Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Uma conquista obsoleta e desnecessária

Senhoras e senhores, colecionadores de ocasião, os bons apreciadores de papéis históricos, quem sabe algum bom e nostálgico representante do público leitor de jornais das décadas de 60, 70 e 80, atenção aos remanescentes da ‘ditabranda’, os que ficaram na estrada, no meio do caminho, relembrando lutas e sonhos, ideais democráticos e até soluções passivas para guerras de mercado!

Creiam, tenho um diploma de Comunicação Social, expedido por Universidade Federal, datado de 1973, que remete à primeira turma de alunos-bacharéis em Jornalismo, cujo curso foi criado para implantar-se de acordo com a tal lei que exigia, a partir de 69, a obrigatoriedade do ‘canudo’ universitário para o exercício da profissão no Brasil.

Ele (o diploma em questão) é precioso, uma vez que pertence à classe dos ainda impressos em papel pergaminhado, o que lhe dá um tom de relíquia histórica. Como se não bastasse, pertence a alguém que exerce(u) o ofício por mais de 40 anos, aprendeu a acatar decisões do STF, respeita a ordem legal do país, e entende que há um mercado de trabalho sazonal para todas as profissões. Muitas vezes, a diplomada (eu) cobriu, por necessidade de informar à população, casos de exercício ilegal da Medicina, por exemplo, e o fez ciosa da importância que assume a revelação da fraude e do embuste diante dos critérios responsáveis que devem permear as práticas dos serviços prestados a um povo crente nos seus cuidadores de saúde física e mental.

Para os que penduraram os diplomas

Bem, ao aludir à saúde mental, claro, refiro-me ao contexto social e humano que toda informação traz no seu bojo, tanto a nível estampado em manchetes chamativas como no subreptício enfoque ideológico que toda mensagem traz e na responsabilidade que esta plêiade informativa é capaz de legar aos seus públicos desavisados ou inocentes.

Mas, o objeto em questão, digo, o diploma universitário, tornou-se obsoleto e desnecessário, uma vez que não é mais exigido, por força de decisão judicial, para o desempenho da profissão ‘romântica’ de jornalista, segundo o que ficou estabelecido. E aí, apesar de ter pensado em leiloá-lo, pois seria um bom destino que seu comprador o pusesse num quadro envidraçado e o expusesse para as futuras gerações, acabo de resolver que a rifa, esse popular hábito, é mesmo, uma agradável solução.

Vou numerar de um a 1000, estabelecer valor compatível, colocar na internet, arrecadar o dinheiro, estabelecer data na Loteria Federal para a conferência do número ganhador do prêmio e avisar os incautos que toda a venda da rifa será doada a uma instituição de caridade, qual seja, uma ordem religiosa séria que cuide de jornalistas idosos, desamparados, principalmente os que penduraram, além das chuteiras, também os diplomas, e se orgulharam, algum dia, de ter exercido profissão tão valorizada e respeitada no Brasil.

‘Os cães ladram e a caravana passa’

Caso alguém conheça algum ‘coleguinha’ que precise de fundos para sua sobrevivência honrada, que não consiga viver apenas da aposentadoria precária que lhe foi concedida pelo INSS, avise que há em curso uma rifa que arrecadará ‘algum’ para ajudar na compra de pílulas alimentícias do dr. Diploma Falido. Ou, para qualquer outro medicamento prescrito a engasgados, com gargantas fechadas que precisam se abrir e engolir, goela abaixo, decisões que envolvam interesses vários, que atinjam diretamente as vidas de operários como os da comunicação, os tais qualificados, mas que, na verdade, não devem interferir nos preceitos básicos da indústria cultural comandada por grupos idôneos, detentores das respeitáveis redes de informação que ‘assolam’ o país.

Sendo assim, ponho-me à disposição para iniciar a rolagem da ‘rifa’, ou melhor, da dívida que penso ter com a União, já que ela, através da Universidade Federal, me deu a chance de estudar, nos anos de chumbo, um curso tão esclarecedor e que me abriu os olhos para um contexto acadêmico onde aprendi a observar ideologias e comportamentos industriais, além de ter incorporado a grande sapiência de entender que a corda arrebenta sempre do lado mais fraco. As leis mudam de acordo com a sociedade reinvindicadora e, como dizia o ‘mestre’ sem diploma, Ibrahim Sued: ‘Os cães ladram e a caravana passa.’

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Jornalista, Rio de Janeiro, RJ