir os afrescos em edifícios públicos para temas universais, Rivera misturou elementos dos modernistas europeus com formas e desenhos pré-hispânicos.

A mostra do Museu Nacional de Arte, que inclui ainda a exibição de um documentário do cineasta Gabriel Figueroa sobre o artista, vai até 24 de fevereiro (munal.com.mx).

A íntegra deste texto foi publicada no ´New York Times` Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.’

 

 

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Folha de S. Paulo – 1

Folha de S. Paulo – 2

O Estado de S. Paulo – 1

O Estado de S. Paulo – 2

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