Não lembro exatamente o ano. Devia ser final dos anos 90 e não tínhamos sites de notícia nem redes sociais. Eu ainda era editor da revista Empreendedor e a redação ficava no nono andar do bloco C do Ceisa Center, um dos mais antigos centros executivos de Florianópolis, bem no centro da cidade. Da janela da minha sala, a vista dava para a avenida Osmar Cunha e para a rua Trajano. Vi passeatas, pequenos acidentes de trânsito, mas jamais pensei que fosse ver o que vi no início da tarde: um suicídio.
Ouvi um estrondo. Levantei a cabeça e vi um jovem se atirando pela janela do corredor. O estrondo foi ele quebrando o vidro da janela com um martelo. Cena chocante, que logo chamou a atenção não só na redação da revista, mas de todo o Ceisa Center e seus três blocos.
O corpo caiu sobre o telhado de um posto de gasolina que funcionava ali na esquina. Os bombeiros tentaram, mas não conseguiram salvar o jovem. Havia muita comoção. Colegas emocionados diante de uma cena tão trágica. Mas o episódio se encerrou ali, assim que o corpo foi retirado do telhado. E voltamos todos para nossa rotina.
Na TV, no rádio ou nos jornais do dia seguinte, nenhuma nota a respeito, como é praxe dos veículos de comunicação: suicídio não é notícia. Mas você deve imaginar como seria se tivesse ocorrido nos dias de hoje? Os veículos continuariam seguindo a convenção de não publicar, mas nas redes sociais…
Comportamento mórbido
Bem, nas redes sociais não há filtro nem limites. Foi o que se viu na quarta-feira (6/5/2015), mais uma vez, entre usuários do Twitter aqui de Florianópolis. Uma moça morreu em um shopping da cidade e foi um festival comentários deprimentes no Twitter. De dar nojo. Foto do corpo estendido no chão, julgamentos de caráter, conclusões antecipadas sobre o fato e suas motivações e até piadas com kkkkk inclusive. Só faltou selfie ao lado do corpo fazendo joinha ou biquinho (o que não seria de se espantar). E se bobear ainda veremos críticas e pedidos cobrando a falta da “notícia” nos veículos de comunicação.
Se por um lado, a gente comemora o poder que as redes sociais deram para o cidadão que fazem dele meio/produtor de conteúdo, por outro, falta para muitos a noção exata do que esse poder representa. Sabe o conselho recebido do tio pelo Homem-Aranha? Pois é.
Como escrevi no Facebook, numa troca de mensagens com os colegas jornalista Cesar Valente e Luís Meneghim, rede social é conversa de janela, de portão, de recreio, enfim, sem filtro. É a parte que o povo não entendeu direito, essa de também ser “produtor de informação”. Tem que ter o mínimo de noção do quê e como publicar. Nunca terão.
Uma pena. Esse comportamento mórbido joga contra o real poder das redes sociais e todo o seu potencial como ferramenta de produção de conteúdo e de interatividade. E aumenta a responsabilidade de jornalistas e veículos que apostam no conteúdo cidadão e correm o risco de jogar para a torcida na base do “tá todo mundo falando disso nas redes sociais”. Respire, conte até 10 e reflita para não cair nessa armadilha.
Espera-se uma imagem inspiradora
Não vejo muitos caminhos para uma mudança de comportamento. Até porque também não vejo abertura para que usuários de redes sociais assimilem boas práticas como as que são propostas para jornalistas pela ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria). A entidade elaborou um guia com orientações sobre como abordar o suicídio na imprensa.
>> Faça o download do guia da ABP
Fica a sugestão para que entidades como a ABP também pensem em incentivar uma nova prática nas redes sociais. Não custa tentar. E torço para que, quando levantar a cabeça e olhar pela janela, você, usuário sem noção e irresponsável de rede social, veja sempre uma imagem inspiradora e jamais a cena que vi no Ceisa.
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Alexandre Gonçalves é jornalista