Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Carta aberta a um leitor anônimo

‘Mário,

Como forma de protesto, você deveria se demitir imediatamente e devolver todo o dinheiro que você ganhou enquanto trabalhava no Portal Amazônia sem diploma.

Acho justamente o contrário: a obrigatoriedade do diploma só denigre a profissão. Quando se obriga o diploma, está se dizendo na prática: `Se não for obrigado o diploma, qualquer um pode fazer o que eu faço!´ Se os jornalistas precisam da força da lei para conseguir emprego, é um sinal que a universidade não é tão importante assim (quando ela é, naturalmente, a procura por diplomados é maior).

Nào (sic) digo aqui que o curso de Jornalismo não presta. Muito pelo contrário. Defender a obrigatoriedade do diploma é defender que o diploma não é tão importante assim para os empregadores, e nem para os leitores. O que se quer com isso, na verdade, é reserva de mercado. Pura e simplesmente. Onde está a auto afirmação dos jornalistas? O diploma é só um papel? A universidade é um simples cartório para referendar quem pode ou não trabalhar em jornal? O que é ensinado na universidade não é o suficiente para dar uma vantagem competitiva no mercado de trabalho ante os não-diplomados? Defender a reserva de mercado para jornalistas diplomados é responder sim a todos estes questionamentos’ (Postado por Gladiador no Blog do Bentes ® Mídia, Política e Sociedade, em 19 de Junho de 2009, 18:29).

Caríssimo Gladiador,

Em primeiro lugar

A obrigatoriedade do diploma não denigre coisa alguma, apenas regulamenta uma categoria profissional (aliás, denegrir tem um significado um tanto quanto duvidoso). O fim do diploma para o exercício profissional do Jornalismo, ao contrário do que muitos pensam, nunca foi uma manifestação que girou em torno de questões éticas ou constitucionais, como tentou argumentar Gilmar Mendes, mas foi uma bandeira levantada e defendida por donos de emissoras e jornais mais interessados na contratação de mão-de-obra barata e não especializada que qualidade técnica.

Em segundo lugar

Os jornalistas não precisam da força da lei ‘para conseguir emprego’. Pensar no diploma como reserva de mercado, ‘pura e simplesmente’, é mostrar apenas uma profunda falta de conhecimento e reflexão sobre o assunto; uma visão míope, pobre e sem qualquer senso de realidade. Pensar no diploma como ‘reserva de mercado’, assim, de modo tão vazio e superficial, é ignorar completamente a essência da atividade jornalística. Se os críticos de plantão e os ministros do STF ao menos desconfiassem do poder da semiótica na vida das pessoas, jamais tomariam a comunicação social como uma atividade como outra qualquer. O diploma, portanto, não é um singelo pedaço de papel para ‘conseguir emprego’, mas representa um mínimo de garantia que a sociedade pode ter para que a atividade possa ser feita com qualidade e responsabilidade.

Em terceiro lugar

O jornalismo nunca foi e jamais será uma atividade passível de ser feita por qualquer pessoa. Para ser jornalista não basta ler e escrever ou comunicar-se bem. Esses são pré-requisitos para qualquer indivíduo de todas as sociedades e para qualquer atividade profissional, seja no ramo da comunicação, culinária ou construção civil. Jornalismo é, sim, em parte, uma atividade intelectual, mas é, acima de tudo, uma atividade que exige técnica, preparo e reflexão. Não é à toa que o curso exige, em boa parte das grades curriculares em academias de todo o país, conhecimentos sobre Filosofia, Antropologia, Sociologia e uma série de outras áreas do conhecimento humano. Defender o fim do diploma, portanto, cabe mais para os falsos comunicadores e falsos jornalistas de plantão que, no fim, não passam de oportunistas em busca de uns bons trocados. Já reparou a imensa quantidade de parasitas que compram um espaço na TV para ‘ajudar os pobres’ e depois se candidatarem a cargos eletivos? Já ouviste falar de Carlos, Wallace e Fausto Souza? Sabino e Reizo Castelo Branco? Mirtes Sales, Conceição e Socorro Sampaio? Ronaldo e Jander Tabosa? Defender o diploma, meu caro, é a primeira forma de impedir que indivíduos como esses usem um falso jornalismo para se dar bem na vida.

Em quarto lugar

A universidade não é apenas fundamental para qualquer atividade profissional, mas deve ser encarada como o princípio-motor da formação crítica e intelectual. Ela, a universidade, é e sempre deve ser um espaço para reflexão, debate e construção mútua do conhecimento. Trata-se de uma fonte onde coexistem a argumentação e contra-argumentação. É o que eu e você estamos fazendo aqui, neste ciberespaço: debatendo em prol do conhecimento. A vida sem a academia não permite muitas oportunidades como esta, e isso vale para o jornalismo também. Defender o fim do diploma para qualquer profissão regulamentada é, em poucas palavras, defender o retrocesso e o atraso; é defender a não-formação técnica e especializada. Defender o fim do diploma é defender que o Brasil passe o resto de sua existência copiando tecnologias e saberes dos outros, e não constituindo seu próprio saber.

Em quinto lugar

Em uma sociedade capitalista, nada – absolutamente nada – acontece ‘naturalmente’, como você sugeriu que aconteceria com a busca de profissionais diplomados por parte das empresas. Por que diabos as empresas fariam isso, se a ideia partiu de muitas delas? Entenda: no mundo capitalista, onde as coisas não acontecem ‘naturalmente’, tudo é pensado e articulado com um único propósito: manter a existência de dois grupos muito definidos, os explorados (maioria) e exploradores (minoria). Aliás, muitos destes exploradores estão em cargos políticos nas câmaras municipais, nas assembléias legislativas estaduais e no Congresso Nacional. E adivinha: muitos (muitos!) são donos de empresas jornalísticas e, não por acaso, defenderam o fim do diploma. É o círculo vicioso perfeito: mão-de-obra barata, não especializada e que escreve diária e unicamente para atender aos interesses dos mesmos exploradores que, mais tarde, vão contratar mais mão-de-obra barata e não especializada. Se os jornalistas profissionais já têm suas dificuldades em barganhar melhores condições de trabalho, imagine os não especializados, que poderão ser substituídos a qualquer hora.

Em sexto lugar

Jornalistas profissionais e que sabem das dificuldades, desafios e responsabilidades da profissão têm sua auto-afirmação muito bem clara. A defesa do diploma não significa o contrário disso. Defender o diploma é exigir respeito pela profissão, pelos profissionais e pelos leitores: a sociedade. Ou você acha que os ministros do STF, em alguma hipótese, aprovariam o fim da exigência do diploma para o exercício do direito? Jamais. E até agora ninguém ousou dizer que o diploma de direito é reserva de mercado ‘pura e simplesmente’ e que suas faculdades são simples cartórios para referendar quem pode ou não trabalhar nas defensorias públicas e nos tribunais. Não, ninguém ousou dizer. Aliás, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) – entidade que determina, por meio de exame, quem pode ou não advogar, entre diplomados (que zelo!) – entende o que consiste a práxis jornalística e se posicionou muito claramente, conforme pode ser constatado no boletim eletrônico do dia 19 de junho da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e no próprio sítio da Ordem:

‘Colégio de presidentes da OAB lamenta decisão do Supremo contra jornalistas

Maceió (AL), 19/06/2009 – O Colégio de Presidentes de Conselhos Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil, por unanimidade, lamentou hoje (19) a decisão do Supremo Tribunal Federal que pôs fim ao diploma de jornalista, bem como ao registro profissional no Ministério do Trabalho. Em sessão plenária dos 27 presidentes da OAB dos Estados e Distrito Federal, conduzida pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, o Colégio expressou sua preocupação com as consequencias de tal decisão para a sociedade brasileira, em seus aspectos técnicos e, sobretudo, éticos.

O Colégio de presidentes das Seccionais da OAB referendou posição do presidente nacional da entidade, Cezar Britto, de que o Supremo não avaliou corretamente o papel do jornalista e suas implicações para a liberdade de imprensa no país. Para os dirigentes das Seccionais, a decisão pode prejudicar a independência e qualidade futuras do jornalismo brasileiro, antes garantidas pelo diploma e o registro profissional do jornalista abolidos pelo STF. Além disso, eles manifestaram preocupação com o precedente que a medida pode representar, colocando em risco conquistas históricas de outras profissões regulamentadas no país.’

Em sétimo lugar

Até hoje, nunca trabalhei como jornalista profissional em lugar algum. Para sua informação – e de todos os outros leitores deste Blog do Bentes –, eu estive no portal Amazônia na condição de estágio remunerado, e não como jornalista profissional. E só tive o direito de estar nessa condição por estar devidamente matriculado em uma faculdade de Jornalismo. A faculdade onde estudo exige o estágio (muitas outras também o fazem), assim como outras atividades extra-classe como forma de completar a grade curricular. Sem as horas complementares, sem diploma. A atividade que fiz no citado veículo de comunicação, portanto, fazia parte de minha formação acadêmica e não era uma atividade profissional, apesar da remuneração, que, oficialmente, é chamada de ‘bolsa-auxílio’.

Sendo assim, e agradecido por sua participação, peço apenas que, na ocasião de um próximo comentário, faça o favor de se identificar e dizer qual sua formação. Caso ainda não tenha tido a oportunidade de estar em uma faculdade, diga ao menos qual área pretende cursar. Quem sabe não debatemos a necessidade ou não do diploma da profissão que você pretende abraçar?

Sem mais e ciente do respeito mútuo, abraços

Mário Bentes

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Estudante do sétimo período de Jornalismo em Manaus, AM