2 de março de 2005. Milhões de brasileiros com males hoje incuráveis como mal de Parkinson, lesões graves de medula, esclerose múltipla, distrofias musculares e outras doenças neuromusculares conquistaram a possibilidade de sonhar com um tratamento futuro. Em sessão histórica, a Câmara de Deputados aprovou a Lei de Biossegurança, que autoriza a realização de pesquisas com células-tronco embrionárias obtidas de embriões congelados há mais de três anos – ou descartados pelas clínicas de fertilização por não terem qualidade para implantação.
Placar de virada – 366 votos a favor, 59 contra e três abstenções –, já que, a princípio, até derrota fragorosa se cogitava. Foi a segunda vitória (a primeira deu-se no Senado, em 2004) deste novo e revolucionário jogo pela vida, que avança célere na Inglaterra, Japão, Coréia e Israel.
‘A parceria mídia-pacientes-pesquisadores-profissionais de saúde foi decisiva. A virada se deu à medida que a imprensa ia entendendo a questão e apoiando’, avalia Mayana Zatz, a grande articuladora dos interesses dos cientistas e dos pacientes junto aos parlamentares e à sociedade civil. Mas, ela avisa desde já: ‘É muito difícil o equilíbrio entre a realidade científica e a esperança. Por isso, vamos continuar precisando do apoio da mídia, inclusive para evitar que pacientes e familiares sejam enganados por falsas promessas’.
Mayana Zatz joga tanto no time dos cientistas quanto no dos pacientes. Pesquisadora de renome internacional, a sua principal área de investigação são as doenças genéticas que levam à progressiva degeneração dos músculos.
No último ano, além da coordenação do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP, das aulas de Genética Humana e Médica e da presidência da Associação Brasileira de Distrofia Muscular (Abdim), Mayana gastou muita sola de sapato e saliva no Congresso Nacional.
Incansável, sabe que, paralelamente às pesquisas, terá que lidar com críticas levianas (inclusive neste Observatório), de um lado; e, de outro, com a expectativa e a pressão de pacientes, familiares e da própria imprensa. Nesta entrevista ao OI, a cientista-geneticista-professora-ativista põe os pingos nos is.
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Há 17 anos acompanho o seu trabalho. Nesse período,a vi muitas vezes dizer a pais e mães de meninos com distrofia muscular de Duchenne [antes, todos morriam no início da adolescência; hoje, alguns já chegam aos 30 anos] que tudo o que se fazia nos Estados Unidos e Europa em termos de tratamento se conseguia no Brasil. E agora?
Mayna Zatz – Felizmente, continuaremos dando a familiares e pacientes a certeza: aqui também estamos tentando fazer o melhor. O que, claro, deixaria de ser verdade se as pesquisas com células de embriões tivessem sido proibidas.
Isso é particularmente tranqüilizador para os mais pobres, certo?
M. Z. – Sem dúvida. O diagnóstico de uma doença grave, como Duchenne, desespera os pais. Todos querem ter certeza de que o tratamento do filho é o melhor. Só que, para os ricos, não faria muita diferença se o Congresso Nacional rejeitasse as pesquisas com células tronco-embrionárias. No dia em que os estudos comprovassem que elas funcionam para distrofia muscular, eles viajariam para o exterior e se beneficiariam dos avanços científicos. Os pobres, não. A eles só restaria rezar. É cruel demais.
A que a senhora atribui a virada de jogo no Brasil?
M. Z. – À parceria mídia-pacientes-pesquisadores-profissionais de saúde, a exemplo do que aconteceu com a Aids nas décadas de 1980 e 1990. Uma vitória construída com muita batalha. Para se ter idéia, há três ou quatro anos houve uma audiência pública no Senado para que os pesquisadores esclarecessem o assunto. Um desastre completo. Passamos o tempo todo falando para o umbigo. Havia pouquíssimos parlamentares assistindo; em compensação, representantes de religiões existiam muitos. Também na época eram poucos os jornalistas que nos apoiavam.
Como o movimento pró-liberação das células-tronco embrionárias conquistou a mídia?
M. Z. – À medida que a gente tinha a oportunidade de explicar o que eram as células-tronco embrionárias e o jornalista entendia. Aí, a adesão foi crescendo.
Qual era o equívoco mais comum?
M. Z. – Um dos mais comuns era achar que a utilização de células-tronco de embriões equivale a aborto. E definitivamente não é aborto. Embriões congelados são totalmente diferentes de fetos no útero materno. No aborto provocado, há um feto em desenvolvimento dentro do útero da mulher e, aí, se interrompe essa vida. Já no embrião congelado em clínica de fertilização, não há chance de vida se alguém não tirá-lo do tubo de ensaio e o colocar no útero. É a segunda intervenção humana. A primeira foi para fazer o que a natureza não conseguiu sozinha: juntar um óvulo com um espermatozóide e formar um embrião. Na prática, esses embriões ficam congelados por anos, tornam-se inviáveis e são jogados no lixo.
Se os pacientes não tivessem participado do corpo-a-corpo na Câmara dos Deputados, o projeto teria passado com tanta folga?
M. Z. – Duvido. A participação deles foi extremamente importante. O contato com crianças e jovens, em cadeiras de rodas, algumas com pouco tempo de vida, sensibilizou muito os parlamentares e a sociedade.
Quando o deputado Severino Cavalcanti foi eleito presidente da Câmara a senhora temeu pelo destino do projeto?
M. Z – Muita gente me alertou: ‘Agora, esqueça o assunto, o Severino é muito religioso’. Aconteceu o contrário. Quando o procurei, ele foi receptivo: ‘Eu conheço o seu trabalho, pois minha filha [Ana Cavalcanti, deputada estadual pelo PP em Pernambuco] é fisioterapeuta, trabalhou muito com crianças e jovens portadores de distrofia, defende as pesquisas com células embrionárias e me avisou que não sairia de Brasília enquanto eu não colocasse o projeto em votação’. Depois conheci a filha dele, que confirmou: ‘Quando comecei a trabalhar com esses pacientes, eu chegava em casa e chorava. Aí, minha mãe me via, e chorava junto. Ela também defende as pesquisas com células-tronco embrionárias’.
Há quem a acuse de ter usado e enganado os pacientes…
M. Z. – Quem me conhece sabe que é mentira. Sempre vesti a camisa dos doentes. O que acontece é que, normalmente, decisões importantes são tomadas por cientistas, políticos, juristas; os pacientes, os mais interessados, ficam de fora. No caso das pesquisas com as células-tronco, isso não aconteceu. Por meio de suas associações e do Movimento em Prol da Vida (Movitae), eles foram ouvidos, devidamente informados e entraram na briga, inclusive para esclarecimento da sociedade. Esses pacientes sabem que não estamos falando de cura, mas de pesquisa e esperança. Sabem também que há um longo caminho a percorrer, mas só há um jeito de se chegar à cura no futuro: começar já as pesquisas.
A propósito, no artigo ‘Células-tronco na mídia – Debate ético ausente’,veiculado neste Observatório, o biólogo que trabalha com vegetais Vagner Augusto Benedito escreveu: ‘A utilização das células-tronco embrionárias está longe de ser consenso ético na sociedade e sua lei foi aprovada no Congresso devido ao lobby feito por pesquisadores e potenciais usuários; ninguém se pergunta o porquê de haver muitos embriões congelados nas clínicas de fertilização (e a resposta é econômica, ficando a vida em segundo plano)’. Sobre uma entrevista sua ao Jornal da Cultura, diz mais: ‘…o que ela escondeu foi que, se houver pesquisas, há potencial de desenvolvimento de protocolos com as células adultas, sim, embora seja um caminho mais penoso e demorado’.
M. Z. – Vamos por partes, começando pelo título do artigo. A questão ética foi debatida à exaustão. Quanto aos embriões congelados há anos nas clínicas de fertilização, a razão para a sobra não é econômica mas biológica. Na fertilização assistida, a mulher toma doses maciças de hormônio para provocar superovulação. O número de óvulos obtidos é incontrolável. Não dá para dizer que a mulher vai tomar x de hormônio para produzir três óvulos, 3x para fabricar 12. Acontece que tais remédios são prejudiciais à saúde, e a mulher não pode ficar tomando-os à toa. Além disso, ainda não existe método seguro para congelar óvulos, para que sejam fertilizados conforme a necessidade. Resultado: fertilizam-se os óvulos obtidos, produzindo-se três, cinco, dez, quinze embriões. Assim, supondo que uma mulher produzisse 12, inserisse três, tivesse trigêmeos e não quisesse ter mais filhos, sobrariam nove embriões. Por outro lado, freqüentemente a primeira tentativa falha, sendo necessárias duas ou três para apenas um embrião vingar.
O problema não é econômico mesmo.
M. Z. – Nem um pouco. Biológico puro. Tem mais. As pesquisas mostram que quando se insere quatro embriões no útero da mulher, nenhum deles vinga em 70% dos casos. Isso significa que de cada 100 tentativas, com cerca 400 embriões implantados na melhor das condições, 70% (o que corresponde a 280 embriões) não vão resultar em vida. Em 30% das tentativas, às vezes vingam dois, três ou mais, mas na maioria dos casos apenas um. Portanto, quase 90% dos embriões produzidos em clínica e inseridos no útero não resultam em vida. São tentativas que não deram certo. Embrião congelado não é sinônimo de pessoa; é um potencial de vida.
Mas grupos contrários às pesquisas com células de embriões insistem que vocês, pesquisadores, estarão matando pessoas.
M. Z. – É um argumento falso. Não há consenso sobre o início da vida. Para esses grupos, ela começa na hora da fecundação. Só que, em quase 90% dos casos de fertilização assistida, espermatozóide e óvulo se juntam e não acontece nada. Para outros grupos, a vida tem início no momento da implantação do embrião no útero. Há ainda quem ache que ela começa quando o feto pode ter uma vida independente fora do útero materno. Em compensação, todo mundo concorda que a vida termina quando o sistema nervoso central pára de funcionar. É a morte cerebral. É quando se autoriza desligar aparelhos e doar órgãos para transplante. Uma atitude louvável, de extrema solidariedade. E, aí, eu pergunto: se a morte pode ser decretada pelo fim do funcionamento do sistema nervoso central, por que não decretar o início da vida quando começa a haver algum resquício de sistema nervoso, que é muito diferente do cérebro? Por isso, países que permitem as pesquisas com células-tronco embrionárias estabeleceram um limite de até 14 dias, pois até essa fase não existe vestígio de sistema nervoso no embrião.
Nas clínicas de fertilização, os embriões são normalmente congelados com quantos dias?
M. Z. – Dois ou três. A maioria dos embriões – talvez de 90% a 95% deles – será descongelada e não se desenvolverá. Outros, a gente vai poder cultivar até cinco dias, quando se tem aproximadamente 100 células. Até essa fase, ou um pouco adiante, todas as células embrionárias são pluripotentes, ou seja, são capazes de gerar todos os tecidos do corpo humano, mas não de gerar um novo ser. É com essas células que vamos trabalhar.
E sobre a afirmação do biólogo de que ‘há potencial de desenvolvimento de protocolos com as células adultas, sim, embora seja um caminho mais penoso e demorado’, o que a senhora tem a dizer?
M. Z. – Ao contrário do que o biólogo diz, é muitíssimo mais fácil trabalhar com células-tronco adultas. Afinal, estão disponíveis na medula óssea de todo mundo e no cordão umbilical. A diferença é que as de cordão são um pouquinho melhores. Eu mesma faço pesquisas com células-tronco adultas há mais de dois anos. Mas, infelizmente, os estudos estão mostrando que elas têm potencial limitado. E isso é mais ou menos intuitivo. As células-tronco da medula óssea são curingas no nosso corpo; têm a função de combater doenças. Só que se fossem tão maravilhosas, ninguém teria nenhum problema. Na hora em que algum mal nos ocorresse, elas se mobilizariam e resolveriam-no sozinhas, e a gente não precisaria se preocupar. Mas não é o que acontece.
Ouvi pessoas contrárias à utilização de células-tronco embrionárias afirmarem que as adultas são melhores e que só elas mostraram resultados em tentativas terapêuticas. O que a senhora pensa disso?
M. Z. – Eu é que pergunto a essas pessoas: como podem afirmar que as adultas são melhores se não foram feitas pesquisas com as embrionárias?
Nos últimos tempos, a mídia tem divulgado resultados auspiciosos de pessoas tratadas no Brasil com células-tronco adultas, como alguns pacientes com problemas cardíacos e a mulher com acidente vascular cerebral (AVC). Isso ainda é experiência, não é?
M. Z. – Com certeza é. Os próprios jornalistas confundem muito tratamento com experiência terapêutica. Pois os casos da mulher com AVC e dos pacientes cardíacos são, por enquanto, tentativas terapêuticas – e limitadas. Nada a ver com tratamento. Também é preciso ficar claro que todas essas pessoas tiveram injetadas células-tronco adultas produzidas pela medula óssea delas – o chamado autotransplante.
O autotransplante serve para doença genética?
M. Z. – Não, porque todas as células desses pacientes carregam o defeito causador da doença. Só no Brasil há mais de 5 milhões portadores de doenças genéticas.
Como diferenciar para o leigo experiência terapêutica de tratamento?
M. Z. – Tomemos o caso daquela senhora que sofreu derrame cerebral. Após um AVC, muitas vezes a pessoa se recupera totalmente sem nenhuma medicação. A própria natureza faz isso. Então, como ter certeza de que o benefício decorreu da injeção de células-tronco ou por que a pessoa iria melhorar de qualquer maneira? Para saber isso é necessário submeter outros pacientes à mesma experiência terapêutica. Resumidamente é assim: seleciono 50 pacientes que sofreram derrame cerebral, de preferência de intensidade e idades semelhantes, e injeto neles células-tronco. Escolho outros 50 com as mesmas características e não dou nada. Aí, sigo os dois grupos por, pelo menos, um ano. Depois, comparo-os para saber qual teve melhor recuperação. Se após essa fase de experiência se concluir que o benefício é mesmo das injeções de células-tronco, elas passam a ser consideradas tratamento.
Pelo noticiário às vezes se tem a impressão de que as células-tronco são panacéia. A senhora acredita que elas sejam o remédio para todos os males incuráveis?
M. Z. – Seguramente, não. Por exemplo, doença de Alzheimer. Essa doença leva à demência progressiva devido à formação de depósitos [placas amilóides] entre os neurônios, que os impedem de se comunicar, atrofiando-os. Ouço muito que as células-tronco seriam o tratamento do futuro para ela. Eu nunca achei isso. Na minha cabeça, sempre fez mais sentido remover ou impedir a formação desses depósitos. Pois há dois meses, artigo publicado pelo Journal of Clinical Investigation reforçou essa hipótese. Os investigadores fizeram experimento com camundongos que têm doença semelhante à Alzheimer. Eles injetaram nos animais anticorpos contra as placas amilóides e com isso conseguiram recuperar muitos neurônios. Já no mal de Parkinson as células-tronco são aparentemente a melhor estratégica. Os neurônios param de fabricar o neurotransmissor dopamina, que tem papel muito importante no bom funcionamento das conexões nervosas. Então, seria muito bom substituir esses neurônios por outros que fabricassem a dopamina.
Pelo conhecimento atual, quais doenças seriam tratáveis com células-tronco?
M. Z. – Potencialmente, todas as doenças em que os tecidos se degeneram por doença ou mesmo envelhecimento. Os tecidos defeituosos seriam substituídos ou corrigidos através da terapia de células-tronco. Será um avanço gigantesco nas técnicas de transplante de órgãos. Poderá ser útil também em câncer – para reparar um tecido após a retirada de um tumor, por exemplo. Se as pesquisas derem os resultados esperados, a expectativa é que no futuro seja possível fabricar tecidos e órgãos em quantidade suficiente para todos. Mas, com certeza, a terapia de células-tronco já é tratamento consagrado para várias doenças hematológicas.
O transplante de medula óssea que hoje se faz para leucemias e algumas formas de anemia já é terapia de células-tronco?
M. Z. – Sim. Temos células-tronco em vários tecidos, tais como sangue, medula óssea, fígado e cordão umbilical. O transplante das retiradas da medula óssea – e mais recentemente do sangue do cordão umbilical e da placenta de doadores compatíveis – é um exemplo de terapia celular de grande sucesso. Mas todas essas são células-tronco adultas. São o que o chamamos de oligopotentes, isto é, podem formar alguns tecidos, como as células sangüíneas. Apenas as células-tronco embrionárias são pluripotentes, ou seja, têm o potencial de fabricar os 216 tipos de tecidos do corpo humano.
Provavelmente em três a quatro meses, pesquisadores brasileiros, inclusive a senhora, começarão as pesquisas com células-tronco embrionárias. Por isso, faço a pergunta que todo familiar ou paciente com distrofia muscular certamente lhe faria agora: quanto tempo vai levar para a medicina oferecer tratamento com essa nova tecnologia?
M. Z. – É importante que a sociedade tenha claro o seguinte: temos muitos obstáculos a vencer até chegarmos ao tratamento, o que levará anos. Por isso, é preciso começar as pesquisas agora para se oferecer o tratamento no futuro.
E quais serão os primeiros passos do seu grupo?
M. Z – A primeira coisa é aprender a ‘programar’ as células embrionárias in vitro, no tubo de ensaio. Como é que eu ‘digo’ a uma célula, antes de injetá-la no corpo, ‘olha o seu compromisso’ é fabricar músculo ou neurônio ou o pâncreas, por exemplo. Isso a gente vai ter que aprender no laboratório. A etapa seguinte é trabalhar com modelos animais. Existem camundongos imunodeficientes e camundongos com distrofia muscular. Nós vamos tentar cruzá-los, para ver se conseguimos bichinhos com as duas características. Uma vez obtidos, vamos injetar neles células-tronco humanas [como têm as defesas imunológicas reduzidas, não há rejeição] para ver o que acontece in vivo. Existem equipamentos que permitem visualizar no animal vivo se as células injetadas estão indo para o lugar que se quer e como vai ser a evolução a longo prazo. Além disso, vamos tentar tratar cães e camundongos, que têm distrofias semelhantes às humanas, com células-tronco embrionárias e adultas obtidas de animais sadios e observar se eles melhoram. Só depois de vencidas essas etapas, começaremos as pesquisas em seres humanos.
Considerando que as células embrionárias têm poder muito grande de divisão, há risco de produzirem tumores?
M. Z. – Há, sim, se as células forem injetadas no corpo, sem se preestabelecer o destino delas. É um risco potencial que existe também com as células-tronco adultas. Por isso, tem que se tomar muito cuidado com elas.
E se o embrião tiver doença genética, suas células poderiam ser utilizadas?
M. Z. – Depende. Vamos imaginar um embrião com mutação genética para fibrose cística, uma doença grave do pulmão. Só que eu quero, por exemplo, corrigir defeito de músculo. Como a fibrose cística não ocasiona problema de músculo, teoricamente essas células embrionárias poderiam ser utilizadas para fabricar tecido muscular. Nunca serviria, porém, para alguém com fibrose cística. Lembre-se: nós vamos usar essas células para fabricar tecidos, e mutações ocorrem o tempo todo no nosso corpo. Mas se essas alterações não forem em tecido onde a mutação tem papel importante, isso provavelmente não causaria problemas.
Só que quem precisa tem pressa. Como lidar a partir de agora com a expectativa de pacientes, familiares e da própria mídia?
M. Z. – Não vai ser fácil. É muito difícil o equilíbrio entre a realidade científica e a esperança. Já estamos tendo pressão enorme de pacientes, querendo ser cobaias. Mas não faremos nenhum tratamento enquanto não tivermos certeza de que não há risco para o paciente.
Como os jornalistas poderiam ajudar daqui em diante?
M. Z. – Primeiro, fazer atualização periódica do andamento das pesquisas: o que está sendo pesquisado, os resultados e a possibilidade de tratamento ou não em pessoas. Segundo, sempre que descobrir algum tipo de charlatanismo nessa área, denunciá-lo. É para evitar que pacientes e familiares sejam enganados por falsas promessas.
E às pessoas contrárias às pesquisas com células-tronco embrionárias, o que a senhora diria?
M. Z. – Gostaria de convidá-las para conhecer de perto pacientes com distrofia muscular ou outras doenças neuromusculares [atingem uma em cada mil pessoas] e o desespero dos pais vendo seus filhos morrerem jovens. Lembrá-las também que os embriões congelados há muitos anos vão para o lixo de qualquer jeito, pois são inviáveis. E, aí, fazer duas perguntas, inclusive ao biólogo Vagner Benedito: se o seu filho estivesse morrendo numa cadeira de rodas, será que você teria coragem de dizer que o embrião é mais importante do que a vida do seu menino?; será que existe destino mais nobre para os embriões congelados nos tubos de ensaio do que tentar salvar vidas? Para mim, não existe. A expectativa de um tratamento para inúmeros pacientes condenados deve estar acima de dogmas religiosos.
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Jornalista