Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um terreno escorregadio

Se na guerra a primeira vítima é a verdade, no campo político não tem sido diferente. Avançar nesse território, de embates e contradições, significa mais que fincar trincheiras ou vencer pequenas batalhas – e não é por acaso que a linguagem bélica contamina o noticiário político – significa subjugar o inimigo e conquistar o seu lugar, ou seja, o poder.

Não são menos ardilosas as estratégias ou os estratagemas que lançam mão do já velho conhecido marketing e da não menos eficaz propaganda – afinal, se a verdade está ferida de morte convém fabricar outra para ocupar o seu lugar. Assim, mentiras repetidas à exaustão, já ensinavam os arquitetos do III Reich, tornam-se verdades palatáveis, ainda que no fundo se sinta um ranço de amargor.

Juntem-se a esses ingredientes a falta de memória, outro tanto de estupidez e ignorância, a falta de discernimento crítico aliada ao analfabetismo funcional, uma carga de paixão (e ódio) elevada à potência das redes sociais (na adoção, por exemplo, de técnicas bismarckianas das “turmas especiais de boateiros” para espalhar insultos e impropérios, atingindo os adversários) e se tem o cenário ideal para a despolitização, para o incremento do radicalismo e do conservadorismo, além de uma ferida social ou um vale-tudo que põe em risco a própria sociedade.

O que não se diz também se torna tão perigoso quanto o que se deturpa porque sobre determinados assuntos ou pontos sensíveis dos governos se sobrepõe, por vezes, um véu de eufemismos a diluir em nuances suaves qualquer notícia desabonadora ou simplesmente a escamotear a realidade (a exemplo da expressão crise hídrica, no estado de São Paulo, como se não denotasse falta d’água e racionamento), quando não a imposição do silêncio mais absoluto, na irrelevância dos fatos, numa imprensa não menos burocrática ou parcial.

Reacionarismo e individualismo

Aliás, é na extensão do território midiático que se jogam tais cartas, principalmente quando a fraqueza de uma oposição responsável permite que se arvorem os velhos apaniguados e seus acólitos ou que a própria imprensa assuma esse papel oposicionista, acirrando-se as disputas numa sangria desvairada, também empreitada por “novos” artífices (em figuras emblemáticas como as dos presidentes do Senado e da Câmara Federal) em busca de um quinhão cada vez maior de poder. Por outro lado, não são menos promíscuas (e contraditórias) as relações do governo federal, por exemplo, na subvenção, no abre e fecha das torneiras dos anúncios oficiais às empresas jornalísticas, num vínculo tenso de convivência de interesses.

Margeia-se, portanto, um terreno escorregadio em que se faz da sociedade a massa necessária para projetos que não são de uma nação verdadeiramente democrática, mas sim, de um reacionarismo burro, aviltante, de um individualismo egoísta e tacanho, da despolitização. Até por uma questão de sobrevivência, conviria à imprensa um olhar mais atento para que também não se deixe ferir (ainda mais) em sua credibilidade.

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Afonso Caramano é servidor público municipal e escritor